Crítica | Halloween II: O Pesadelo Continua! - Terror no hospital
Quando Michael Myers matou pela primeira vez em Halloween: A Noite do Terror, John Carpenter talvez ainda não compreendesse por completo o que estava criando, exatamente. O gênero slasher ganhava sua fórmula principal ali, estabelecendo as regras do assassino perseguidor, a final girl e todos os diversos clichês que acompanhariam o gênero até hoje. Mas, especialmente, Carpenter havia aberto a caixa de Pandora para uma continuação, motivada pelo imenso sucesso do primeiro filme nas bilheterias. Dessa forma, Halloween II: O Pesadelo Continua! é uma continuação eficiente no quesito suspense, mas que faz feio ao tentar aprofundar sua mitologia.
Começando imediatamente após os eventos do anterior, o longa dá sequência à noite do Dia das Bruxas ao nos mostrar o Dr. Loomis (Donald Pleasence) desesperadamente tentando encontrar o assassino Michael Myers (aqui, vivido por Dick Warlock), que desapareceu após matar três adolescentes e sobreviver a nada menos do que seis tiros no peito. Única sobrevivente do massacre, a jovem Laurie Strode (Jamie Lee Curtis) é enviada para um hospital local para se recuperar, e é justamente para lá que Myers segue, em busca de algum tipo de acerto de contas com Strode.
Casos de família
O primeiro Halloween é algo que funciona perfeitamente de maneira isolada. Um slasher exemplar, movido pela arte do suspense e do simples. Aqui, Carpenter e Debra Hill retornam para dar continuidade à história, que já perde pontos pela complexidade forçada ao longo de sua narrativa. Claro, estou me referindo à bombástica revelação de que Laurie e Michael são irmãos, uma ideia que divide os fãs da franquia e que inclusive será descartada pelo vindouro filme de David Gordon Green. Esse elemento por si só já nos elimina aquele fator aleatório e simplista do original, tornando a matança de Michael uma missão pessoal. Porém, é de se admirar que a dupla tenha optado por uma continuação imediata, e que se desenrola - ainda - durante o restante da noite de Halloween.
Situar grande parte da trama dentro de um hospital garante um certo frescor, especialmente por não ser o tipo de ambiente que estamos acostumados a ver em filmes de terror. Se a dupla tira bom proveito disso para as cenas mais gráficas, como ao trazer Michael usando bisturis e até piscinas de hidromassagem como arma, peca pela artificialidade de se ter personagens médicos com um verdadeiro espírito adolescente, descambando para um sexo escapista clichê e completamente mal escrito. Uma sina dos filmes de terror, sim, mas que realmente não ajuda aqui, e o elenco coadjuvante pouco pode fazer para conquistar nosso interesse - incluindo Donald Pleasence, cujo personagem foi transformado no terapeuta mais impulsivo e alucinado que já vi.
Felizmente, Jamie Lee Curtis está de volta. Ainda que passe boa parte do longa deitada em uma cama de hospital e não tenha muitas falas, a atriz domina cada cena com sua impressionante expressividade. Quando o terror começa e Laurie se vê na necessidade de novamente fugir do assassino mascarado, o pavor de Curtis vai de seu rosto até cada centímetro de seu corpo, e testemunhamos o esforço de uma atriz para um projeto que não necessariamente é digno de seus dons, mas que definitivamente fica melhor graças a eles.
Atmosfera Hospitalar
Por fim, ainda que não seja um John Carpenter, o então estreante Rick Rosenthal é bem eficiente ao recriar a atmosfera e a técnica do primeiro filme. Temos algumas sequências do POV de Michael, o velho truque de longos planos onde vemos o assassino se aproximando por trás (sem que os personagens tenham conhecimento de sua presença) e um jogo de luz e sombras funcional, especialmente durante o momento em que a protagonista precisa se esconder em um estacionamento. Rosenthal aposta até mesmo em planos de duração extensa onde nada de fato apareça em cena, como quando Laurie se arrasta pelo chão do hospital, esperando por um ataque de Myers que nunca de fato vem; algo que também possibilita um bom trabalho da atriz. E, claro, o icônico tema composto por Carpenter (aqui, em contribuição com Alan Howarth) pontua com perfeição as seções mais agitadas da perseguição.
Não é revolucionário ou memorável quanto o clássico que o inspirou, mas Halloween II não é um fracasso completo. Oferece mais sequências de suspense e atmosfera bem construídas, assim como uma performance excepcional de Jamie Lee Curtis, assim como mais momentos de Michael Myers se firmando como um dos slashers definitivos. Só é uma pena que os produtores tenham apostado em uma nova e forçada mitologia, cementando o caminho para uma franquia onde a forçação de barra seria uma marca registrada.
Halloween II: O Pesadelo Continua! (Halloween II, EUA - 1981)
Direção: Rick Rosenthal
Roteiro: John Carpenter e Debra Hill
Elenco: Jamie Lee Curtis, Donald Pleasence, Charles Cyphers, Dick Warlock, Lance Guest, Pamela Susan Shoop, Tawny Moyer
Gênero: Terror
Duração: 92 min
https://www.youtube.com/watch?v=vzOdUKVD8Ac
Crítica | Halloween: A Noite do Terror - O estopim do slasher
Os anos 70 eram tempos mais simples para o terror. Naquela época, a ideia de um maluco mascarado perseguindo adolescentes ainda era algo pouco explorado, e viria a explodir com a popularização do subgênero que viria a ser conhecido como slasher. Jason Voorhees em Sexta-Feira 13 e Freddy Krueger na franquia A Hora do Pesadelo são dois dos exemplos mais famosos dessa variante - que ainda trazia O Massacre da Serra Elétrica e Psicose como importantes antecedentes - mas o estopim viria mesmo com o sinistro Michael Myers em Halloween: A Noite do Terror. Grande sucesso de público e crítica na época, é impressionante ver como a obra de John Carpenter permanece relevante e fundamental para o gênero, até hoje.
A trama é ambientada justamente na festa folclórica que da título ao filme, em 31 de outubro de 1978. Na fatídica data, o assassino Michael Myers (Nick Castle) escapa do hospital psiquiátrico onde esteve internado pelos últimos 15 anos, e segue para a cidade de Haddonfield, onde cresceu e cometeu seu primeiro assassinato ainda quando criança. Enquanto psiquiatra Dr. Samuel Loomis (Donald Pleasence) corre para encontrar seu paciente perdido, a jovem Laurie Strode (Jamie Lee Curtis) e suas amigas se veem na mira da fúria insana de Michael.
Aurora da Scream Queen
Simplicidade é a chave para o sucesso de Halloween. Feito sob o modesto orçamento de U$ 300.000, o roteiro de Carpenter e sua então namorada Debra Hill concentra-se mais na criação do suspense e da atmosfera do que uma trama muito elaborada, estabelecendo a fórmula que então tornaria-se consagrada no gênero: grupo de amigos que um a um vai sucumbindo às garras do assassino, geralmente envolto por malícia e sexo como "catalisador" de suas mortes. Antes elaborado como um serial killer de babás (visto que Laurie e suas amigas atuam dessa forma nas horas vagas do colégio), a premissa se torna ainda mais simples por ser um assassino - até então - que inicia seus assassinatos de forma aleatória, usando o terror da noite de Halloween como o clima perfeito.
