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Crítica | O Primeiro Homem – Um passo curto para Damien Chazelle

É de se admirar a velocidade com que o jovem cineasta Damien Chazelle rapidamente construiu uma carreira invejável em Hollywood, bastando apenas dois filmes para lhe garantir um Oscar de Melhor Direção e ainda ser consagrado como uma das vozes mais empolgantes e promissoras da atual geração. Com Whiplash: Em Busca da Perfeição e La La Land: Cantando Estações abordando histórias de forma eficiente, e com muita música, o diretor enfrenta sua maior variação com O Primeiro Homem, que muda radicalmente o estilo e a zona de conforto do diretor, que tenta algo novo aqui. Infelizmente, é um resultado abaixo de seu altíssimo nível.

A trama narra os eventos do programa lunar americano na década de 60, que visavam colocar um homem na Lua antes dos Soviéticos. Colocando o engenheiro e astronauta Neil Armstrong (Ryan Gosling) no centro da história, a narrativa acompanha os testes perigosos e todos os desafios que a NASA enfrentou para conseguir realizar o bem sucedido lançamento em julho de 1969.

Desacoplado

Mesmo com todas as teorias da conspiração deliciosamente estúpidas, a chegada do Homem à Lua é um dos eventos mais relevantes da História da Humanidade, e chega a ser espantoso como demorou quase 50 anos para que Hollywood finalmente fizesse um filme explorando a trajetória da Apollo 11 e sua missão audaciosa. É uma pesquisa histórica que o roteirista Josh Singer (Spotlight: Segredos Revelados) faz muito bem – inspirando-se no livro de James R. Hansen -, sendo conciso em tecer uma estrutura bem organizada e que separa os eventos chave de forma eficiente e informativa, fazendo um bom trabalho ao incluir as intrigas internas da NASA e a recepção duvidosa da população americana – caminhando em uma ótima sincronia com a montagem precisa de Tom Cross.

Nesse quesito, Singer merece acertos, mas infelizmente seu texto é incapaz de provocar algum envolvimento com os núcleos de seus protagonistas. O fato de a trama avançar rapidamente é bom pela economia de informação e a progressão da história, mas acaba sacrificando qualquer tipo de construção de amizade ou camaradagem entre Neil e os diferentes astronautas que conhece pelo programa; tirando o peso de diversas mortes ao longo do caminho, justamente por não termos muita empatia por esses personagens.

O fato de o longa constantemente bater na tecla de “como a missão é perigosa” e como “Neil talvez não retorne”, chegando ao ponto em que os personagens de Kyle Chandler e Ciáran Hinds redigem uma carta informando o fracasso da missão e a morte dos astronautas apenas “se precisarem” revela-se nula, justamente porque sabemos que a missão funciona no final. É a sina de qualquer filme inspirado em fatos, mas que acaba extrapolada aqui.

A decisão de manter o drama de Armstrong com sua família um tanto “frio” – com exceção do bom payoff envolvendo a falecida filha do astronauta – também mostra-se equivocada quando estamos nos referindo a um longa de mais de 2 horas com um protagonista introspectivo, e onde as interações com a esposa e filho dependem de uma sutileza que a direção raramente é capaz de traduzir em imagens, nos levando à grande questão do longa.

Falso Documentário

Mas o problema principal de O Primeiro Homem está justamente na direção. Desde os primeiros segundos de projeção, Chazelle mostra-se comprometido a adotar uma estética semi documental à sua câmera e a fotografia granulada e desfocada de Linus Sandgren, que parecem estar simulando vídeos da época, sendo visualmente impressionante como “envelhecimento” da imagem e recriação histórica, mas que mostra-se nocivo no envolvimento do espectador e o desenrolar da história, já que é uma direção cheia de excessos: lentes desfocadas e grãos fortes acabam desviando atenção, assim como a câmera inquieta e sempre cropada do diretor – é um dos usos de câmera na mão mais exagerados que já vi.

