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Crítica | A Vida Após a Vida

Nem todos os cineastas conseguem estabelecer, desde o primeiro trabalho, a marca autoral que identifica todo o resto de sua obra futura. Se assim fosse, também não teria graça. No caso do estreante Zhang Hanyi, que chega às telonas com seu A Vida Após a Vida, suas referências estão muito latentes, ainda mais tratando-se de cinema oriental. A produção carrega o nome de Jia Zhangke (As Montanhas se Separam, Um Toque de Pecado, O Mundo), o que cria certa expectativa. Mas não que sua mão apareça. O estilo de Zhang pode ter costuras muito explícitas para alguns cinéfilos.

A Vida Após a Vida trata da história do espírito de uma mulher, Xiuyung, que, possuindo o corpo do seu filho, Leilei (Zhang Li), volta à Terra para resolver um assunto com seu marido, Mingchun (Zhang Mingjun). Ela pede que uma árvore, plantada no quintal da casa da família, seja mudada de lugar. Para isso, suas raízes não podem ser danificadas, ou a planta morrerá. Ela merece um espaço melhor.

O fato é que o terreno do filme é um mundo em transição, em viagem, ou melhor, em êxodo. O longa começa com uma cena em que Mingchun conversa com o seu tio, num lugar repleto de árvores, cada uma com sua referente homenagem. Na sequência seguinte, esse tio morre. É menos um indivíduo para o vilarejo, o que proporcionalmente é muito. Xiuyung também já deixou este lugar, porém, precocemente. Seu filho e seu marido não se dão tão bem, afinal, o pai é enraizado no campo, mas Leilei não quer seguir o cotidiano de Mingchun. Ele quer habitar um outro universo, no caso, a cidade.

Durante seus capsulares oitenta minutos, A Vida Após a Vida decididamente trata da mudança e do progresso tecnológico contando uma fábula cheia de misticismo e humor. Para isso, em termos de estilo e de ambientação, Zhang parece ter fazer uma mistura da mística naturalizada e dos planos abertos dos filmes de Apichatpong Weerasethakul (Tio Boonmee que Pode Recordar Suas Vidas Passadas, Cemitério do Esplendor), mas com uma rigidez de movimentação de câmera que lembra a austeridade de Robert Bresson. E não afirmo que Zhang tenha conseguido aplicar em seu filme as qualidades que enriquecem a obra desses dois diretores, mas absorvido superficialmente suas preferências plásticas.

Isto é, no caso da influência diretor tailandês, podemos detectar a abordagem sobrenatural que não causa espanto, e que se manifesta nas cenas sem quaisquer recursos externos. A possessão, aqui, não é tratada de forma demoníaca ou algo do tipo, mas uma manifestação compreensível para todos os personagens. Quando Leilei sai do quadro e volta, minutos depois, já encarnando a alma de sua mãe, Mingchun não entra em dúvida. Nem nenhum dos outros personagens que ficam sabendo do fato. Assim como não há estranhamento em relação à reencarnação dos espíritos no corpo de animais, como cachorros ou pássaros. É uma marca da cultura oriental que dá uma lição de humildade na profusão teórica, segregadora (e ironicamente, cética) do Ocidente, que sacrificou, por exemplo, uma Joana D’Arc. Mas, até aí, o ponto de vista sobre transcendência, pouco tem a ver com as ideias de Bresson.

Além disso, na parte da composição dos quadros, percebe-se a preferência pelo afastamento da câmera e por planos fixos. Quando a câmera se move, os trajetos são sempre calculados, lembrando a rigidez do diretor francês já citado. O comportamento dos atores também lembra algo do francês, na inexpressividade de “modelo” que garante alguns ligeiros momentos cômicos.

Junto de uma fotografia pálida, que inspira certo tom de exuberância nas paisagens secas, A Vida Após a Vida tem um ritmo leve e que combina bem com as ideias da narrativa. Paira por todo o filme uma dificuldade de locomoção – manifestada com bastante destaque no incômoda morte da cabra. Aos poucos, tudo vai saindo de lugar – é o que atesta a cena em que operários locomovem um pedra como se ela fosse um enorme ser animado, ou ainda quando encontramos um rebanho caprino nas copas de uma árvore . Essa jornada de construção de laços com o Lar (a morada, a família, a terra…) carrega algo de fascinante, empático e ainda assim misterioso. Será que a nossa casa mesmo é na vida após essa vida? A situação de Xiuyung mostra que nem sempre dessa vamos para uma melhor, nem que a saída do velho automaticamente dá lugar ao novo. Mesmo assim, seu retorno é um belo gesto de resistência, de beleza em meio à extinção.

Nesta sua incursão nem tão original, A Vida Após a Vida guarda ainda um traço complementar que marca de vez a falta de amadurecimento do diretor. Há uma tentativa pouco estimulante (muito racional para o conjunto) de traçar um comentário metalinguístico sobre as redundâncias da jornada. O protagonista acaba carregando o filho nas costas e olhando para o espectador, enquanto aparece um letreiro na tela: a história é narrada por Leilei. Essa mistura da presença do sobrenatural em cena, sem artifícios, é confrontada por essa tentativa de impacto – mas não há espaço para essas ideias. Não chega a ser uma espinha de peixe, mas é uma gordurinha desagradável nesta refeição, no geral, bem preparada.

A Vida Após a Vida (Zhi fan ye mao, China – 2016)

Direção: Hanyi Zhang
Roteiro: Hanyi Zhang
Elenco: Zhang Li e Zhang Mingjun
Gênero: Drama
Duração: 80 min

Redação Bastidores

Publicado por Redação Bastidores

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