Com orçamento limitado, é divertido para aspirantes a cineastas ver como a limitação financeira pode ser um incentivo a criatividade: a icônica máscara de Michael Myers, por exemplo, foi uma máscara do Capitão Kirk de William Shatner comprada por menos de 2 dólares em uma loja de fantasia, ao passo em que a equipe minúscula divida tarefas e funções - com o próprio Carpenter sendo responsável pela trilha sonora. Com exceção da participação de luxo do veterano Donald Pleasence (o primeiro Blofeld da franquia 007, despontando em Só Se Vive Duas Vezes), a maior parte do elenco foi composta por rostos novos, com destaque para Jamie Lee Curtis, aqui em seu papel de estreia. Filha da lendária Vivien Leigh (o grito no chuveiro de Psicose), a atriz daria vida à primeira final girl do gênero, executando com perfeição o papel da garota mais tímida e "inocente" de um grupo de amigas libidinosas.
Escrito em meros 10 dias, o curto roteiro (encostando em ligeiros 90 minutos) é uma história direta e sem floreios, e que se reflete principalmente na brilhante direção de Carpenter.
Mestre das Sombras
Logo na primeira cena, temos algo que até então era inédito no gênero: Carpenter nos coloca no ponto de vista do assassino, e não das vítimas. Acompanhamos o POV do jovem Michael Myers enquanto ele caminha por sua casa com uma máscara e friamente esfaqueia sua irmã, em uma forma chocante e memorável de se iniciar um longa-metragem. Essa técnica se estende pelo restante do filme, onde os planos abertos de Carpenter nos permitem ver Michael andando e se aproximando pelas sombras bem desenhadas pelo diretor de fotografia Dean Cundey, no cenário onde o espectador tem mais informações do que o personagem em cena - e o diretor as usa para construir suspense. Raramente temos um jump scare para demarcar a aparição de Michael nesse tipo de sequência, com antecipação sendo o provocador de medo e ansiedade no espectador.
É uma direção tão segura que Myers não fica limitado apenas a ambientes escuros. Antes mesmo de a "noite do terror" ter início, temos diversos momentos onde o assassino caminha pelas ensolaradas e coloridas ruas do subúrbio americano, com a mera imagem contrastante de seu macacão escuro e a máscara sobre a vibrante paleta de cor dos arbustos verdes sendo o suficiente para nos provocar arrepios. E o fato de termos diversas crianças e adolescentes caminhando fantasiados pela rua durante todo o longa é a desculpa perfeita para que a figura de Myers não provoque estranhamento ou suspeitas durante suas aparições, realmente fazendo jus à ambientação do Halloween.
A frieza de Michael Myers é outro fator digno de nota. Não só pelo fato de termos uma criança de 6 anos matando sua irmã de forma inexpressiva, a qual o Dr. Loomis atribui como uma personificação do "mal" absoluto, o que talvez justifique o fato de que o vilão é virtualmente invulnerável, mas também pelo cuidado de Carpenter e Castle na construção da performance. A máscara por si só já inibe qualquer expressão facial do assassino, assim como a postura dura e rígida compõe o personagem como uma força da natureza que simplesmente atravessa àqueles em seu caminho (especialmente multidões), mas o aspecto mais pavoroso talvez seja observar como Michael reage a toda essa violência. Em uma das cenas mais célebres do longa, Michael empala uma das vítimas na parede. Mesmo que o espectador não tenha uma cena necessariamente gráfica ou sangrenta, a composição do quadro e o tempo em que Carpenter deixa a câmera parada ali, onde o assassino estuda o corpo moribundo com resquícios de curiosidade, nos dizem muito sobre a natureza maléfica do personagem - e contribuem para a solução criativa de uma limitação financeira.
O triunfo da criatividade
40 anos depois, Halloween: A Noite do Terror permanece como um dos clássicos definitivos para o gênero do terror. Popularização do slasher e de recursos narrativos valiosos, o filme de John Carpenter ilustra as infinitas possibilidades de se realizar algo de qualidade com recursos limitados, tendo a criatividade e uma visão sofisticada como força motriz.
Halloween: A Noite do Terror (Halloween, EUA - 1978)
Direção: John Carpenter
Roteiro: John Carpenter e Debra Hill
Elenco: Jamie Lee Curtis, Donald Pleasence, Nick Castle, Nancy Kyes, P.J. Soyles, Charles Cyphers, Kyle Richards, Brian Andrews, John Michael Graham, Will Sandin
Gênero: Terror
Duração: 91 min
https://www.youtube.com/watch?v=xHuOtLTQ_1I
Crítica | Infiltrado na Klan - A carta de Spike Lee contra o racismo
Racismo é um problema real, não importando quem diz o contrário. Diante da emergência de novos movimentos sociais e situações de risco, o cinema se vê na responsabilidade de participar de debates, e o cineasta Spike Lee nunca se acanhou disso, pelo contrário. Mesmo que nem sempre certeiro ou lúdico em seus comentários, Lee é uma das vozes mais fortes entre cineastas negros americanos, e há tempos que o diretor não trazia uma contribuição decente para a indústria.
Tendo entregado obras fundamentais como Faça a Coisa Certa, e Malcolm X além do divertido O Plano Perfeito, Lee tropeçou com o problemático Milagre em St. Anna e o desastroso remake Oldboy: Dias de Vingança, no que claramente foi um “serviço” de estúdio, e não uma obra de reais pretensões artísticas. Diante das crises políticas nos EUA, Lee reencontra seu brilho com Infiltrado na Klan, inspirada obra policial que serve tanto como uma comédia dramática como um importante e assustador alerta.
A trama é inspirada no livro de Ron Stallworth (vivido aqui por John David Washington), um policial recém-chegado na delegacia de Colorado Springs. Cansado de trabalhar com arquivos e casos menores, Ron sozinho inicia uma investigação para descobrir mais sobre a Ku Klux Klan, organização racista que se mostrava combativa diante dos movimentos negros que se fortaleciam nos EUA no início da década de 70. Ao lado de seu parceiro Flip Zimmerman (Adam Driver), John inicia um jogo perigoso para adentrar o culto e chegar até seu líder, o grão mestre David Duke (Topher Grace).
"Algumas dessas paradas até que aconteceram"
Ainda que seja uma história real, não há como negar toda a ficção ao redor de sua narrativa, afinal, o próprio letreiro de abertura avisa que "algumas dessas paradas até que aconteceram", logo após o tradicional "a Spike Lee joint" que antecede a montagem inicial. É definitivamente um filme do diretor por trás de Faça a Coisa Certa e Malcolm X, onde não espaços para sutilezas no tipo de engajamento político tomado pelo diretor; afinal, racismo é um tema sério, e infelizmente sutilezas já não são tão eficientes nos tempos em que vivemos, mas chegaremos aí depois. Assinado por Lee, Charlie Wachtel, David Rabinowitz e Kevin Willmott, é admirável que um roteiro com tantos envolvidos consiga ser tão coerente e fluido em seu primeiro ato, que apresenta bem as linhas narrativas e os núcleos de cada personagem.
