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Crítica | Oppenheimer é o filme mais experimental de Christopher Nolan

Uma das figuras chave do lado americano na Segunda Guerra Mundial, o físico J. Robert Oppenheimer é conhecido como o pai da bomba atômica. Trabalhando como diretor do Projeto Manhattan na década de 1940, Oppenheimer liderou um time de cientistas para desvendar os segredos do átomos e desenvolver a bomba atômica antes dos nazistas. Há quem diga que Oppenheimer é uma das figuras mais importantes da História, moldando o mundo contemporâneo e a assombrosa capacidade de autodestruição nuclear.

É certamente nisso que Christopher Nolan acredita. Tendo trabalhado com grandes produções de ficção científica, ação inovadora e heróis de quadrinhos, Nolan enxerga em Oppenheimer seu objeto de estudo definitivo, em uma de suas raras produções que leva como base um material publicado – no caso, a biografia Prometeu Americano, de Kai Bird e Martin J. Sherwin. É também seu segundo filme inspirado em eventos reais, após o também ambientado na Segunda Guerra Mundial Dunkirk.

A trama segue a vida de J. Robert Oppenheimer (Cillian Murphy) desde seus dias como professor universitário até o convite do governo americano para liderar o projeto Manhattan. O objetivo é desenvolver a bomba atômica para encerrar a Segunda Guerra Mundial. 

Muito mais próximo de sua linguagem mais complexa e focada em personagens, que moveram obras como Following, Memento e O Grande Truque, Christopher Nolan está em contato próximo com seu passado em Oppenheimer. É uma execução fascinante que parece combinar as ferramentas mais complexas e intrincadas do diretor, que assina o roteiro e trabalha com a montadora Jennifer Lame para construir um intrincado mosaico que salta constantemente no tempo; e que em seus momentos mais frenéticos se esforça para colocar o espectador na mente de seu protagonista, que enxerga a e recebe o tempo e espaço de uma forma muito requintada.

A atenção dispersada se reflete em uma narrativa dividida em duas linhas do tempo principais: a jornada de Oppenheimer para se juntar ao Projeto Manhattan e desenvolver a bomba e um julgamento anos depois que investiga suas conexões com o partido comunista. É uma estrutura complexa e que, em seus primeiros minutos, demora para acostumar o espectador, mas cujo resultado parece aproximar Oppenheimer de grandes thrillers políticos do passado, em especial o excelente JFK: A Pergunta que Não Quer Calar e também de produções mais modernas, como A Rede Social, de David Fincher. Uma experiência que não é fácil o tempo inteiro – especialmente durante a narrativa do julgamento -, mas que sempre mantém a narrativa acelerada e interessante.

Naturalmente, tudo envolvendo o arco do Projeto Manhattan representa o ápice de Oppenheimer. São inúmeras discussões e diálogos sobre a natureza do átomo, os limites da ciência e, surpreendentemente para uma obra de Nolan, uma elegante discussão política sobre os impactos que uma arma de destruição em massa resultaria não apenas para a comunidade científica; mas todo o mundo. Esse arco se desenrola e culmina em uma das grandes sequências que Nolan já realizou em sua carreira, transbordando tensão pela tela ao registrar o teste Trinity, que detonou a primeira bomba atômica no deserto de Los Alamos. É uma sequência formidável e que fica praticamente angustiante graças à excelente trilha sonora de Ludwig Göransson, que brilhantemente transforma sons abstratos de medidores de radiação em uma sinfonia apavorante.

Nunca antes Nolan foi tão experimental ou curioso como em Oppenheimer. Além de trazer seu apreço por narrativas não-lineares e sequências em paralelo, o filme também aposta em imagens surrealistas e brutais que raramente se manifestaram em sua carreira; com um grande enfoque em drama, emoções e até mesmo sexualidade. Chega a ser realmente curioso ver Nolan e o diretor de fotografia Hoyte Van Hoytema usando as pesadíssimas câmeras IMAX, sempre usadas para grandes paisagens e quadros, agora servindo para registrar grandes discussões e – em especial – closes impactantes do rosto de seu protagonista. É o casamento do cinema blockbuster de grande escala com um íntimo e complexo estudo de personagem.

O que nos leva ao gigantesco elenco de Oppenheimer, que garantiu uma infinitude de astros de Hollywood, espalhados a cada frame de filme. Naturalmente, Cillian Murphy domina grande parte do filme, enfim ganhando o merecido espaço para brilhar e apresentar um J. Robert Oppenheimer complexo, enigmático e outrora contraditório. Em especial, o trabalho de Murphy para retratar a culpa e o ressentimento de Oppenheimer após a detonação da bomba garante o grande investimento dramático do filme, cujos olhos profundos e esbugalhados parecem ainda mais enigmáticos na película enorme do IMAX.

Ao longo do grande elenco coadjuvante, é de se destacar o excelente trabalho de Robert Downey Jr. como Lewis Strauss, que garante o ponto de vista principal durante a segunda linha do tempo. Há temos não víamos o ator, eternizado pelo papel do Homem de Ferro, de fato experimentando e trabalhando com um material versátil. Em uma medida similar, Emily Blunt quebra qualquer expectativa ao viver Kitty Oppenheimer, a nada fácil e até grosseira esposa do protagonista; que garante um dos melhores e mais importantes monólogos da produção. Dentre todos os excelentes intérpretes, Matt Damon oferece um contraponto bem humorado como o general Leslie Groves, o ator e diretor Benny Safdie brilha como o complexo Edward Teller e Florence Pugh, mesmo que em curta duração, garante uma peça crucial ao quebra-cabeças ao viver Jean Tatlock, amante de Oppenheimer.

Ao longo de suas 3 horas de duração, Oppenheimer definitivamente não é um filme fácil. É longo, denso e sua narrativa intrincada deve apresentar alguns desafios, mas o resultado final garante uma experiência satisfatória e impressionante. Aliando o cinema de grande escala com um estudo íntimo e profundo, Christopher Nolan oferece seu filme mais experimental até o momento, oferecendo um forte sopro de vida para o cinema histórico em Hollywood.

Oppenheimer (EUA, 2023)

Direção: Christopher Nolan
Roteiro: Christopher Nolan, baseado no livro de Kai Bird e Martin J. Sherwin
Elenco: Cillian Murphy, Robert Downey Jr., Emily Blunt, Matt Damon, Florence Pugh, Kenneth Branagh, Rami Malek, Josh Hartnett, Jack Quaid, Alden Ehrenreich, Dane DeHaan, Josh Peck, Tom Conti, David Dastmalchian, Dylan Arnold, Gary Oldman, Jason Clarke, Casey Affleck e Benny Safdie
Gênero: Drama
Duração: 181 min

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Publicado por Lucas Nascimento

Estudante de audiovisual e apaixonado por cinema, usa este como grande professor e sonha em tornar seus sonhos realidade ou pelo menos se divertir na longa estrada da vida. De blockbusters a filmes de arte, aprecia o estilo e o trabalho de cineastas, atores e roteiristas, dos quais Stanley Kubrick e Alfred Hitchcock servem como maiores inspirações. Testemunhem, e nos encontramos em Valhalla.

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