Depois de 2014, os fãs do Cabeça-de-Teia se viram em uma bela enrascada com o futuro incerto da franquia mais amada da Marvel. Após anos de lançamentos medíocres sob o selo da Activision – com um breve respiro com games roteirizados por Dan Slott, a marca do Homem-Aranha tinha minguado nos games. Porém, sem novidades por três anos, em 2017 a Sony, aproveitando deter os direitos audiovisuais do personagem, o consagrou com um belíssimo título exclusivo produzido pela Insomniac: Marvel’s Spider-Man, chegando somente em 2018. 

Agora, cinco anos após o lançamento do jogo original que teve direito a um excelente derivado e também uma bem-vinda remasterização, finalmente inaugura de vez o PlayStation 5 que ganha seu primeiro verdadeiro exclusivo de peso com Marvel’s Spider-Man 2. Cercado por enormes expectativas e também um sarrafo altíssimo estabelecido pelo primeiro jogo, é um verdadeiro deleite afirmar que a sequência consegue aprimorar praticamente todos os campos do original, menos em um quesito bem importante.

Uma história de luto

Como já sabemos, os grandes exclusivos PlayStation gostam de experimentar intensamente com narrativas cinematográficas de qualidade. Logo, não é exagero dizer que o jogo original trouxe uma das melhores histórias audiovisuais com o Teioso desde então. Felizmente, sua sequência consegue entregar bons elementos, mas com uma dose considerável de probleminhas. 

A aventura é iniciada poucos meses após os eventos de Marvel’s Spider-Man: Miles Morales, com Peter Parker já tendo treinado boas doses de heroísmo e truques aracnídeos com Miles. Em seu primeiro dia de trabalho na escola de ensino médio onde Miles estuda, Peter mais uma vez se vê dividido em conciliar uma rotina normal com o peso do manto do Aranha, afinal, do nada, o Homem-Areia ataca Manhattan com uma agressividade inédita. 

Após uma grande batalha, Peter e Miles descobrem que algo perturba o Homem-Areia além do normal, que anuncia que a cidade se tornará um campo de caça em breve. Enquanto os dois se empenham em entender a ameaça que virá sob a trupe militarizada de Kraven, o caçador, Peter tem a chance de recomeçar uma nova vida profissional quando Harry Osborn retorna de seu tratamento misterioso relembrando tempos mais fáceis da vida de ambos. 

Enquanto isso, Miles ainda lida com a perda de seu pai pelo ataque terrorista do Senhor Negativo e também com a pressão de fazer uma boa redação para entrar na faculdade de engenharia musical que tanto sonha, além de conciliar seu tempo de paquera com Hailey, a artista deficiente auditiva do Harlem. 

Como muito bem alardeado e até mesmo entregue em trailers, a trama de Spider-Man 2 vai muito além do que a sinopse da primeira hora pode oferecer. A narrativa escrita por Nick Folkman e Rob Forman busca lidar com inspirações pesadas das fases de Michelinie, McFarlane e DeMatteis que resultam em pontos-chaves da história do jogo: o nascimento de Venom e a última caçada de Kraven. 

Porém, mesmo que o material de inspiração seja de altíssima qualidade, principalmente pela história de Kraven que DeMatteis escreveu que eu recomendo ao máximo para quem nunca leu, a narrativa repleta de potencial acaba surpreendendo mais por surpresas de fanservice do que por méritos da própria escrita. Sim, a história é redonda e se complementa bem, o arco narrativo de Miles é bastante eficaz e há um bom segmento de DR entre Peter Parker e Mary Jane, porém as fundações da problemática do vindouro terceiro jogo fazem pouco ou nenhum sentido. 

Os roteiristas tocam em temas pesados envolvendo a filosofia da não-letalidade dos heróis, do luto da morte e da culpa que Peter carrega ao colecionar cadáveres das pessoas que ama, principalmente da tia May. Mas tudo é pincelado com uma sutileza tímida irritante para evitar a todo custo uma classificação etária mais madura – o que “prejudicaria” a base de vendas do jogo. 

Logo, sabendo que existe essa claríssima mão pesada de produtores no desenho da história, temos diversos revéses inesperados ao lidar justo com o uniforme negro do simbionte que sempre traz problemáticas de violência e temas muito densos por explorar a fundo o que Peter pensa, mas que retraí ao máximo. O problema é tão evidente que chega a prejudicar o ritmo do jogo.

