Se houve uma experiência que se destacou das demais em uma ida ao cinema, esta com certeza foi quando vi a Interestelar pela primeira vez na vida. Como havia visto na cabine, tinha saído tão maravilhado que pensei que seria uma unanimidade na crítica e público: esse filme era outra obra-prima maravilhosa de Christopher Nolan.
Mas quão enganado eu estava. Interestelar se tornou o filme mais polêmico da carreira da Christopher Nolan. As reações foram as mais extremadas possíveis com os dois lados contando com argumentos realmente sólidos e bem posicionados.
Obviamente, faço parte dos que defendem fervorosamente a jornada especial de Nolan, mas assim como Professor Brand comenta em determinado momento do filme, as coisas mudam. Retornamos mais velhos e mais sábios. Meu encanto por Interestelar diminui um pouco e passo a analisar a obra com mais cuidado.
Na história escrita por Jonathan e Christopher Nolan, acompanhamos um futuro apocalíptico não muito distante. Em um mundo infértil, castigo por intensas tempestades de poeira, a sobrevivência da nossa espécie torna-se primordial. Nesse cenário, acompanhamos a jornada da família Cooper, em meio a perturbações de gravidade e mistérios das intenções do governo deste mundo infeliz, o protagonista, ex-piloto de naves experimentais da NASA, entra em rota de uma missão secreta: Lazarus. A última tentativa de salvar a humanidade.
Porém, o custo da missão é tremendo. Em busca de uma nova morada em outra galáxia, Cooper terá que lidar com os custos de uma viagem interestelar. Ou seja, em tempo de ter encontrado uma nova morada para a raça humana, toda sua família poderá ter morrido. Confrontado por uma escolha que pode definir o nosso destino, Cooper terá que decidir entre o altruísmo de salvar a todos ou viver com seus filhos enquanto o mundo perece.
Memórias empoeiradas
Interestelar é massivo. A narrativa que os Nolan quiseram comportar em um longa é monstruosa de tão épica. Felizmente, a divisão de atos é extremamente nítida. Logo, para criar vínculos fortes e profunda empatia com os personagens, o roteiro investe em uma extensa introdução.
Investido sempre pelo realismo que move o cineasta, a narrativa busca se comportar em cenários plausíveis e até mesmo que já ocorreram no nosso planeta. Em 1930, pela completa falta de planejamento agrícola, um fenômeno perigosíssimo quase varreu a vida do oeste americano. O chamado Dust Bowl, uma reação física provocada pela degradação do meio ambiente causado pelo homem – logo, um evento de ordem artificial.
Em pequenos relatos em formato de documentário, há o estabelecimento deste mundo castigado e suas regras. Os roteiristas expõem de modo bastante direto, apostando tanto em abordagem de ação quanto em problemáticas trazidas em diálogos. Colocando a situação apocalíptica em evidência, em extrema deterioração, entra em contraste os poucos focos de humanos que sobreviveram.
Há a preocupação de contar como o mundo sobrevive e funciona. Mas o que realmente interessa aqui é estabelecer as relações familiares de Cooper. Sabemos apenas o necessário sobre o protagonista vivido com extrema competência por Matthew McConaughey: ele possui uma questão mal resolvida com o fracasso na pilotagem de uma nave experimental da NASA, além de criar sua família através dos esforços empregados em sua fazenda de plantação de milho.
Para gerar relevância e complexidade no protagonista, temos a relação realmente única entre pai e filho que Interestelar centra sua verdadeira alma. A pequena Mackenzie Foy dá um espetáculo de carisma e envolvimento emocional para Murph, filha de Cooper. Entre as passagens intimistas sobre um “fantasma” que assombra seu quarto até a desobediência inocente da garota, as cenas destinadas aos dois possuem tremenda relevância. É por conta desse apego e forte conexão entre os dois que sentimos o sacrifício que é a jornada de Cooper.
O terceiro quarto desse ato certamente é o mais fraco. Nolan começa a apressar as coisas para jogar logo o protagonista no Espaço. A inserção brusca da NASA e de diversos novos personagens que acompanharão Cooper na busca de um novo lar é bastante preguiçosa e sem chegar perto do impacto desejado. O mais importante daqui são os comentários sobre o líder das expedições Lazarus, Dr. Mann. Pintado como santo e também simbolizado como um dos apóstolos de Cristo (líder de doze cientistas, contando com ele próprio), a informação sobre coragem, bravura e liderança entram em total contraste quando essa figura surge ativamente na narrativa.
