Tem certos jogos que a gente não joga, a gente vive. Eles marcam uma época, uma geração e ficam pra sempre na memória. Metal Gear Solid 3: Snake Eater é um desses. Na minha cabeça, ele é quase uma lenda e marcou minha pré-adolescência profundamente. Gastei horas e horas jogando e rejogando para fazer runs perfeitas e destravar os melhores trajes de camuflagem. O auge do Kojima e de tudo que a série representava: espionagem, traição, um enredo de filme e uma jogabilidade que fazia você suar frio elevando a tática da furtividade para um patamar nunca antes visto.
Aí a Konami, do nada, anuncia um remake. Metal Gear Solid Delta: Snake Eater. Confesso que a primeira reação foi um misto de esperança, alegria e medo. Como recriar essa obra-prima sem o gênio por trás dela? A sombra do Kojima paira sobre cada detalhe. O medo era de que fosse só um título mais oportunista como outros remakes legado, um jogo bonito por fora e vazio por dentro. Mas, como um fã que já passou por poucas e boas com essa série – Metal Gear Survive estou falando de você, resolvi dar uma chance. O resultado não poderia ser melhor, fazendo perdoar a oportunidade perdida de reformar a obra e trazer detalhes novos como a Capcom fez com seus Resident Evil.
Enredo de Cinema
A história de Metal Gear Solid 3 é, sem dúvida, um dos maiores enredos dos videogames. E aqui, a Konami não mexeu em nada. Absolutamente nada. Os diálogos, as cutscenes, tudo está exatamente como a gente se lembra. O drama de Naked Snake, a relação com a The Boss, a trama de espionagem da Guerra Fria… a história continua poderosa, dramática e cheia de reviravoltas – algumas cômicas, outras trágicas. O contexto histórico segue importantíssimo, com o ápice da Guerra Fria entre os EUA e a URSS. Logo, apesar do jogo dar uma apresentada satisfatória, é bom ter em mente que quanto mais souber do período pós-Crise dos Mísseis, melhor será o aproveitamento da narrativa que é mesmo muito rica.
E a voz dele está de volta! Escutar o David Hayter como Snake de novo é pura nostalgia. É como reencontrar um velho amigo. A atuação dos personagens, mesmo nas cenas mais longas e com diálogos que parecem palestras, ainda é incrível. A Konami foi esperta em não tentar refazer o que já era perfeito.
Mas, como um fã que já viveu essa história, preciso ser honesto. O fator “uau” da história não existe mais. A surpresa se foi. As reviravoltas já são conhecidas. A narrativa que era revolucionária em 2004, hoje, é um clássico. A gente assiste a tudo isso com um sorriso no rosto, mas sem o frio na barriga de antes. O impacto não é mais o mesmo e nem tem como ser para os veteranos. Porém, ainda assim, admito que os momentos finais de Snake contra a The Boss seguem emocionantes e ganham um peso muito maior agora com a experiência que acompanha a idade – hoje tenho 31 e na época que joguei, tinha 13 anos.
Para quem nunca jogou, a história do Delta será uma experiência e tanto. É um conto que explora temas adultos com uma maturidade impressionante, trazendo personagens icônicos, com características próprias e um antagonista que realmente dá gosto em derrotar. Por se tratar literalmente do início de toda a história de Snake, não tem oportunidade melhor para começar a conhecer a saga que, admito, é burocrática e bastante complexa para quem decidir cair de para-quedas em um título numerado de outras gerações de consoles. A fidelidade da história e dos longos diálogos trazidos em rádio só ajudam na imersão, nada dessa apresentação foi alterado sem perder a essência do original. Aqui, a fidelidade foi uma verdadeira virtude.

A selva renascida
Se tem uma coisa que o Delta faz de forma espetacular, é a parte visual. E não tem outra palavra pra descrever: é lindo. A Unreal Engine 5 faz um trabalho de tirar o chapéu. A selva russa é viva, densa, cada folha, cada gota de chuva parece real. A lama gruda no uniforme do Snake, em seu rosto e a gente vê a textura da pele dele com o barro incruento deslizando misturado com o suor. É como ver um filme de espionagem do mais alto nível.
Mas tem uma coisa que me incomoda. Toda essa perfeição visual, em certos momentos, parece… artificial. É como se eles tivessem limpado tanto a sujeira daquele filtro sépia embaçado que o jogo perdeu um pouco daquela aspereza que a gente tanto gostava. O Snake Eater original tinha uma arte única, que beirava o expressionismo. Aqui, tudo é tão hiper-realista que, ironicamente, parece um pouco plástico. Aquela sensação de estar num mundo sujo, perigoso e desconhecido com uma cara de PS2, sumiu. Para mim, não afetou tanto o saudosismo, mas ainda assim pode incomodar veteranos.
Apesar disso, não dá pra negar a maestria técnica. A captura de movimento, as expressões faciais dos personagens… tudo é de um nível que a gente raramente vê. A Konami não economizou no motor gráfico, e isso é louvável. É um show à parte. Eu até me pego parando de jogar só pra admirar a paisagem, a luz do sol entrando na floresta e na fauna expansiva que o jogo possui.
Importante mencionar que o jogo roda liso no PC e que a UE 5 está comportada. No fim, os técnicos da Konami foram muito inteligentes em limitar o framerate a 60 FPS no máximo. Isso ajuda o buffer de novos quadros e não permite qualquer tipo de engasgo ou problema de cache de shaders do motor gráfico que costuma ser problemático. O DLSS ajuda também a manter a experiência bastante estável e acessível para PC de diversas configurações.