É uma estética que, se incomoda em cenas onde temos personagens sentados e conversando, torna-se fisicamente insuportável nas sequências mais intensas do filme, que em sua maioria envolvem os personagens dentro de módulos e foguetes. Chazelle mantém a mesma mise en scene fechada e inquieta, jamais nos mostrando o exterior de uma nave (quando mostra, sempre é uma câmera acoplada, como as de Interestelar), mas sim o turbulento interior de cada veículo, o que acaba resultando em cenas simplesmente incompreensíveis: é o oposto de tensão, é uma mera cacofonia visual que torna-se difícil de ver em uma tela grande, especialmente considerando as imagens captadas em IMAX no ato final do longa. Não foi necessário 3D algum para fazer o espectador sair com a cabeça girando da sessão.

Não que a direção não tenha seus momentos, mas que encontram-se em passagens pontuais, e com mais sutileza. A cena em que um incêndio começa dentro de um dos módulos, e a forma como a situação rapidamente alcança um desfecho trágico é assustadora, e eficiente justamente por Chazelle optar por uma decupagem mais tradicional, evitando o caos incompreensível das outras sequências envolvendo foguetes.

Tudo o que envolve a Lua, que demanda uma câmera mais estática graças ao IMAX, também é eficiente e muito bonito de se admirar. O plano final do filme também merece créditos por sua inteligência, traduzindo todo a questão do isolamento de Armstrong em relação à sua família.

A grande força em quesitos técnicos de O Primeiro Homem reside em tudo que é relacionado ao som. O design sonoro durante as cenas de decolagem e testes espaciais é realmente especial, fornecendo todo o pânico e desespero que as imagens confusas se mostram incapazes, onde podemos ouvir parafusos girando para fora da fuselagem, jatos de ar fortíssimos sendo disparados a múltiplas velocidades e a boa e velha transição de um ambiente sonoro para o vácuo silencioso do espaço, em um tipo de trabalho que deve favorecer tanto a edição quanto a mixagem de som em futuras premiações.

E, claro, temos Justin Hurwitz na trilha sonora. Colaborador indispensável de Chazelle, o compositor é responsável por nos fazer sentir o maior número de emoções graças à sua música lindíssima, que ignora convenções do gênero e oferece algo que traduz tanto o perigo quanto a beleza da exploração espacial, com destaque para os violinos e sopros franceses que preenchem a paisagem sonora do aguardado pouso lunar – uma sequência que seria completamente tediosa não fosse o trabalho verdadeiramente espetacular de Hurwitz, que deve voltar ao Oscar mais uma vez.

Meio passo para o Homem

No elenco, Ryan Gosling praticamente domina todo o tempo de tela como Armstrong. Se nunca foi considerado um ator muito expressivo – característica que usa a favor em performances como Drive e Blade Runner 2049 – Gosling puxa esse perfil mais silencioso para representar o lado introspectivo e ansioso do astronauta, que sempre recebe informações pesadas e demora para expressar alguma reação, sendo uma decisão valiosa em alguns momentos – como quando vemos seu rosto tremer enquanto observa a Lua de seu quintal – ou simplesmente… vazia, mais por não termos reações perceptíveis do ator em um close muito próximo de seu rosto. Quem acaba chamando mais atenção é Claire Foy, que vive Janet Armstrong com determinação e um sentimento de jamais deixar as coisas por incompleto.

O Primeiro Homem é um experimento que não funciona como deveria. É compreensível como Damien Chazelle buscou uma abordagem mais intimista e mecânica para retratar um evento tão grandioso, mas acabou sacrificando justamente todas as possibilidades grandiosas que essa fascinante história poderia render em uma tela grande. 

Talvez se ao invés de Neil Armstrong tivéssemos Louis Armstrong…

O Primeiro Homem (First Man, EUA – 2018)

Direção: Damien Chazelle
Roteiro: Josh Singer, baseado na obra de James R. Hansen
Elenco: Ryan Gosling, Claire Foy, Corey Stoll, Kyle Chandler, Jason Clarke, Patrick Fugit, Ciáran Hinds, Shea Whigham
Gênero: Drama, Ficção Científica 
Duração: 145 min

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Publicado por Lucas Nascimento

Estudante de audiovisual e apaixonado por cinema, usa este como grande professor e sonha em tornar seus sonhos realidade ou pelo menos se divertir na longa estrada da vida. De blockbusters a filmes de arte, aprecia o estilo e o trabalho de cineastas, atores e roteiristas, dos quais Stanley Kubrick e Alfred Hitchcock servem como maiores inspirações. Testemunhem, e nos encontramos em Valhalla.

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