Aqui, Dr. Brand trazido às telas por Michael Caine em boa atuação, vira um alicerce do filme. A origem de uma reviravolta importante que acontecerá no futuro. Dr. Brand se torna uma problemática constante para Murph também. Primeiro, por causar a ruptura completa do seu núcleo familiar, transformando o elemento da exploração espacial, tópico de paixão para a menina, em seu principal algoz por tirar justamente aquilo que ela mais ama em sua vida: a companhia do pai.
O forte amor entre os dois é mensurável desde cedo. Por isso, a despedida de Cooper torna-se uma das cenas mais impactantes de todo o filme. Nolan não deixa as coisas amistosas e com muita razão. Sabendo que é um dos momentos mais poderosos da obra, a encenação é dura e estacionária. McConaughey se movimenta em passos arrastados, a dor dessa “perda” é quase insustentável pelo fato de ser um enorme sacrifício.
O Vazio
Então partimos abruptamente para o Espaço, em direção ao Buraco de Minhoca que conecta a Via Láctea com a nova galáxia de um sistema com três planetas em potencial. A filha de Dr. Brand e os cientistas Romilly e Doyle, acompanham Cooper na missão, além da presença dos carismáticos robôs TARS e CASE – ambos com funcionalidade para ajudar diretamente na trama salvando os protagonistas em cenários de risco, funcionando também como alívios cômicos.
Os novos personagens recebem novas camadas, ao menos Romilly e Brand. Um tem fobia do espaço e outra está apaixonada por um dos primeiros expedicionários em busca de um planeta ideal dentro do sistema. O foco, enfim, desvia dos personagens. Os Nolan então buscam usar ciência real para guiar todo o segundo ato da obra, explicando conceitos físicos diversos e complicados como a teoria da Relatividade que busca trazer impacto dramático extremo para Interestelar.
O problema da ciência avançada e da física quântica é justamente tornar conceitos que são facilmente confundidos em elementos de fácil compreensão ao público. Certamente há muito egoísmo e arrogância na crítica como um campo de avaliação de filmes, já que quase sempre estão em discordância do público. É justamente por conta disso que sempre considero muito arriscado criticar a exposição narrativa que os roteiristas inserem no filme. Quando eles decidem, literalmente, explicar o que acontece em tela, aí sim é uma exposição extremamente burra. Mas quando se trata do didatismo dos conceitos da relatividade temporal e dos efeitos da gravidade, não condeno nem um pouco. Explico.
O que muitos falham em compreender é justamente a essência do exercício de ver um filme nos cinemas. Temos uma experiência individual, mas é uma prática coletiva, afinal só um louco compraria todos os ingressos de uma sessão para ver o filme absolutamente só – pelo acaso, já vi filmes sozinho na sala de cinema e realmente é uma experiência única. Mas partindo desse fato, a narrativa atinge diversas pessoas, com diferentes conhecimentos e escolaridade. Um filme desse porte simplesmente não pode tomar as decisões que A Chegada pode tomar por conta de ser muito mais caro. Logo, há a exigência da explicação didática desses conceitos.
Mas há formas de se fazer exposição no cinema sem incomodar tanto e virar um clichê para qualquer um que se meta a criticar uma obra. Infelizmente, é justamente aqui que o estilo autoral de Nolan atenta contra ele: o realismo. Se até mesmo no onirismo de A Origem as coisas tinham lógica e visual realista, não existem escapatórias críveis na diegese que Nolan propõe em Interestelar. O recurso necessário então é passado por um modo frio e sem graça, pausando o filme para que todos entendam o que ocorre na ciência do filme.
Superado isso, é evidente que o segundo ato tem momentos excepcionais que despertam muito o interesse do espectador. A exploração espacial e o custo de recursos para visitar alguns planetas é interessantíssima e realmente funciona. Mesmo que tenha pouca lógica na visita ao planeta da cientista Miller, no qual Nolan realmente exige muita suspensão da descrença, temos uma das set pieces mais sensacionais da obra. O tsunami do tamanho de montanhas marcou seu lugar nas grandes cenas do gênero de ficção científica, mesmo que traia completamente a proposta realista da ciência do filme – um planeta com uma gravidade tão poderosa mal permitiria a locomoção dos cientistas que dirá a entrada e saída das naves Lander de sua atmosfera.