É um trabalho imperfeito, claro, com todas os cortes para a interação de Ron com Patrice Dumas (Laura Harrier, irreconhecível) sendo um núcleo consideravelmente mais fraco. São cenas em que o roteiro aborda diretamente a discussão do racismo enquanto tenta elaborar um romance entre os dois, algo não tão bem sucedido quanto o núcleo da infiltração, que triunfa excepcionalmente em sua construção de suspense, repúdio e - não deveria ser uma surpresa conhecendo o estilo de Lee - uma dose de humor negro funcional. Pelo menos, os diálogos do casal sempre vêm acompanhados de referências cinematográficas da época, com os já citados filmes do blaxploitation e também cutucadas em O Nascimento de uma Nação e … E o Vento Levou.
Do Blaxxploitation ao cinema de protesto
Abraçando o estilo da época, Lee adota diversas referências do cinema negro alternativo da década de 70, com seus personagens discutindo abertamente os personagens de Shaft e as heroínas do blaxploitation, como Cleopatra Jones, Coffy - Em Busca de Vingança e Foxy Brown - características que também se refletem na composição de Patrice. A câmera de Lee é tradicional na maioria das cenas, mas traz momentos de inspiração ao apostar em zooms rápidos, planos holandeses específicos para os diálogos entre Ron e Duke - bem demarcados pelo uso de uma tela dividida na diagonal - e até um memorável uso de dolly shot que parece saído diretamente de um grindhouse.
Lee acaba se deixando levar por decisões experimentais em momentos específicos, como a sobreposição de rostos durante uma palestra do personagem de Corey Hawkins, onde as cabeças da plateia vão sendo alinhadas e sobrepostas de forma lúdica, ou quando acelera a contagem de frames em cenas mais agitadas - com destaque para o clímax, que acaba sendo um pouco prejudicado por essa imagem levemente acelerada.
Mas é mesmo em seus minutos finais que Infiltrado na Klan atinge como uma bala no peito. É uma decisão ousada e que, de certa a forma, quebra a quarta parede de um filme para tornar-se não apenas um documentário, mas uma manifestação, um alerta necessário - e a dolly shot onírica com Ron e Patrice em evidência é uma transição excepcional desse ponto do filme para a realidade do outro lado da tela.
Ao utilizar imagens de arquivo de eventos mais recentes em Charlottesville, Lee choca ao mostrar que o racismo por trás da noção patética de supremacia branca segue muito real, e Lee diretamente ataca o governo de Donald Trump em uma sequência sensacionalista, sim, mas como havia comentado anteriormente: não são tempos de sutileza ou empurrõezinhos. Apenas marretadas na cara como a que os minutos finais oferecem parecem surgir algum efeito.
Infiltrados em papéis
John David Washington, filho de Denzel, mostra-se pronto para ser um astro. Tem a mesma voz de seu talentoso pai, e sua constante expressão inquieta sempre parece sugerir uma mente incapaz de descansar, como se Ron fosse capaz de surpreender o espectador a qualquer momento - algo que ele faz com frequência, bastando observar a espontaneidade de seu ato em telefonar para a KKK pela primeira vez, ou a impagável cena em que surpreende Duke com uma foto. A dinâmica funciona bastante graças ao ótimo trabalho de Adam Driver, que transmite segurança ao executar a parte mais dolorosa do trabalho, a de interagir diretamente com os membros da Klan, sendo forçado a dizer atrocidades que o perturbam profundamente, ainda mais por ser um judeu.
No núcleo representado pelos membros da Ku Klux Klan, Topher Grace revela-se um casting certeiro para David Duke, não só pela notável semelhança entre o ator e o ex-líder do grupo, mas também pelo talento de Grace em interpretar figuras mesquinhas cujo poder não é compatível com sua forma física magricela - bastando ver seus inspirados trabalhos em Predadores, American Ultra: Armados e Perigosos e, por que não, Homem-Aranha 3.
Ryan Eggold também é hábil ao fazer de Walter, o contato direto entre Ron e o Klan, uma figura cujo racismo é mascarado por uma falsa modéstia e educação, quase fazendo o espectador acreditar que é uma boa pessoa. No outro âmbito, Jasper Pääkkönen faz o oposto ao jamais deixar de ser uma figura desagradável, sendo o personagem mais temível da obra. E se Paul Walter Hauser já havia se mostrado um coadjuvante divertido em Eu, Tonya, aqui o ator atinge níveis de irmãos Coen ao fazer um personagem completamente caricato e estúpido, e que serve como um dos alívios cômicos.
Sem tempo para sutilezas Infiltrado na Klan
Infiltrado na Klan traz um Spike Lee como há muito tempo não víamos. Com boa condução para um thriller policial cheio de toques cômicos, o filme se beneficia do roteiro sólido e do elenco inspiradíssimo. E mais do que isso, é um importante alerta sobre o perigo do racismo e da intolerância, que segue mais forte a cada dia.
O filme de Lee não é sutil em sua mensagem, mas sutileza é um luxo para os tempos de hoje.
Infiltrado na Klan (BlacKkKlansman, EUA - 2018)
Direção: Spike Lee
Roteiro: Charlie Wachtel, David Rabinowitz, Kevin Wilmott e Spike Lee, baseado na obra de Ron Stallworth
Elenco: John David Washington, Adam Driver, Lauria Harrier, Corey Hawkins, Topher Grace, Isiah Whitlock Jr., Ryan Eggold, Jasper Pääkkönen, Alec Baldwin, Harry Belafonte, Paul Walter Hauser
Gênero: Policial
Duração: 135 min
https://www.youtube.com/watch?v=bbOJwWSEUmo&t
Crítica | O Primeiro Homem - Um passo curto para Damien Chazelle
É de se admirar a velocidade com que o jovem cineasta Damien Chazelle rapidamente construiu uma carreira invejável em Hollywood, bastando apenas dois filmes para lhe garantir um Oscar de Melhor Direção e ainda ser consagrado como uma das vozes mais empolgantes e promissoras da atual geração. Com Whiplash: Em Busca da Perfeição e La La Land: Cantando Estações abordando histórias de forma eficiente, e com muita música, o diretor enfrenta sua maior variação com O Primeiro Homem, que muda radicalmente o estilo e a zona de conforto do diretor, que tenta algo novo aqui. Infelizmente, é um resultado abaixo de seu altíssimo nível.
A trama narra os eventos do programa lunar americano na década de 60, que visavam colocar um homem na Lua antes dos Soviéticos. Colocando o engenheiro e astronauta Neil Armstrong (Ryan Gosling) no centro da história, a narrativa acompanha os testes perigosos e todos os desafios que a NASA enfrentou para conseguir realizar o bem sucedido lançamento em julho de 1969.
