Quem acompanha a saga Star Wars, sabe que a franquia está longe de contar com aquele saudoso prestígio que possuía antes. Em meio ao desgaste causado pelo desastre de recepção que foi A Ascensão Skywalker e diversos produtos para a Disney+, e Lucasfilm precisava com urgência trazer um produto que agradasse a sua base de fãs. O produto foi justamente o tímido Star Wars Jedi: Fallen Order, anunciado sem qualquer alarde, que conseguiu chamar a atenção pela qualidade da história após o fracasso do nono filme principal. 

Curiosamente, a história tende a se repetir. Mais uma vez, em um momento de declínio de popularidade da saga por conta da fraquíssima 3ª temporada de The Mandalorian, a Lucasfilm consegue ter a sorte de contar novamente com o trabalho da Respawn Entertainment com a sequência de Fallen Order: o novo Star Wars Jedi: Survivor.

Uma história Star Wars

Conseguindo ter mais liberdade com a Disney após o sucesso de Fallen Order, a Respawn e Stig Asmussen, diretor dos jogos, trazem elementos mais ousados para Survivor enquanto aumentam o escopo épico da história de Cal Kestis sem interferir no cânone principal dos filmes da trilogia original – a narrativa se passa entre A Vingança dos Sith e O Retorno de Jedi. 

Cinco anos após os eventos de Fallen Order, Cal Kestis está obstinado a tentar atrapalhar a expansão do Império Galáctico a todo custo, se tornando uma verdadeira obsessão. No caminho, novas amizades são feitas como a de Bode, um mercenário de bom coração que quer encontrar um espaço seguro para criar a sua filha. Em missões arriscadas, Cal viu seus antigos parceiros encontrando novos rumos na vida. Greez, Sere e Merrin estão cuidando dos próprios afazeres enquanto o jovem Jedi segue no combate. 

Entretanto, quando descobre que seus esforços são completamente mínimos para prejudicar a força imperial, Cal decide rever seus antigos amigos para dar uma pausa. Durante sua visita a Koboh, o Jedi descobre um segredo da época da Alta República que pode ser a solução de diversos problemas. Porém, ao mesmo tempo, ele também desperta um antigo perigo que possui os mesmos objetivos. 

Assim como em Fallen Order, a narrativa de Survivor é bastante competente, superando com folga a qualidade da trilogia nova. O desenvolvimento é focado, em maioria, no protagonista, como de costume. Apesar de não trazer nada realmente inédito para o conflito que os Jedi costumam passar, a escrita é satisfatória no trabalho de fazer Cal lidar constantemente com seu lado sombrio, com sentimentos trevosos e pela sede de vingança contra o Império que tudo destrói pelo caminho. 

Entretanto, embora o trabalho seja bom, ele também é bastante demorado. A narrativa só engata de verdade nas horas finais do game que é bastante longo – só a campanha principal beira às 20 horas de duração com eventos mínimos durante a jornada que é toda movima através de macguffins – a busca por um objeto específico que tanto o protagonista quanto o vilão estão à procura. 

É formulaico e isso traz fraqueza estrutural para o ritmo da história. Infelizmente, os roteiristas não aproveitam a nova mecânica de contar com personagens ajudantes em algumas missões. Existem sim diálogos paralelos bem divertidos e isso colabora para estreitar a relação de Cal com Bode – que é bastante carismático e também com Merrin, a bruxa Irmã da Noite do primeiro jogo. 

Os diálogos entretém, mas o problema de ritmo realmente pauta os acontecimentos do jogo que conta com pouquíssimas set pieces – mas que quando ocorrem, são muito impressionantes. É adequado também que o jogo pauta o título Survivor, obviamente, pauta o tema de sobrevivência que permeia todos os personagens que têm importância no jogo. E sobre como cada um lida com as próprias ações para sobreviver. 

Bode e Merrin conseguem um bom tratamento de personagem, enquanto Greez permanece como alívio cômico. É uma pena que os roteiristas optem por distanciar tanto Cere de Cal, sendo que algumas inserções maiores de flashbacks dariam mais sustância para um dos momentos mais emocionantes do jogo. Infelizmente, com os vilões, o trabalho é inferior a Fallen Order.

Aqui, temos o Reyvis, líder de um bando selvagem que age pelos próprios interesses. E também o Jedi renegado Dagan Gera que recebe bastante atenção através dos Ecos que Cal consegue sentir com a Força, mas todos os encontros entre os personagens nunca possuem grande impacto – uma pena já que ambos possuem designs e histórias interessantes. Desse lado dos antagonistas, o que é mesmo muito bem trabalhado são os diálogos trocados entre inimigos distribuídos nas fases, principalmente dos hilários droides B1 – sim, os da trilogia prequel que são inseridos com um contexto muito inteligente.