Voltando para a narrativa, novamente a Natureza volta a agir antagonicamente. As leis da física e da força dos elementos destroem e derrotam os humanos. Justamente pelo planeta de Miller ser tão convidativo, repleto de água e atmosfera respirável, ocorre a ironia do antagonismo. Depois da aventura imprudente, é hora de sofrer as consequências.
Tempo
O uso mais inteligente de conflito dentro de uma cena em Interestelar certamente ocorre durante o retorno de Cooper e Brand à Endurance encontrando um já Romilly na beira dos 55 anos. O tempo desperdiçado no planeta gera dor em todos os que orbitam essas figuras. Criando mais barreiras, a nave não consegue enviar dados para fora do Buraco de Minhoca, apenas recebendo transmissões da Terra.
Com estética intimista e novamente restrita, temos uma segunda despedida na vida de Cooper na hora de ver as mensagens em vídeos dos últimos 23 anos que esteve no planeta Miller. Finalmente, o filho do protagonista, Tom, começa a ganhar mais complexidade e relevância, já que o roteiro praticamente deixa o menino em escanteio para construir laços maiores com Murph. A cena é cruel, fria e quieta. McConaughey arrasa na atuação. É simplesmente impossível não se emocionar, nem mesmo que somente um pouco, com a tristeza de ambos personagens por não conseguirem cumprir promessas antigas.
Nesse momento a narrativa passa a interpolar no núcleo do espaço para o de Murph ainda na Terra, agora física, tentando resolver a equação que dará a resposta para a manipulação da gravidade permitindo que os humanos viajem para as estrelas sem preocupações.
A narrativa perde bastante fôlego simplesmente pelo fato do núcleo de Murph ser muito menos interessante que o de Cooper, mesmo que seja obviamente muito necessária para desenvolver conflitos complexos envolvendo culpa, abandono e traição. Sentimentos negativos que desmotiva toda uma jornada. Felizmente, Jessica Chastain sustenta com competência todo o rápido arco de Murph nesse trecho final de filme – Tom se torna um antagonista ensandecido em uma escolha infeliz do roteiro.
O mais bacana do desenvolvimento da personagem é a necessidade dela ser obrigada a confrontar o próprio passado do qual tanto foge, encarando seu próprio “fantasma” e descobrindo que no presente mais ingrato e detestado que recebeu na vida, se encontra a resposta para o enigma. Mas para chegar até aí, ainda cabe a análise do outro planeta que a equipe visita.
Gelo
Mesmo derrotados, ainda é preciso visitar os próximos planetas favoráveis à colonização. Novamente inserindo um conflito que se comunica com informações prévias, Nolan direciona o grupo para o planeta do dr. Mann, o cientista líder da expedição Lazarus.
Em participação surpresa de Matt Damon, conhecemos dr. Mann e seus segredos em um planeta tão gelado quanto sua psicopatia compreensível. De longe, Mann é o terceiro personagem mais complexo e interessante do filme que possui tantos coadjuvantes rasos – tão rasos que na primeira oportunidade são descartados.
Porém, Mann é verdadeiramente o primeiro antagonista humano do filme. Aqui, a Natureza é indiferente a presença das pessoas nas nuvens congelados do planeta. O cientista sim que fica incomodado com a presença de Cooper, o único elemento que poderia arruinar seus planos de voltar a uma nave espacial para encontrar um novo planeta.
A motivação do cientista é bastante compreensível, assim como a escolha em recorrer a violência para matar Cooper sem nunca abrir a opção do diálogo antes. A segunda passagem não conta com set pieces incríveis como a das ondas, mas a tensão do conflito e do medo da perda do nosso protagonista são capazes de deixar o espectador apreensivo.
O contraste entre os dois planetas se faz valer realmente no final desse ato. Mann consegue escapar do planeta inóspito, mas não tem habilidades para conseguir acoplar na Endurance – ironia da resistência do cientista em lutar tanto pela sobrevivência. Ao trair os preceitos mais básicos da Ciência, o diálogo e a cautela, Mann explode boa parte da nave ao forçar sua entrada.
As forças da Natureza não agem sob uma moral, mas Mann age. E na raiz de seu egoísmo, quase destrói a última esperança de perpetuar a humanidade. Novamente, o direito de retorno é arrancado de Cooper que precisa fazer novamente a escolha certa, mas de grande sacrifício. Enfim temos a cena mais fantástica de todo o filme, a ancoragem da Lander na Endurance.