Todos os eventos que envolvem o uniforme negro são muito ligeiros, apesar de trazer segmentos memoráveis, mas que deveriam ser melhor cadenciados – note o quão rápido a influência do simbionte molda o comportamento de Peter. Para piorar, não há tempo o suficiente para estabelecer melhor Kraven e sua motivação que fica nas entrelinhas – acredite, o personagem tem um lore tão interessante quanto de Octopus ou Duende Verde nas HQs. 

É triste que Kraven seja um vilão fraco quando tem uma performance tão boa do ator Jim Pirri, repleto de olhares vidrados, insanos e obcecados. O mesmo ocorre com Venom e a relação do simbionte com Peter Parker e também com Miles. Há elementos legais para explorar, mas que novamente não são desenvolvidos. O surgimento do vilão, aliás, é muito previsível e a pressa em encerrar a narrativa também prejudica todo o potencial que o orbita. Em questão de minutos, Venom se torna uma ameaça global. 

Como a campanha possui a mesma quantidade de horas do primeiro jogo, é bem provável que o desenvolvimento narrativo também tenha sido prejudicado pela escolha de termos dois protagonistas jogáveis. Com 15 a 20 horas de duração, o jogo deveria ter ao menos 30 horas para tudo ser melhor distribuído e explorado, mas infelizmente não é o que acontece. 

Embora todos esses problemas de potencial não atingido recaiam na narrativa, é inegável que os roteiristas conhecem bastante o material que trabalham, apresentando soluções com surpresas bem-vindas, além da nova e inédita identidade de Venom trazer riscos ainda mais pessoais para Peter. É curioso porém que eles são mais competentes em trabalhar Miles Morales que Peter Parker, a ponto do pupilo parecer um Homem-Aranha melhor preparado que o original – o que também causa estranhamento, já que em momento algum Miles acaba se precipitando ou fazendo alguma besteira que comprometa uma missão de ambos. 

Aprimorando fundações sólidas

Apesar do desafio parecer quase impossível, a Insomniac conseguiu se superar mais uma vez em todos os termos técnicos possíveis que haviam sido estabelecidos nos jogos anteriores. A começar pelo visual: em todos os modos, o ray tracing é ativado e isso se trata de uma escolha artística bastante importante pois a iluminação dinâmica é uma das tecnologias que torna Spider-Man 2 um manjar para os olhos atingindo níveis de fotorrealismo assustadores.

Isso ocorre principalmente em fases de portas fechadas, com ambientes internos riquíssimos em detalhes como a mansão onde a trupe de Kraven se hospeda ou no zoológico abandonado que Mary Jane visita. O ray tracing se prova um diferencial muito bem-vindo principalmente no comportamento da luz refletindo no oceano que se torna mais realista desta vez. 

Os novos locais para exploração também trazem mais espaços para o jogador descobrir atividades secundárias com parte do Brooklyn, Queens e Coney Island – aqui, há um parque de diversões maravilhoso que torna as noites do jogo ainda mais belas. Por conta da expansão do mapa, o jogador terá que cruzar o East River por diversas vezes e, felizmente, a locomoção com os Aranhas está ainda melhor graças às Asas de Teia. 

A novidade permite que Peter e Miles possam planar por uma boa distância e, caso encontrem correntes de ar e exaustores de máquinas de ar-condicionado, a velocidade é ainda maior. A adição acaba mudando as regras do jogo em termos de usar as teias como principal método para viajar pelo mapa – elas também ganham pontos de impulso de estilingues com os Aranha usando a si mesmos como projéteis para viajar rápido.

Não satisfeita em revolucionar a velocidade de processamento de dados, a Insomniac também apresenta um conceito de viagem rápida praticamente instantânea que, felizmente, é desbloqueável conforme o jogador investe seu tempo em atividades secundárias em diversos dos bairros de Nova Iorque. Além de atividades extras como bases de inimigos e outros elementos desenvolvidos especificamente para cada personagem, também existem missões secundárias que trazem narrativas interessantes para Miles e Peter, resgatando alguns rostos conhecidos. 