Pura nostalgia: A jogabilidade de 20 anos atrás e a de agora
Quando você começa a jogar, a primeira coisa que bate é a sensação de familiaridade. A Konami foi religiosamente fiel à jogabilidade do original. Você ainda tem que caçar, cuidar dos ferimentos do Snake e, principalmente, usar a camuflagem para se esconder. Não tem atalhos, não tem frescura. É você e a selva. E, pra mim, isso é perfeito. Numa época em que todo jogo te pega pela mão, Delta te joga na lama e diz: se vira – ainda que haja sim tutoriais para explicar como realizar algumas tarefas. A experiência segue muito rica, com diversas oportunidades desenhadas no mapa para aproveitar do acaso e da furtividade ao eliminar inimigos.
O grande milagre e a principal razão pra eu ter gostado tanto, é a nova câmera. Sabe aquela briga eterna com a câmera no original? Aquilo era um pesadelo, principalmente na hora de mirar a arma do personagem. Agora, a câmera em terceira pessoa te segue e te dá a liberdade de um jogo moderno. É como se tivessem corrigido o único defeito grave do original. A navegação na selva se tornou fluida, intuitiva, e a experiência de se infiltrar é mais prazerosa do que nunca. Agora, também é possível mirar e andar, abandonando de vez os controles tanque que marcaram a saga por tanto tempo. Ainda assim, é importante mencionar que a melhor jogabilidade da saga segue com The Phantom Pain, uma obra-prima em termos de gameplay.
Claro, a jogabilidade ainda tem suas manias. O Snake não se move como um agente moderno, é um pouco lento e pesado, o que pode incomodar quem não está acostumado – esquece que não dá para correr aqui. As caixas de colisão em alguns lugares e as animações podem parecer um pouco datadas. Mas é justamente esse peso, essa falta de fluidez, que reforça o realismo e o desafio da missão 100% solitária de Snake. Para os puristas, também é possível jogar com o esquema clássico de controles, mas desejo toda a sorte do mundo para quem desejar se aventurar nesse modo. O que eu mais queria em um remake era um esquema moderno de controle e câmera e, felizmente, a Konami entrega tudo.
Eles também modernizaram a interface do inventário e de cura – se Snake se quebrar inteiro, terá que usar talas, bandagens, antissépticos e tudo mais para ajeitar seu personagem de morrer pelos ferimentos, o que é ótimo. Menos tempo mexendo em menu e mais tempo jogando. Os menus são intuitivos então é fácil trocar de camuflagem e armamentos com muito mais fluídez que no original. Ainda assim, uma roda de inventário seria muito bem-vinda aqui, mas infelizmente não há esse recurso de mecânica. Transitar entre menus nem sempre é divertido, mas como o ritmo do jogo é lento e sofre muitas interrupções, principalmente ao se locomover nos bolsões exploráveis das fases, não chega a afetar tão negativamente a nossa experiência.

O som da lenda
A trilha sonora do Harry Gregson-Williams é um dos maiores trabalhos da história dos games. E aqui, ela está lá, majestosa, épica, e emocionante como sempre. A música te pega e não te solta. As trilhas que tocam durante as lutas contra os chefes são de arrepiar. É a cereja do bolo de uma experiência imersiva. Só admito que a nova performance de Cynthia Harrell no tema de Snake Eater não chega nem perto da presença e marca da performance original de 2004.
Agora, o elefante na sala. A ausência de Hideo Kojima. A gente sente falta daquele toque de loucura, da quebra da quarta parede, da irreverência, dos detalhes bizarros que tornavam os jogos da série tão únicos. Delta é um remake elegante, respeitoso, mas não corre riscos. Não fosse o divórcio extremamente amargo e traumático entre Kojima e a Konami, penso em todas as possibilidades que Kojima poderia ter adicionado no remake da saga. Porém, isso só deve ser realidade em algum universo paralelo. Já fico satisfeito em ter um jogo que honra os passos do original ao máximo, sem desviar em nada do percurso, embora reconheça que a melhor oportunidade de incrementar o clássico tenha sido agora e, no fim, não tivemos.
Kept you waiting, huh?

Metal Gear Solid Delta: Snake Eater é um jogo que merece ser jogado. Para os novatos, é a oportunidade perfeita de vivenciar um dos maiores clássicos dos videogames com gráficos modernos e uma jogabilidade aprimorada. Para os veteranos, é uma viagem nostálgica, uma chance de reviver a lenda com um frescor visual que surpreende. A Konami fez a lição de casa e entregou um remake que não apenas emula o original, mas o complementa com melhorias essenciais. Não há melhor forma de experimentar a clássica história do que com Metal Gear Solid Delta.
É um jogo que não se torna lendário por si só, pois a ausência da centelha visionária de Kojima é perceptível. Mas, ao mesmo tempo, ele se estabelece como uma porta de entrada para uma nova geração, provando que a história de Naked Snake ainda é tão poderosa quanto era há vinte anos. No final, Delta é um sucesso, e uma prova de que, mesmo sem seu criador, a lenda de Metal Gear pode continuar ainda por muitas décadas. Que mais experiências inesquecíveis venham no futuro promissor que a Konami vem trilhando ao redefinir seu catálogo clássico.
Esta review foi realizada através de uma cópia gentilmente cedida pela Konami.

Editor-geral do Bastidores, formado em Cinema. Jornalista, assessor de imprensa.
Apaixonado por histórias que transformam. Todo mundo tem a sua própria história e acredito que todas valem a pena conhecer.
Contato: matheus@nosbastidores.com.br