Aqui, finalmente Nolan demonstra técnicas que viria a dominar em Dunkirk: há a preservação do quadro, do corte e do movimento enquanto a música excepcional de Hans Zimmer potencializa a encenação e a catarse. Cooper se comporta como um Atlas, em seu esforço último de carregar a humanidade, literalmente, nas costas da nave. É uma cena que considero nada menos que perfeita.
S.T.A.Y.
Há coragem em Interestelar em seu trecho final. A trama tão centrada no realismo científico finalmente abraça a fantasia durante o clímax. Jogando o protagonista em Gargantua, o gigantesco buraco negro centralizado na galáxia alienígena, temos o sacrifício pleno – a jornada de Cooper é repleta de fracassos que forçam novos sacrifícios.
A estrutura do roteiro de Interestelar tenta mimetizar um ponto vital da própria sobrevivência da condição humana: plantio e colheita. Os Nolan sempre buscam manter suas histórias bastante coesas, inserindo características em diferentes momentos da jornada que depois são retomadas em reviravoltas que imbuem significados excepcionais.
O ápice da colheita ocorre no clímax em Gargantua. Justo em um corpo cósmico que engole tudo transformando matéria em resquícios de existência, em fantasmas, há a moral altruísta de Interestelar. Desde O Grande Truque que Nolan não se permitia apostar em resoluções totalmente fantasiosas que fugissem da lógica realista do seu universo. Aqui, a fantasia predomina completamente rendendo uma das catarses mais arriscadas do cinema contemporâneo.
Nolan quebra as regras. Cooper sobrevive e cai em um cubo cósmico criado por seres pentadimensionais capazes de manipular tempo e gravidade. O roteiro entra sim em um paradoxo nesse momento, mas que a partir dos conceitos aplicados no filme, é possível solucionar o mistério, já que felizmente Nolan não explica as coisas apropriadamente deste trecho – se não, também iam ficar reclamando.
A catarse em Interestelar marca também a primeira vez que Nolan abordaria a religiosidade no conceito amor intransponível, mensurando o sentimento como algo capaz de afetar diretamente o destino dos outros – o que faz sentido, mas muita gente taxa de brega, afinal como uma ficção científica de exploração espacial se torna um manifesto voraz do amor?
A incerteza do medo ao desconhecido vira a chave para resolver o maior enigma da ciência.
Entretanto, mesmo com um clímax tão impactante em formalizar o abstrato e conseguir resolver um conflito gigantesco de modo crível, o final se comporta de modo relativamente estranho.
Enquanto o reencontro com Murph é uma peça valiosa, Nolan praticamente atropela a cena ao decidir superar toda a recompensa da odisseia com uma rapidez assustadora. A falta de preocupação de Cooper com seu outro filho também é surreal. Eram necessários mais minutos para que realmente tivesse mais relevância na narrativa a recompensa de todos os sacrifícios e provações que Cooper superou, apenas pontuar melhor esse respiro até encaminhar o filme para sua verdadeira conclusão em fechar um arco romântico pouco explorado.
A odisseia de Christopher Nolan
Querendo ou não, Interestelar foi um dos projetos mais ambiciosos de Nolan. Mesmo que seja um filme excelente, é impossível negar as falhas do filme, seja do roteiro ou na direção. Ambos são problemáticos, mas as qualidades superam bastante os ditos defeitos da obra.
O que incomoda na direção de Nolan é o ápice da pobreza de encenação que Interestelar é. O diretor opta por uma abordagem estética muito parada, com planos imóveis e sem grandes movimentações. Embora isso dialogue com a condição morimbunda na humanidade no primeiro ato, também acaba deixando seu filme muito morno para engajar o público caso não ocorra a empatia com os protagonistas.
Quando partimos para o espaço, as coisas também não melhoram. As cenas na Endurance ou nos Landers são todas restritas e claustrofóbicas com jogos de decupagem bastante simples. Os planos que mais se destacam são os externos no espaço, acoplados também nas naves – enquadramento que é repetido em exaustão por Nolan. O contraste o formato cinemascope para as internas nas naves e o IMAX nas externas também é feliz em transmitir a fragilidade daquela missão diante de uma força tão superior e misteriosa marcando um trabalho satisfatório de simbologias. Aliás, o próprio primeiro plano do filme inteiro é carregado de força simbológica, ligando elementos importantíssimos em um só enquadramento: a poeria, a estante e as naves espaciais.