Existe até mesmo uma própria consciência do roteiro sobre a própria fragilidade, pois o jogo possui um número surpreendentemente pequeno de cinemáticas (todas muito bem dirigidas) – o que espanta bastante, afinal é um jogo “rico” em narrativa. E ainda assim há bastante tempo de jogatina – o que nos leva ao próximo ponto da análise.

Poderes herdados

Stig Asmussen, o diretor do game, tem uma carreira expressiva em jogos de ação tendo, inclusive, fechado com chave de ouro a primeira trilogia de God of War com o explosivo terceiro game. Entretanto, ao contrário de uma prática bastante comum em sequências, o diretor opta por um design progressivo que engloba o original. Dessa forma, Cal mantém todos os poderes e aprimoramentos aprendidos na Força.

Claro que por se tratar de uma sequência, Survivor adiciona mais poderes novos que são úteis tanto em combate quanto na movimentação. O jogo tem inspiração em metroidvanias e, por conta do mapa aberto gigantesco que há em Koboh, muitos locais e portas são inacessíveis até que Cal aprenda uma habilidade nova ou que o simpático BD-1 também ganhe aprimoramentos – todos muito úteis que ajudam a tornar os puzzles mais desafiadores. 

Como só temos pouco menos de três horas de cinemáticas dentro do jogo inteiro cuja campanha supera as 20 horas, há sim muitos, mas muitos puzzles e seções de plataforma ao estilo de Uncharted e Prince of Persia – assim como existia em Fallen Order. Porém, aqui, é algo que chega a ser excessivo. Não são seções chatas, de modo algum, mas acabam enjoando por claramente servirem para “encher linguiça”.

As seções de plataforma conseguem fugir do sentimento absoluto de fadiga por conta da direção de arte que capricha muito em cada um dos biomas belos de Koboh, bem como de outros planetas como Coruscant que, repleto de néons, enche os olhos do jogador nas primeiras horas do game. 

Conforme progredimos, os níveis de plataforma também se tornam mais desafiadores e até introduzem alguma variação, principalmente em Jedha. Entretanto, a maior graça de Survivor está em seu combate que aprimora algo que já era excelente em Fallen Order. Aqui, ainda há todas as características típicas de um soulslike – com a dificuldade diminuída, obviamente. Há a barra de stamina em inimigos e de Cal para sustentar bloqueios, outra de “magia” (a Força) e a tradicional barra de vida. 

A velocidade dos ataques varia bastante com a adição de novos elementos. Agora Cal pode usar 5 poses de combate – algo inspirado diretamente da franquia Yakuza, por sinal. Há a empunhadura simples, a de lâmina dupla, a de dupla empunhadura e as inéditas de guarda – com o sabre de luz em formato de cruz que Kyle Ren usa, e a blaster, na qual usamos uma blaster e o sabre ao mesmo tempo. 

Ainda que o jogo seja tipificado de modo que o jogador precise se comprometer com algumas das poses/modos por conta da compra de novas habilidades ao longo da jornada – é impossível terminar a história e ser mestre em todos os modos de combate tanto que há um modo de Novo Jogo+ ao encerrar o game, é fácil encontrar alguns favoritos rapidamente. Tudo é satisfatório e as habilidades expandem satisfatoriamente o leque de imersão do combate. Aliás, destaco que enfim temos mutilações em inimigos humanóides, coisa que não acontecia em Fallen Order.

Acabei optando em misturar a de guarda que possui ataques lentos, mas com muito dano – ideal para sub-chefes, com a blaster que ajuda a se livrar rapidamente dos atiradores enquanto o sabre é eficaz para derrotar os inimigos de combate corporal. Ao longo da jornada, é curioso notar que o combate é tão satisfatório que é uma pena vermos que há menos seções de luta em quantidade às de plataforma. 

Além desse desequilíbrio no design, há também picos de dificuldade bastante bizarros. Em si, Survivor não é um jogo difícil, mas alguns inimigos são extremamente difíceis. Em geral, se trata das criaturas que funcionam como mini-chefes. Algumas são capazes de matar Cal em questão de poucos golpes e possuem uma vasta repetição de golpes impossíveis de bloquear. Logo, prepare-se para sofrer um aperto com as criaturas da fauna de Survivor. 

O jogo também possui missões secundárias, principalmente em Koboh. Elas trazem chefes diferentes e recompensas únicas, afinal, todo o loot do jogo é centrado em cosméticos para Cal e BD-1. Essas missões não trazem histórias muito interessantes, mas algumas podem trazer personagens inéditos para integrarem o bazar do Greez.