Desacoplado
Mesmo com todas as teorias da conspiração deliciosamente estúpidas, a chegada do Homem à Lua é um dos eventos mais relevantes da História da Humanidade, e chega a ser espantoso como demorou quase 50 anos para que Hollywood finalmente fizesse um filme explorando a trajetória da Apollo 11 e sua missão audaciosa. É uma pesquisa histórica que o roteirista Josh Singer (Spotlight: Segredos Revelados) faz muito bem - inspirando-se no livro de James R. Hansen -, sendo conciso em tecer uma estrutura bem organizada e que separa os eventos chave de forma eficiente e informativa, fazendo um bom trabalho ao incluir as intrigas internas da NASA e a recepção duvidosa da população americana - caminhando em uma ótima sincronia com a montagem precisa de Tom Cross.
Nesse quesito, Singer merece acertos, mas infelizmente seu texto é incapaz de provocar algum envolvimento com os núcleos de seus protagonistas. O fato de a trama avançar rapidamente é bom pela economia de informação e a progressão da história, mas acaba sacrificando qualquer tipo de construção de amizade ou camaradagem entre Neil e os diferentes astronautas que conhece pelo programa; tirando o peso de diversas mortes ao longo do caminho, justamente por não termos muita empatia por esses personagens.
O fato de o longa constantemente bater na tecla de “como a missão é perigosa” e como “Neil talvez não retorne”, chegando ao ponto em que os personagens de Kyle Chandler e Ciáran Hinds redigem uma carta informando o fracasso da missão e a morte dos astronautas apenas “se precisarem” revela-se nula, justamente porque sabemos que a missão funciona no final. É a sina de qualquer filme inspirado em fatos, mas que acaba extrapolada aqui.
A decisão de manter o drama de Armstrong com sua família um tanto "frio" - com exceção do bom payoff envolvendo a falecida filha do astronauta - também mostra-se equivocada quando estamos nos referindo a um longa de mais de 2 horas com um protagonista introspectivo, e onde as interações com a esposa e filho dependem de uma sutileza que a direção raramente é capaz de traduzir em imagens, nos levando à grande questão do longa.
Falso Documentário
Mas o problema principal de O Primeiro Homem está justamente na direção. Desde os primeiros segundos de projeção, Chazelle mostra-se comprometido a adotar uma estética semi documental à sua câmera e a fotografia granulada e desfocada de Linus Sandgren, que parecem estar simulando vídeos da época, sendo visualmente impressionante como “envelhecimento” da imagem e recriação histórica, mas que mostra-se nocivo no envolvimento do espectador e o desenrolar da história, já que é uma direção cheia de excessos: lentes desfocadas e grãos fortes acabam desviando atenção, assim como a câmera inquieta e sempre cropada do diretor - é um dos usos de câmera na mão mais exagerados que já vi.
É uma estética que, se incomoda em cenas onde temos personagens sentados e conversando, torna-se fisicamente insuportável nas sequências mais intensas do filme, que em sua maioria envolvem os personagens dentro de módulos e foguetes. Chazelle mantém a mesma mise en scene fechada e inquieta, jamais nos mostrando o exterior de uma nave (quando mostra, sempre é uma câmera acoplada, como as de Interestelar), mas sim o turbulento interior de cada veículo, o que acaba resultando em cenas simplesmente incompreensíveis: é o oposto de tensão, é uma mera cacofonia visual que torna-se difícil de ver em uma tela grande, especialmente considerando as imagens captadas em IMAX no ato final do longa. Não foi necessário 3D algum para fazer o espectador sair com a cabeça girando da sessão.
Não que a direção não tenha seus momentos, mas que encontram-se em passagens pontuais, e com mais sutileza. A cena em que um incêndio começa dentro de um dos módulos, e a forma como a situação rapidamente alcança um desfecho trágico é assustadora, e eficiente justamente por Chazelle optar por uma decupagem mais tradicional, evitando o caos incompreensível das outras sequências envolvendo foguetes.
Tudo o que envolve a Lua, que demanda uma câmera mais estática graças ao IMAX, também é eficiente e muito bonito de se admirar. O plano final do filme também merece créditos por sua inteligência, traduzindo todo a questão do isolamento de Armstrong em relação à sua família.
A grande força em quesitos técnicos de O Primeiro Homem reside em tudo que é relacionado ao som. O design sonoro durante as cenas de decolagem e testes espaciais é realmente especial, fornecendo todo o pânico e desespero que as imagens confusas se mostram incapazes, onde podemos ouvir parafusos girando para fora da fuselagem, jatos de ar fortíssimos sendo disparados a múltiplas velocidades e a boa e velha transição de um ambiente sonoro para o vácuo silencioso do espaço, em um tipo de trabalho que deve favorecer tanto a edição quanto a mixagem de som em futuras premiações.
E, claro, temos Justin Hurwitz na trilha sonora. Colaborador indispensável de Chazelle, o compositor é responsável por nos fazer sentir o maior número de emoções graças à sua música lindíssima, que ignora convenções do gênero e oferece algo que traduz tanto o perigo quanto a beleza da exploração espacial, com destaque para os violinos e sopros franceses que preenchem a paisagem sonora do aguardado pouso lunar - uma sequência que seria completamente tediosa não fosse o trabalho verdadeiramente espetacular de Hurwitz, que deve voltar ao Oscar mais uma vez.
Meio passo para O Primeiro Homem
No elenco, Ryan Gosling praticamente domina todo o tempo de tela como Armstrong. Se nunca foi considerado um ator muito expressivo - característica que usa a favor em performances como Drive e Blade Runner 2049 - Gosling puxa esse perfil mais silencioso para representar o lado introspectivo e ansioso do astronauta, que sempre recebe informações pesadas e demora para expressar alguma reação, sendo uma decisão valiosa em alguns momentos - como quando vemos seu rosto tremer enquanto observa a Lua de seu quintal - ou simplesmente… vazia, mais por não termos reações perceptíveis do ator em um close muito próximo de seu rosto. Quem acaba chamando mais atenção é Claire Foy, que vive Janet Armstrong com determinação e um sentimento de jamais deixar as coisas por incompleto.
O Primeiro Homem é um experimento que não funciona como deveria. É compreensível como Damien Chazelle buscou uma abordagem mais intimista e mecânica para retratar um evento tão grandioso, mas acabou sacrificando justamente todas as possibilidades grandiosas que essa fascinante história poderia render em uma tela grande.
Talvez se ao invés de Neil Armstrong tivéssemos Louis Armstrong…
O Primeiro Homem (First Man, EUA - 2018)
Direção: Damien Chazelle
Roteiro: Josh Singer, baseado na obra de James R. Hansen
Elenco: Ryan Gosling, Claire Foy, Corey Stoll, Kyle Chandler, Jason Clarke, Patrick Fugit, Ciáran Hinds, Shea Whigham
Gênero: Drama, Ficção Científica
Duração: 145 min
https://www.youtube.com/watch?v=IHuQSTPQY6E
Crítica | Rocky III: O Desafio Supremo - O olho do tigre
O sucesso comercial da inesperada continuação de Rocky já tornava impossível que um terceiro filme não acabasse surgindo no horizonte. A fórmula de um filme esportivo é difícil de se manter envolvente e divertida, o que aumentava o trabalho para Sylvester Stallone, que voltava para a cadeira de roteirista e diretor em Rocky III: O Desafio Supremo.