Apenas nos planetas que os elementos visuais têm uma força tão impactante que conseguem sobrepujar o trabalho razoável de linguagem cinematográfica construído até então. Nolan preserva muito sua câmera no mesmo lugar e em um filme sobre uma enorme jornada intergaláctica é algo consideravelmente frustrante. Quer um exemplo disso? Apenas compare todo o trabalho de linguagem e encenação que Nolan emprega aqui com diversas cenas de 2001: Uma Odisseia no Espaço, filme de 1968. Stanley Kubrick praticamente devora o filme com grandes movimentos majestosos tirando o espectador do ritmo monótono da narrativa – importante citar que Nolan faz seus acenos ao trabalho de Kubrick, apesar de se inspirar mais em Os Eleitos na condução do filme.
Porém é evidente que isso não mina a obra, mas apenas a deixa menos poderosa que ela tinha potencial para ser. Onde Nolan brilha ainda é no trato da junção dos esforços de toda a equipe. A indicação realista para quase todos os cenários, incluindo os espaciais, cheios de efeitos práticos e filmagens com miniaturas deixa Interestelar muito confortável em preservar seu poder visual por anos a fio. Não é um filme que deteriorará tão rápido quanto outros muito enfatizados em efeitos visuais de computação gráfica que surgiram na retomada do gênero com Lunar.
Essa também marca a primeira vez que o diretor trabalha com outro fotógrafo além de seu amigo de longa data Wally Pfister que desistiu de sua carreira como cinematografo para se aventurar como diretor – o que rendeu a porcaria chamada Transcendence. Com o cargo vago, é hora de Hoyte Van Hoytema brilhar, o holandês gigantesco. Justamente por ser gigante e muito forte, Hoytema foi o primeiro fotógrafo a conseguir manipular as pesadíssimas câmeras IMAX em shoulders permitindo diferentes abordagens estéticas na linguagem da obra. Isso faz muita diferença para pegar planos detalhe gigantescos ou comportar a movimentação da shaky cam em alguns planos apropriados. Sua iluminação também segue qualidade indiscutível, principalmente para as cenas espaciais nas quais comporta o foco único de luz dura, mimetizando o sol, em diversas tomadas. O aparato de rotação da luz também merece nota por conferir realismo tremendo nas cenas internas das naves, afinal essas estão sempre rodando em centrífuga para gerar gravidade (na diegese).
O que se mantém em seu trabalho também é a excelência de atuações que Nolan consegue extrair de seu elenco. Muito da história só funciona por conta do talento e dedicação de Mackenzie Foy e Matthew McConaughey em conseguir criar uma relação extremamente verossímil de pai e filha como poucas vezes vimos em um filme. É por conta disso que a cena da despedida é tão poderosa.
O estilo mais intimista e contemplativo que Nolan emprega casa com perfeição para a cena, além de também usar outros elementos importantíssimos em seu desfecho que praticamente enunciam seu melhor momento na direção. Quando Cooper está no carro, a contagem regressiva começa. A montagem trabalha em paralelo e vemos Murph sair correndo de casa para dar o adeus nunca dado para o pai. Nisso, Nolan aproveita uma rima de encenação ao fazer Cooper vasculhar as cobertas no banco do passageiro para ver se Murph está escondida ali para partir em uma nova aventura como havia feito anteriormente.
Ao se deparar com o nada, temos o olhar destruído de McConaughey. A contagem regressiva termina e temos o corte seco direto para o lançamento da nave. A inserção da contagem logo no início desse desfecho é importante, pois enuncia que não há volta a partir daquele momento. Cooper será lançado ao espaço e Murph ficará sozinha. Nolan joga limpo e extermina qualquer esperança que o espectador tenha em ver o protagonista dar a meia volta para se despedir apropriadamente de sua filha.
Obviamente, tudo isso é embalado pela trilha musical obra-prima de Hans Zimmer, absolutamente gênio em guiar todas as composições na base da sonoridade do órgão de igreja. Por ser um dos instrumentos mais vivos e ligados ao sagrado, a todo momento temos esse aspecto de religiosidade que permeia a relação entre os dois. Os temas criam ligações invisíveis entre os personagens que acabam, involuntariamente, funcionando no nosso psicológico arrancando boas lágrimas em momentos decisivos da obra.
Zimmer mantém a trilha com o uso convencional de instrumentos e de melodias tonais profundamente belas e comportadas ao longo dos trechos terrestres ou mais humanos do filme. A música se transforma em tons experimentais ou melodias sensoriais de medo e estranhamento justamente quando os heróis chegam no Buraco de Minhoca. A partir dali, a trilha do compositor vai se renovando em tons mais alienígenas, mas não menos brilhantes.