Este saloon animado funciona como o mini hub do jogo – assim, como a Mantis era o hub de Fallen Order. Aqui, os desenvolvedores se inspiram ao máximo para trazer uma cantina de Mos Eisley melhorada com diversos ambientes muito detalhados e NPCs diferentes com boas linhas de diálogo que encorajam bastante o jogador a explorar mais do que o jogo tem a oferecer.

A customização realmente é um dos pilares de Survivor e, com certeza, é um dos destaques de peso. Dê adeus aos feios ponchos de Fallen Order para encontrar diversas roupas distintas e estilosas para Cal, além de novos modelos de penteados e barbas – aliás, é bem bacana ver efeitos de física adicionados ao cabelo do protagonista. Também é possível customizar completamente seus próprios sabres de luz e blasters aos mínimos detalhes. BD-1 também recebe bastante atenção, podendo alterar diversos componentes de seu próprio chassi. 

Um desequilíbrio na Força

Infelizmente, como a análise envolve o estado atual do jogo, não há maneira de não citar os problemas técnicos intensos que ocorrem em Survivor. Atualmente, a Respawn já liberou um patch que melhora a estabilidade e framerate do jogo no PS5 e Xbox Series, porém a minha plataforma favorita é o PC – que é justamente a que mais sofre com as intempéries técnicas do jogo. 

É fato que Survivor põe até mesmo uma RTX 4090 para suar. Isso ocorre por conta da péssima otimização do título na questão da CPU que gargala toda a experiência. Até mesmo depois do primeiro patch, o game usa somente um núcleo das CPUs, a sobrecarregando completamente. 

Logo, os efeitos negativos são diversos e também imprevisíveis. Ao longo da minha jogatina em uma máquina munida com SSD, RTX 4070 Ti, i5 12600k e 80 GB de RAM, tive travamentos, engasgos no framerate e quedas bruscas no FPS que flutuava de 40 a 70 FPS em 4K com o FSR em qualidade – aliás, a implementação do FSR é péssima e se trata de um dos piores usos da tecnologia de longe, gerando artefatos e fantasmas em diversas situações de jogo. 

Tive que jogar também sem os efeitos em Ray Tracing ativados, além de fazer diversas concessões nas qualidades gráficas – mantive apenas as texturas na qualidade mais alta. A implementação do ray tracing é sim bonita, mas custa por volta de 20 FPS da experiência e quem joga sabe que isso é uma troca simplesmente inviável. No fim, não senti nenhuma falta dos efeitos, já que Survivor é sim um game estupendo e um dos mais bonitos da atual geração. 

Não se sabe ao certo como a Respawn resolverá isso, afinal é um problema sério que envolve a própria codificação do jogo. Apesar de estar em um estado jogável no PC, há sim problemas e os travamentos podem ser imprevisíveis. Por isso, não importa se está com o melhor PC do mercado atual, pode ter certeza que ele encontrará dificuldades para entregar alta performance em Survivor – independente também da resolução que escolher jogar já que não fez nenhuma diferença eu ir do FHD, QHD para o 4K. 

A desenvolvedora promete aprimorar o jogo nas próximas semanas. Ele está jogável, mas está longe do padrão ideal que se espera para um game AAA. Infelizmente, esses casos tem acontecido cronicamente nos últimos grandes lançamentos para PC que tem se tornado a plataforma a receber sempre as piores versões dos games. De resto, o jogo não possui muitos bugs e os problemas sérios do mapa inelegível de Fallen Order estão praticamente resolvidos em Survivor. 

O futuro para Cal Kestis

Como se sabe, é um plano que a aventura de Cal Kestis seja uma trilogia. Chegamos em ⅔ da jornada e as mudanças que acontecem em Survivor são bastante significativas para impulsionar a curiosidade do jogador. Mais uma vez, o time da Respawn consegue entregar o brilhantismo e espírito que sustentam Star Wars até hoje, sendo, honestamente, a melhor história de grande alcance público já contada desde Rogue One – a ótima 1ª temporada de Andor também merece menção. 

Logo, se você não se importa com os problemas de performance que com certeza serão corrigidos logo, a compra é mais que recomendada. Há muita diversão, emoção e surpresas dentro do título que consegue surpreender com reviravoltas tão marcantes que conseguem chocar o público assim como acontece com quem assiste O Império Contra-Ataca pela primeira vez. 

Honestamente, eu espero que a Lucasfilm comece a levar essa equipe criativa excelente da Respawn também para outras mídias porque, convenhamos, Star Wars precisa urgentemente de mais histórias que consigam, de fato, emocionar. 

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Matheus Fragata

Editor-geral do Bastidores, formado em Cinema. Jornalista, assessor de imprensa.

Apaixonado por histórias que transformam. Todo mundo tem a sua própria história e acredito que todas valem a pena conhecer.

Contato: matheus@nosbastidores.com.br

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