Não, Rocky Balboa não vai lutar contra Apollo Creed novamente. Pelo menos essa não é a trama central… Aqui, vemos Rocky tornando-se um campeão invicto nas disputas de pesos pesados mundiais. Quando ele é pego de surpreso pelo brutal desafiante Clubber Lang (estreia de ninguém menos do que Mr. T!), perde o cinturão e o apoio de seu treinador Mickey (Burgess Meredith), que acaba falecendo tragicamente. Derrubado profissional e emocionalmente, Rocky encontra o apoio de seu antigo oponente, Apollo, para um intenso treinamento para recuperar seu título de campeão.
Stallone foi muito inteligente aqui. O simples fato de trazer Apollo como um dos companheiros do protagonista já cria uma dinâmica muito mais interessante, já que provocações entre os dois ocorrem constantemente ao longo da projeção. É também a crescente amizade da dupla que sustenta Rocky III, que parece bem mais interessado em divertir o espectador do que realizar um drama forte como o primeiro filme.
Basta observar o bizarro momento no qual Rocky aceita enfrentar um campeão de luta livre (vivido por Hulk Hogan) em um evento de caridade, uma cena que poderia provocar pavor se estivesse no primeiro filme; estamos falando de dois lutadores de esportes diferentes se enfrentando em um vale-tudo. Mas, sob a direção de Stallone, é um dos momentos mais divertidos da franquia, e é agradável ver o monstruoso Hogan terminando a luta de forma amigável, até parando para tirar uma foto com Rocky e sua família.
Não que Stallone não saiba lidar com os momentos dramáticos. A derrota de Rocky em sua primeira luta contra Lang, por exemplo, é memorável por tratar-se de um dos únicos momentos da saga em que vemos um plano plongée no ringue, exacerbando a caída do protagonista na lona. E sua cena final com Mickey, desenrolada toda em um plano fixo revela a maturidade de Stallone como diretor, assim como seu eficiente talento para cenas dramáticas.
Mas, novamente, é a criação de um vínculo entre Rocky e Apollo que torna Rocky III tão especial. Um dos grandes bromances de todos os tempos, a montagem de treinamento que trouxe ao mundo a inesquecível “Eye of the Tiger” é tão divertida quanto a do primeiro filme. E um dos grandes mistérios da franquia é estabelecido na icônica cena final, onde um terceiro duelo entre os dois é travado. Nunca soubemos a resposta…
Rocky III: O Desafio Supremo (Rocky III, EUA – 1982)
Direção: Sylvester Stallone
Roteiro: Sylvester Stallone
Elenco: Sylvester Stallone, Talia Shire, Burt Young, Burgess Meredith, Mr. T, Carl Weathers, Tony Burton, Hulk Hogan
Gênero: Drama
Duração: 99 min
https://www.youtube.com/watch?v=gbRDCWKqvEc
Leia mais sobre Rocky Balboa
Crítica | Rocky Balboa - A poesia de Sylvester Stallone
Hoje é muito comum, e tem se tornado uma mania quase incômoda, que atores voltem com versões envelhecidas de personagens icônicos que viveram há décadas atrás. É uma nostalgia sem tamanho ver Harrison Ford com o chapéu de Indiana Jones em O Reino da Caveira de Cristal ou o blaster de Han Solo em O Despertar da Força, assim como foi divertido ver Arnold Schwarzenegger como o T-800 no fracassado Exterminador do Futuro: Gênesis ou até mesmo Michael Douglas voltando ao papel premiado de Gordon Gekko em Wall Street: O Dinheiro Nunca Dorme. Porém, foi Sylvester Stallone quem começou a brincadeira, quando trouxe de volta seu personagem mais querido em Rocky Balboa.
A trama nos apresenta novamente à Rocky. Aposentado da carreira de boxe, agora gerencia um restaurante em homenagem à falecida Adrian e tenta de tudo para se reaproximar de seu filho Robert (Milo Ventimiglia), enquanto é constantemente parado para autógrafos, fotos e antigas histórias de guerra. Quando uma simulação virtual coloca Balboa contra um dos nomes quentes do boxe contemporâneo, Mason “The Line” Dixon (Antonio Tarver), uma chama reacende no antigo lutador, que decide voltar aos ringues para uma última luta.
Pode até soar uma ideia ridícula, que Rocky volte aos ringues por uma mera simulação de computador, mas a verdade é que Rocky Balboa é um dos mais complexos e honestos filmes da franquia – sem dúvida alguma o melhor filme dirigido por Stallone. O roteiro é de uma melancolia nada forçada, com o drama de um sujeito parado na vida e ansiando por tornar-se relevante novamente é comovente, sem apelar para recursos mais forçados: a trilha sutil de Bill Conti é certeira por pegar o vibrante tema de “Gonna Fly Now” e reduzi-lo a uma melodia lenta de piano que vai evoluindo – conforme o andar da narrativa – até a tradicional música que adoramos ouvir para nos inspirar.
E, claro, havia a grande dúvida se Stallone ainda seria capaz de aguentar trazer o personagem de volta em seus 60 anos. Como desempenho físico, não há dúvida da capacidade do ator, já que se sai bem em cenas de treinamento pesado, lutas sem camisa e até mesmo em seus trabalhos posteriores, vide Rambo e Os Mercenários. É no drama que o ator realmente surpreende. Vê-lo com uma aparente calmaria, apenas para soltar um pequeno bufo animalesco quando desabafa “há uma besta dentro de mim” é impressionante, revelando a cuidadosa construção de Stallone. Rocky é uma figura muito fácil de se gostar, e vendo-o conversando com o túmulo de Adrian ou elogiando seu adversário após a luta climática apenas ilustram a boa alma de Balboa.
O oponente da vez também demonstra um crescimento de Stallone como artista. Longe de ser uma máquina soviética como Ivan Drago em Rocky IV ou uma figura simplesmente má como o Mr. T no terceiro filme, Mason Dixon é um bom lutador que se sente limitado por nunca ter enfrentado um desafio à sua altura – além de sofrer uma pesada crítica da mídia por isso -, e sua frustração vem de um fator humano, ao invés de um simples “Preciso destruir todos inferiores a mim”.
Dentro da franquia, Rocky Balboa facilmente se destaca como o melhor filme após o original, revelando uma faceta madura de Sylvester Stallone como artista, além de oferecer um desenvolvimento apropriado para este que é um dos mais carinhosos ícones da cultura pop mundial. Uma aposentadoria digna para Balboa, como lutador.
Rocky Balboa (EUA – 2006)
Direção: Sylvester Stallone
Roteiro: Sylvester Stallone
Elenco: Sylvester Stallone, Milo Ventimiglia, Burt Young, Antonio Tarver, Geraldine Hughes, Tony Burton, A.J. Benza, James Francis Kelly III
Gênero: Drama
Duração: 102 min
https://www.youtube.com/watch?v=8tab8fK2_3w
Leia mais sobre Rocky Balboa
Crítica | Venom - Nasce um novo ícone trash
Quando se trata em sua relação com o universo do Homem-Aranha, a Sony tem mais erros do que acertos. A trilogia comandada por Sam Raimi e estrelada por Tobey Maguire ainda se mantém como a obra definitiva do personagem, enquanto tudo o que a versão de Tom Holland apresenta de melhor provavelmente é fruto do envolvimento de Kevin Feige e a Marvel Studios. Quando tiramos isso, temos o reboot fracassado com Andrew Garfield em O Espetacular Homem-Aranha, os projetos cancelados do Sexteto Sinistro e agora a nova ideia de um universo compartilhado de personagens do herói.