Em momentos de grande ação humana como na cena da ancoragem ou do sacrifício de Cooper, Zimmer volta a adotar comportamentos mais convencionais e extremamente potentes para a música. Nolan sabe aproveitar bem o talento do gênio e também faz uso de modo brilhante das peças musicais. É evidente que Cooper e Murph tem um tema que sempre nos faz lembrar da morada e da situação de calamidade do planeta.
Na segunda cena-chave de Interestelar, Nolan coloca a melodia de modo bem sucinto enquanto Cooper assiste aos vídeos com as mensagens de Tom. Porém, basta Murph aparecer, que a melodia para subitamente. O choque da aparição tira qualquer conforto que Cooper tinha ao ver a vida de seu filho, mesmo que isso também lhe destruísse por dentro.
O que também faz desse filme um marco é seu design de produção. O realismo não afeta somente a construção de cenários idílicos da fazenda de Cooper trazendo um falso sentimento de que a Terra pode se recuperar ou das abordagens visuais para o interior das naves e dos monólitos que formam os corpos dos robôs, mas sim a própria concepção visual de elementos espaciais nunca vistos com clareza anteriormente.
Interestelar é guiado quase que inteiramente por teorias e conhecimentos científicos modernos, além de contar com a presença ativa do astrofísico Kip Thorne na produção do filme. Através de cálculos matemáticos exatos, a equipe de efeitos visuais de Nolan conseguiu criar a primeira representação apuradíssima de um Buraco de Minhoca e de um buraco negro. Foi uma das primeiras vezes que Hollywood contribuiu ativamente para iluminar conhecimento científico para diversas comunidades o que já torna, mais uma vez, Nolan em um realizador pioneiro.
Enquanto é pioneiro em certos sentidos, Nolan vai se tornando mestre em outros. A montagem é sempre a área que o diretor consegue manipular o impossível para conseguir criar momentos poderosíssimos, ganhando um reforço valioso do sempre eficiente Lee Smith. Muito do ritmo do filme é sustentado pela interpolação confortável entre os dois núcleos até a conversão das linhas narrativas no final. Entretanto, Nolan ainda mantém problemas de corte seco e elipses que já assombraram obras passadas. O diretor parece simplesmente não arriscar a colocar fades nos momentos certos e necessários em Interestelar o que certamente acaba prejudicando o espectador a ter um momento de absorção que seria necessário.
Um lugar entre as estrelas
Esse definitivamente é o filme mais polêmico do diretor audacioso. Nolan é muito feliz em conseguir trazer debates pertinentes sobre o futuro de nossa espécie, das relações interpessoais, sobre o custo do sacrifício e a superação do ódio gerado pelo medo do abandono. Interestelar é muito mais do que apenas uma mera ótima ficção científica.
É um manifesto sobre o amor mais puro da relação de pai e filha com direito aos altos e baixos mais extremos que posso imaginar. Mesmo deficitário em alguns pontos, Nolan traz um pacote completo em um épico espacial que eleva o gênero mais uma vez na História do Cinema.
Mas mais importante que isso, é um filme que consegue despertar emoções profundas no espectador. Somente por conseguir reações tão poderosas através de toques sutis da direção, do excelente elenco e da magistral trilha sonora, já merece estar na lista de filmes favoritos de muita gente. São tantas mensagens bonitas e otimistas sobre relações transcendentais, do pioneirismo humano, do senso de exploração, sobre quebrar conceitos que fica difícil de elencar todas nesse texto que já está tão grande quanto o filme. Apenas digo que Interestelar é uma experiência incrível que te faz sentir muitas coisas ao mesmo tempo como raramente o Cinema consegue fazer.
E, para mim, a história sobre a resiliência humana que se nega a adentrar na noite com ternura, se rebelando contra a morte da luz que fulgura, é uma das mais belas que já vi na vida. Que se mantenha assim por muito tempo.
Interestelar (Interstellar, EUA/Reino Unido – 2014)
Direção: Christopher Nolan
Roteiro: Jonathan Nolan e Christopher Nolan
Elenco: Matthew McConaughey, Anne Hathaway, Jessica Chastain, Michael Caine, Casey Affleck, Wes Bentley, Bill Irwin, David Oyelowo, Matt Damon, David Gyasi, Topher Grace, John Lithgow, Mackenzie Foy
Gênero: Ficção Científica
Duração: 169 min