Em termos de mecânica, o jogo continua muito aditivo com seu combate que está ainda mais aprimorado. Cada personagem possui uma árvore de habilidades, além de outra conjunta que aprimora outros elementos. A de Miles é focada nos poderes de bioeletricidade enquanto as de Peter trazem novos golpes violentos do simbionte, além de outros de aprimoramentos tecnológicos que ele criou para o traje – claramente as habilidades alienígenas são muito mais interessantes. 

O jogo também possui atalhos inteligentes para o jogador ativar as habilidades especiais, bem como o uso de dispositivos que não estão mais atrelados aos trajes dos personagens. Agora são somente quatro dispositivos à disposição enquanto os trajes, muito diversificados, também contam com estilos com quatro esquemas de cores distintas. Aliás, fica aqui o elogio da atenção da direção do jogo em fazer uma variação do uniforme negro para um traje mais agressivo conforme Peter continua usando o simbionte. É uma atenção aos detalhes realmente digna de nota. 

Outros aprimoramentos de vida, dano, velocidade de locomoção e também dos dispositivos ficam em setores distintos do menu que continua muito funcional e belo com uma UX praticamente perfeita. Os detalhes também oferecem uma experiência bastante rica com o DualSense com recursos sonoros e outros do feedback háptico que torna a experiência de jogo muito mais imersiva, principalmente no combate com cada soco e finalização reverberando intensamente no controle. 

O destaque fica principalmente para o Modo Onda, ativado com R3 + L3, no qual Peter libera o potencial do simbionte com ataques pesados e muito violentos, fazendo o controle literalmente urrar alguns grunhidos sinistros. 

Por fim, uma outra boa novidade do gameplay é que, apesar de ter escutado uma parcela dos fãs, a Insomniac manteve algumas sessões de jogo com Mary Jane – por volta de 4 segmentos. Felizmente, eles são muito menos insossos já que agora ela conta com uma arma taser que consegue disparar fluído de teia, tornando a experiência bem mais ativa mesmo que sejam segmentos furtivos. 

Por sinal, é uma pena que existam poucas fases de infiltração de bases em relação ao original, ainda mais quando os desenvolvedores se preocuparam em criar a novidade das linhas de teia que tornam o espaço muito mais livre para os Aranhas poderem se movimentar nas teias e encurralar inimigos distraídos. 

Assim como os outros dois jogos, Spider-Man 2 também tem uma acuidade cinematográfica invejosa trazendo enquadramentos belíssimos, assim como movimentações de câmera muito fluidas que servem para mostrar o poder do PS5 – uma delas em especial mostra Miles atravessando quilômetros de Manhattan após levar um soco do Homem-Areia para então se lançar novamente para a batalha em questão de segundos. Não foram poucas as vezes que tirei algumas capturas de tela de tão acertadas que eram as coreografias das lutas, iluminação e câmera. Há tempos que o cinema não consegue acompanhar a qualidade da ação que muitos jogos, principalmente os da PlayStation, tem mostrado em tela. 

A jornada que vale o equilíbrio

Não há dúvidas que Marvel’s Spider-Man 2 é uma joia brilhante no catálogo do PlayStation. Ainda a anos de ser lançado no PC, o jogo é totalmente obrigatório para os fãs do personagem e para qualquer um que precisava de um ligeiro incentivo para adquirir um PS5. A verdade é que o console está carente de grandes blockbusters exclusivos e torço muito para que este seja apenas o primeiro de muitos que consigam justificar a compra do console. 

É um jogo que consegue aprimorar o trabalho exemplar da Insomniac em seu original em praticamente tudo, menos, infelizmente, na narrativa que por ser tão repleta de potencial, decepciona por nunca ousar sair de sua zona de segurança – coisa que o primeiro jogo conseguiu fazer com primor. Ainda assim, se trata de uma experiência única, muito imersiva que proporciona diversão e prazer por horas a fio. Simplesmente fantástico. 

Agradecemos o apoio da PlayStation Brasil em ceder uma cópia para a realização desta análise.

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Matheus Fragata

Editor-geral do Bastidores, formado em Cinema. Jornalista, assessor de imprensa.

Apaixonado por histórias que transformam. Todo mundo tem a sua própria história e acredito que todas valem a pena conhecer.

Contato: matheus@nosbastidores.com.br

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