É uma ideia que, por si só, já parece errada e não inspira confiança, da mesma forma que a Universal Pictures quebrou a cara com o desastroso Dark Universe e o reboot pavoroso de A Múmia. Ainda com planos para lançar um filme do vampiro Morbius com Jared Leto, um filme das ano-heroínas Gata Negra e Silver Sable e até mesmo do caçador Kraven, a tarefa de dar esse pontapé fica com Venom, marcando o primeiro filme solo do herói.
A julgar pelo resultado, a Sony certamente produziu algo que é divertido, mas pelos motivos errados, e que não botam confiança na equipe envolvida para novos derivados.
A Sina do Anti-Herói
A trama nos leva para a cidade de São Francisco, onde Eddie Brock (Tom Hardy) trabalha como repórter investigativo para uma emissora local. Um de seus mais recentes furos jornalísticos envolve investigar a Fundação Vida, laboratório chefiado pelo ambicioso Carlton Drake (Riz Ahmed), que faz experimentos com uma estranha substância alienígena conhecida como simbionte. Quando Eddie invade o laboratório atrás de evidências, ele é contaminado por uma das amostras que o transforma no monstruoso Venom.
Originalmente criado como vilão do Aranha nos quadrinhos, Venom ganha o tratamento do anti-herói aqui. Mesmo que seja um status onde o personagem já tenha sido retratado nos quadrinhos, é no mínimo desafiador conseguir tornar um ser alienígena devorador de humanos como uma figura protagonista capaz de gerar empatia, e muito menos heroísmo, sendo mais representativo da Sony Pictures em tentar encontrar um herói para iniciar mais um novo universo cinematográfico.
Não é uma tarefa bem sucedida pelo quarteto de roteiristas formado por Scott Rosenberg, Jeff Pinkner, Will Beall e Kelly Marcel, que até são bem sucedidos em conseguir isolar a história da presença do Homem-Aranha, trazendo muita inspiração de obras de ficção científica como O Enigma do Outro do Mundo e O Dia em que a Terra Parou em seu primeiro ato (muito dependente, também, da trilha sonora inspirada de Ludwig Goransson, que funciona como estrutura, mas que falha ao gerar qualquer interesse com seus personagens genéricos ou a mitologia que é explorada de forma rasa, definição que é generosa para o péssimo antagonista formado por Riz Ahmed; isso pra não falar do "plano secreto"dos simbiontes...
Potencial cômico
Não é um bom roteiro, o que acaba resultando em um filme medíocre e muito abaixo do nível que o gênero veio alcançando nos últimos anos. Porém, com tanto caos e decisões absurdas, é perfeitamente passar a admirar Venom como uma experiência acidentalmente trash. Juntando-se à Batman & Robin e Motoqueiro Fantasma: O Espírito da Vingança como obras de qualidade duvidosa, mas com incrível potencial para entreter e provocar o riso descontrolado, o filme de Ruben Fleischer acaba se saindo surpreendentemente bem.
O histórico do diretor com comédia (ele dirigiu o fantástico Zumbilândia) certamente veio a calhar, já que diversos momentos do filme funcionam justamente por sua carga cômica - seja em cenas mais calculadas para atingir o riso, como quando Eddie se recusa a pular de um prédio na forma ide Venom, com um corte seco para o protagonista esperando o elevador, como em curiosos momentos inusitados; vide o enquadramento que inesperadamente se vira para a reação preocupada de um dos empregados de Drake em seu laboratório. É rodada como uma cena séria e dramática, mas que torna-se hilária graças ao contexto e os absurdos enunciados por Drake.
E nem vou comentar as ideias ridículas que envolvem a "possessão" do simbionte em outros organismos senão Brock, rendendo coisas que eu pessoalmente nunca achei que veria em uma tela de cinema na vida - muito menos protagonizadas por Michelle Williams, que vive a namorada do protagonista. E, no que diz respeito à curiosidade mórbida, fico feliz que Venom tenha tido coragem de apostar em algo tão ousado e ridículo.
As Loucuras de Tom Hardy em Venom
Mas se há um elemento que definitivamente torna a visita bem-vinda, é Tom Hardy. O ator está completamente alinhado com essa veia trash cômica, mas tudo o que o ator faz parece ser intencional, desde seu andar engraçado até seus ataques de histeria e desespero quando começa a interagir com a voz do simbionte. É uma performance exagerada e diferente de tudo o que já vimos o ator fazer, e que garante risadas genuínas e muita energia para o filme, que também revela o vislumbre de uma oportunidade perdida em realizar uma série adaptação de O Médico e o Monstro com o ator. Hardy é tão divertido que o monstrão em CGI de Venom nem é necessário para nos manter entretido, até porque a criação digital deixa a desejar - assim como todas as interações entre os simbiontes e personagens humanos.
Por falar nessa área, a ação do filme sofre com a abundância de efeitos digitais simplesmente incompreensíveis. É até possível admirar a mise en scene moderadamente inventiva de Fleischer durante cenas em que ainda temos elementos live action em evidência, como a perseguição de moto pelas descidas íngremes de São Francisco, mas quando temos Venom e Riot se espancando através de uma ponte - em um ambiente completamente digital - não é nada além de meleca se espatifando, em um efeito similar à carnificina metálica de Michael Bay em seus filmes de Transformers.
Um bom filme ruim: Venom
Venom é mais uma adição ao catálogo podre de produções da Sony para o universo da Marvel nos cinemas. É um filme mal desenvolvido e completamente perdido em suas intenções, mas que acaba revelando-se como um passatempo precioso e genuinamente divertido graças à seu absurdo e humor acidental, que automaticamente acabam colocando-o no status de um trash. O tempo pode fazer muito a favor do filme de Ruben Fleischer, mas fãs do anti-herói certamente ficarão decepcionados.
Entre um genérico seguro e esquecível como Homem-Formiga e a Vespa e algo completamente caótico e errado como Venom, eu definitivamente escolho Tom Hardy surtando dentro de um tanque de lagostas.
Venom (EUA, 2018)
Direção: Ruben Fleischer
Roteiro: Scott Rosenberg, Jeff Pinkner, Will Beall e Kelly Marcel, baseado nos personagens da Marvel Comics
Elenco: Tom Hardy, Michelle Williams, Riz Ahmed, Jenny Slate, Woody Harrelson, Reid Scott, Michelle Lee, Scott Haze, Sope Aluko
Gênero: Ação
Duração: 112 min
https://www.youtube.com/watch?v=NPsB0txsa7U
Crítica | The Marvelous Mrs Maisel: 1ª Temporada - Comédia de prestígio
A comédia em sua essência é uma Arte dependente de uma técnica requintada. Basta lembrar de Buster Keaton sentado na alavanca de uma locomotiva em movimento ou Charles Chaplin andando de patins com apenas um pé sobre uma cratera, sendo dois exemplos formidáveis no talento de artistas no auge de seu trabalho. Em tempos mais contemporâneos, a comédia continua viva através de performances e piadas memoráveis, em um gênero que, mesmo nos tempos de Keaton e Chaplin, sempre dependeu - ao menos 70% - do talento do comediante.
Dito isso, é raro encontrarmos uma comédia que, não só é engraçada, mas que também apresente uma técnica e direção tão sofisticada quanto um "filme de prestígio", ou até mesmo produções de grande orçamento. A atual Era de Ouro da Televisão americana acaba de cruzar essa barreira. Não só com a excepcional Atlanta, que flerta constantemente com o surrealismo, mas agora também com The Marvelous Mrs. Maisel, irretocável acerto da Amazon Prime.
A trama da primeira temporada nos leva à década de 60, apresentando-nos ao casal Midge (Rachel Brosnahan) e Joel Maisel (Michael Zegen), dois nova-iorquinos bem de vida que exploram diferentes possibilidades. Ela, uma dona de casa organizada e esforçada, enquanto o marido balanceia o emprego na firma de seu pai com noites mal sucedidas de comédia stand up, sempre contando com o apoio de Midge. Ao descobrir da infelidade de seu marido, o casamento dos dois entra em crise, levando Midge a impulsivamente entrar em um clube de stand up e desabafar ironicamente sobre seus problemas - garantindo o riso descontrolado da plateia e a atenção da proprietária Susie (Alex Bernstein), que logo enxerga em Midge a oportunidade de transformá-la em uma estrela do stand up.
Sitcom de Época
Quando analisamos apenas a história, Mrs. Maisel parece não ser muito diferente dos Seinfelds, Masters of None e outros seriados que abordam a carreira da comédia stand up, encontrando em sua abordagem de época algo verdadeiramente original. As piadas e estilo de apresentação em palco são realizadas de forma contemporânea, quase anacrônicas ao período bem demarcado dos anos 60, e s showrunner Amy Sherman-Palladino (criadora também de Gilmore Girls) merece aplausos por conseguir executar tão bem essa mistura incomum, com nítida influência do humor mais sarcástico dos irmãos Coen - com referências perceptíveis a obras como Barton Fink, Um Homem Sério e, claro, Inside Llewyn Davis; especialmente por trazer o Gaslight Cafe como cenário integral da história. É quase como se estivessemos assistindo a Mad Men, dado o prestígio da época, mas com uma leveza e humor muito mais fortes do que a série protagonizada por Jon Hamm.
Desde o princípio, Palladino nos conquista com suas personagens maravilhosas. A própria Midge é um perfil bem distinto de protagonista nesse gênero, sendo uma mulher privilegiada e com muito dinheiro, contra o estereótipo do "zé ninguém" que atinge a fama, mas sim abraçando a ideia de uma mulher que tem tudo, mas que só agora começa a descobrir sua real afinidade - visto que Midge sempre sugeriu piadas e trabalhou como "editora" para Joel.
O Humor da Direção
E quando disse no começo do texto sobre a "técnica" da comédia, era aqui que queria chegar. Falando de forma bem direta, The Marvelous Mrs. Maisel apresenta um trabalho de direção excepcional, não só raro no gênero da comédia, mas até mesmo se destaca dentro das produções mais "prestigiadas" da TV, não devendo nada ao estilo de um Better Call Saul ou o orçamento notável de um Game of Thrones - mas sem dragões, claro -, algo transparente no design de produção imersivo e envolvente da produção, que definitivamente coloca o dinheiro na tela.
Responsável por muitos dos episódios dessa primeira temporada, Palladino é segura ao executar longuíssimos planos sequência que passeiam pelos ambientes, em um tipo de execução que parece uma mistura do dinamismo de Alejandro G. Iñarritu em Birdman com a câmera movendo-se livremente a todo instante) com o fator "discreto" de Steven Spielberg, que constamente muda o enquadramento de uma cena sem fazer o espectador notar que ainda está no mesmo plano de câmera. Essas características imprimem velocidade aos personagens de Maisel, com a mise en scene ajudando até mesmo na comédia, já que os pais de Midge sempre acabam fazendo algo divertido no meio desse verdadeiro balé de câmeras. Um trabalho estupendo, e digno de suas vitórias na última edição do Emmy.
Por fim, mas de forma alguma menos importante, Mrs. Maisel tem um elenco invejável. Rachel Brosnahan traz aquele tipo de performance que é magnética do início ao fim, com a atriz apostando em um sotaque discreto (similar ao de moradores de Boston) que mostra-se certeiro, tanto pela época quanto pelo tom mais humorístico na qual a atriz consegue entregar suas falas; sempre que Midge está no palco, é garantia de diversão e um tour de force de atuação. De maneira similar, Alex Borstein também rouba a cena como Susie, fazendo a persona mais durona e ranzinza, o que promove um ótimo contraponto ao comportamento mais "dondoca" de Midge.
O elenco coadjuvante também é excelente, com os pais da protagonista sendo um atrativo à parte. Abalados pelo divórcio da filha, os personagens de Tony Shalhoub e Marin Hinkle tentam fazer de tudo para reparar a situação, sendo particularmente hilário ver como o ex-astro de Monk lida com seus histéricos ataques de fúria, enquanto Hinkle apresenta um lado mais pé no chão e acolhedor para Midge. O jovem Michael Zegen também é eficiente em criar uma figura mesquinha na forma de Joel, mas complexo o bastante para que o espectador consiga compreender seu ponto de vista, por mais repreensível que seja.
Maravilha
A primeira temporada de The Marvelous Mrs. Maisel é um acerto como poucos. Com uma produção afinadíssima, um elenco de peso e uma direção que realmente eleva a comédia a um nível de prestígio, a série da Amazon mostra que não deve em nada a outros serviços de streaming por aí, e Amy Sherman-Palladino se confirma como uma artista completa. Uma série maravilhosa, de fato.
The Marvelous Mrs. Maisel (EUA, 2017)
Criado por: Amy Sherman-Palladino
Direção: Amy Sherman-Palladino, Daniel Palladino, Scott Ellis
Roteiro: Amy Sherman-Palladino, Daniel Palladino, Kate Fodor, Sheila R. Lawrence
Elenco: Rachel Brosnahan, Alex Borstein, Michael Zegen, Tony Shalhoub, Marin Hinkle, Bailey De Young, Holly Curran, Jane Lynch, Kevin Pollak, Luke Kirby, Caroline Aaron
Emissora: Amazon
Gênero: Comédia
Duração: 50 min aprox.
https://www.youtube.com/watch?v=fOmwkTrW4OQ&t=2s
Crítica | Um Pequeno Favor - A dicotomia entre o suspense e o humor
Após mais de uma década trabalhando com comédias na televisão e no cinema, Paul Feig tornou-se uma das referências no gênero para o cinema americano contemporâneo. Explorando como poucos o talento de Melissa McCarthy em comédias como As Bem Armadas e A Espiã que Sabia de Menos, chegou ao Oscar com Missão Madrinha de Casamento e enfrentou uma onda de polêmicas com seu reboot feminino de Caça-Fantasmas, o primeiro fracasso propriamente dito de sua carreira sólida até então.
Procurando se recuperar a da broxante recepção do reboot, Feig vai por um caminho ainda mais arriscado com Um Pequeno Favor, filme que se propõe como um thriller de mistério a lá Alfred Hitchcock, mas que acaba entregando os pontos ao se mostrar uma narrativa novelesca e exagerada que acaba chegando no cômico através de dispositivos escandalosos.
Baseada no livro de Darcey Bell a trama nos apresenta a Stephanie (Anna Kendrick), uma mãe solteira metódica e organizada, e que passa as horas vagas em seu vlog de internet focado em cozinha. Ao buscar seu filho na escola em certa tarde, ela conhece Emily (Blake Lively), com quem passa a ter uma relação de amizade forte, ainda que a sofisticada moça não ofereça muitos detalhes sobre sua vida misteriosa ou o casamento com Sean (Henry Golding). Após pedir para que Stephanie busque seu filho na escola para ela, Emily desaparece, colocando Stephanie e Sean em uma caçada para descobrir não apenas o paradeiro de Emily, mas também os mistérios de seu passado oculto.
Tragicomédia de Erros
À primeira vista, e principalmente quando se assiste ao filme de Feig, é impossível não remeter a Garota Exemplar. Assim como a obra de Gillian Flynn, a trama de Um Pequeno Favor é repleta de reviravoltas e revelações que tendem a subverter as expectativas do espectador e nos surpreender constantemente. O problema fica mesmo na falta de uma execução melhor, e na verdadeira macarronada que a história adaptada por Jessica Schanzler se torna. É preciso muita paciência e cuidado para introduzir as viradas que Um Pequeno Favor se propôs a usar, e o tom confuso entre paródia e thriller - Feig até apela para o jump scare barato ao trazer uma surpresa quase fantasmagórica - pode provocar uma sensação de não saber se está rindo porque o filme o quis, ou se é simplesmente ridículo.
Como diretor, Feig demonstra uma evolução em sua mise en scène. Saindo do formato sitcom - algo que ele sempre foi capaz de deixar mais cinematográfico, vide Caça-Fantasmas - o diretor abraça completamente a atmosfera de um noir durante alguns momentos da narrativa. Todo o primeiro ato com o envolvimento entre Stephanie e Emily é bem conduzido pelo diretor, que é capaz de criar uma atmosfera inquieta e sedutora através de planos abertos e cortes certeiros para um determinado close - ou até mesmo o momento embaraçoso em que Stephanie começa a dançar em frente à Emily. O uso de trilha sonora pop francesa em diversos momentos também garante charme e elegância para o universo particular de Emily, e é fundamental para envolver o espectador com aquelas personagens.
Seu talento para o suspense também é considerável, com destaque para uma perseguição de carro abrupta em uma fazenda, mas é um aspecto que acaba sendo anulado pelo humor abrupto que toma conta da cena quando menos esperamos; culminando no péssimo clímax que descamba totalmente para a paródia.
Jogadoras poderosas
No quesito elenco, Um Pequeno Favor encontra sua maior pérola. A começar pela deslumbrante Blake Lively, que assume a persona de uma femme fatale desde sua imponente primeira cena, onde caminha em slow mo pela chuva, usa um padrão tipicamente adotado na relação amorosa de um homem e uma mulher, para a de duas amigas. Lively é cheia de nuances e se mostra amadurecida como atriz, sempre demonstrando um lado mais perigoso e suspeito de Emily a cada linha de diálogo. Paul Feig pode não ser David Fincher, mas eu adoraria ver como Blake Lively rivalizaria com Rosamund Pike, vide o imenso potencial que praticamente implora por papéis mais desafiadores. Lively ainda vai longe.
Mas o filme é mesmo de Anna Kendrick, personagem com a qual passamos boa parte do tempo e adotamos a principal perspectiva. Kendrick tem um estilo de atuação muito particular, onde sempre parece gaguejar e fazer a persona da garota inocente, algo visto tanto em suas personagens na Saga Crepúsculo e seu papel aclamado em Amor Sem Escalas. Sua Stephanie não traz muitas novidades em quesitos cênicos, mas Kendrick carrega o filme e sempre mantém nosso interesse e envolvimento, especialmente por seu acertadíssimo timing cômico. Vale também destacar o carismático Henry Golding, que oferece charme e ambiguidade a Sean, o marido nada coitado de Emily.
Agora, um aspecto no qual Um Pequeno Favor se sobressai, e que é criminalmente subestimado em produções contemporâneas, é seu figurino. Como a personagem de Lively trabalha como relações públicas de um estilista, é evidente que a figurinista Renee Ehrlich Kalfus ofereceria o melhor e mais luxuoso para Emily, e são peças realmente deslumbrantes, e que oferecem algo a mais à persona de sua personagem, vide a escolha ousada de um decote sem sutiã em um cemitério.
De forma similar, as vestimentas de Stephanie traduzem seu aspecto mais "dona de casa inofensiva" através de peças que parecem saídas de uma boneca Barbie, e até mesmo o detetive de Bashir Salahuddin surge em cena com uma camisa laranja e um terno azul marinho, deixando bem claro ao espectador que esse universo não é povoado por figuras realistas, mas sim retratos cartunescos de um tipo específico de sociedade. O próprio momento em que Stephanie experimenta um dos vestidos de Emily e não parece conseguir sair dele é simbólico de todo o arco do longa, e também da metamorfose da mãe vlogueira em algo muito diferente.
Um Pequeno Favor é quase ótimo
No fundo, Um Pequeno Favor é surpreendente quando de fato leva o suspense a sério, comprovando que Paul Feig tem mão e estilo para esse tipo de gênero. Porém, o experimento mostra-se desequilibrado quando a história beira o absurdo e tenta compensá-la com um humor satírico, que parece mais apropriado para um grande novelão do que um thriller.
Um Pequeno Favor (A Simple Favor, EUA - 2018)
Direção: Paul Feig
Roteiro: Jessica Sharzer, baseado na obra de Darcey Bell
Elenco: Anna Kendrick, Blake Lively, Henry Golding, Jean Smart, Linda Cardellini, Ian Ho, Joshua Satine, Andrew Moodie, Andrew Rannells, Kelly McCormack, Aparna Nancherla
Gênero: Drama/Comédia
Duração: 117 min
https://www.youtube.com/watch?v=rAqMlh0b2HU&t
Canal Cactofobia | O Predador
Com a estreia do novo reboot de O Predador nos cinemas, Lucas Nascimento e João Felipe Marques discutem sobre o filme de Shane Black no canal Cactofobia. Parece que o caçador alienígena não ficou feliz...
Confira:
https://www.youtube.com/watch?v=SLzEaRzSea8&t
O Predador (The Predator, EUA – 2018)
Direção: Shane Black
Roteiro: Shane Black e Fred Dekker, baseado nos personagens de Jim Thomas e John Thomas
Elenco: Boyd Holbrook, Olivia Munn, Sterling K. Brown, Keegan Michael Kelly, Jacob Tremblay, Trevante Rhodes, Thomas Jane, Alfie Allen, Augusto Aguilera
Gênero: Ação, Ficção Científica
Duração: 108 min