Crítica | Jessica Jones - 1ª Temporada
Foi realmente surpreendente que um personagem do calibre B como o Homem de Ferro fosse responsável por um dos maiores sucessos de super-herói de todos os tempos. Isso mostra a força de uma narrativa bem feita e de um elenco perfeitamente escalado, regra que fora seguida com as subsequentes adaptações cinematográficas da Marvel Studios. Agora, todo mundo pelo menos já tinha ouvido falar ou visto alguma coisa sobre Capitão América, Thor e até mesmo o Homem-Formiga, mas acredito que quase ninguém que não fosse um aficionado hardcore sabia quem diabos era Jessica Jones.
A personagem é a protagonista da HQ Alias, de Brian Michael Bendis, e foi a escolhida para a segunda série da parceria entre Marvel e Netflix. Trata-se de uma super-heroína aposentada que agora segue uma vida de investigadora particular, isto quando não sucumbe a seus vícios em sexo, álcool e surtos violentos. Jessica é uma personagem difícil e que parecia perfeita para esse universo mais sujo e adulto a que fomos apresentados na Hell's Kitchen de Demolidor.
Sob a alcunha da showrunner Melissa Rosenberg, Jessica Jones ganha uma primeira temporada com os costumeiros 13 episódios, mas aposta em uma narrativa um pouco mais linear do que a do amigão da viz... Quer dizer, o Demônio de Hell's Kitchen. A trama já inicia-se com Jones (vivida por Krysten Ritter) atuando como investigadora enquanto temos indício de seu passado fantástico e de suas habilidades descomunais, que ela clama terem sido provocadas em um acidente. No meio de noitadas, biritas e escapadas sexuais, o caso de uma garota desaparecida chama sua atenção, especialmente quando ela suspeita que um antigo inimigo, o mais perigoso que já encontrou, esteja de volta para atormentar sua vida.
É uma excelente premissa que infelizmente fica aquém de seu gigantesco potencial. Desde a belíssima abertura que abraça o espírito do noir até a personagem-título. Jones em si é uma personagem fascinante por fugir de todas as convenções do gênero e trazer um perfil que dificilmente associaríamos a uma figura super-heroica, o que por si só é um ponto positivo por trazer diversidade a este famigerado gênero. A performance de Krysten Ritter é eficiente em trazer uma mulher perturbada e que simplesmente parece "cansada de toda essa merda" (a personagem mal troca de figurino na série toda, por exemplo), como seu discurso quase entediado e o olhar caído sugerem.
Isso se alterna quando Jessica conhece Luke Cage (Mike Colter), outro super-herói B que ganhará sua própria série ainda este ano. Também dotado de habilidades sobrenaturais, Cage é incapaz de se machucar graças à sua pele indestrutível, e temos aí o início de uma relação estranha, porém divertida de se acompanhar. Dois "super-heróis" em uma amizade colorida que vai desdenhando diferentes facetas de Jessica, em um bom trabalho de Ritter, que consegue muito expressar a dificuldade de Jones em se abrir com outro homem. Funciona bem até a reviravolta esdrúxula que coloca Jones diretamente relacionada a um trauma do passado de Cage, exigindo muita suspensão de descrença em tamanha coincidência.
Mas é mesmo com o vilão que a série realmente decola. Kilgrave, ou o Homem Púrpura é uma figura assombrosa que é capaz de provocar genuíno pavor graças a sua habilidade de impor seus desejos e ordens sobre qualquer um a seu redor - um poder batido e tradicional, mas cujo uso é muito criativo aqui. A performance de David Tennant é um dos motivos para que Kilgrave funcione tão bem, tendo o ator completamente mergulhado em uma figura manipuladora e sádica, que nitidamente tem prazer em torturar e bagunçar a vida de pessoas comuns. A obsessão com Jessica chega a ser tenebrosa, principalmente pelos flashbacks que nos revelam sua influência no passado da heroína e os atos que fora forçada a realizar sob o efeito de sua habilidade. É uma clara alusão ao estupro e aos abusos da mulher, e isso funciona de forma muito eficiente; graças também à sutileza do poder de Kilgrave - que inclui até mesmo o envio de fotos por celular!
O que fica a desejar é uma história melhor para jogadores tão engenhosos. A estrutura de 13 episódios certamente se revela como um problema aqui, já que a investigação de Jessica em torno do paradeiro de Kilgrave dá voltas e voltas, repete pontos de virada e fica presa em repetições temáticas irritantes. Por exemplo, temos cerca de três arcos diferentes, ficando preso em uma cíclica Escada de Penrose cujos degraus lêem: Kilgrave deve ser encontrado -> Kilgrave é capturado -> Kilgrave foge. É cansativo e pouco empolgante, com exceção das situações retratadas em AKA WWJD?, onde aprendemos mais sobre a relação passada de Jessica e Kilgrave em sua casa de infância, e AKA Sin Bin, onde Kilgrave encontra-se em uma elaborada jaula para um excitante interrogatório com Jones e as demais personagens. Só é triste que um vilão tão bom seja descartado de qualquer jeito na anticlimática conclusão.
A situação não melhora com as subtramas, que são tão esquecíveis que tive que rever praticamente a série toda em resumos da Wikipédia para escrever esta análise. A começar com a Trish Walker de Rachael Taylor, melhor amiga de Jessica que tem um arco dispensável com um policial que acaba tornando-se um stalker. São poucas as cenas entre as duas que realmente valem a pena, já que a personagem se limita ao velho clichê de "retomar os bons tempos de amizade" e não oferece muita profundidade. Pior ainda é o arco jogado de Carrie-Anne Moss como Jori Hoghart. Além de a personagem não ter um pingo de carisma nem qualquer característica que a torne algo além de "a chefe rabungenta", a menos que você conte o tedioso arco que envolve seu divórcio e não leva a lugar nenhum. Puro filler.
Sem dúvida alguns episódios a menos fariam bem a Jessica Jones. O fato de termos uma jornada repetitiva em torno do vilão principal só comprova isso, e nenhuma das subtramas tem a força para preencher as lacunas da história principal. Uma pena, já que os personagens centrais são excelentes e mereciam um tratamento melhor.
Jessica Jones - 1ª Temporada (EUA - 2015)
Criado por: Melissa Rosenberg
Direção: Simon Cellan Jones, S.J. Clarkson, David Petrarca, Stephen Surjik, Uta Briesewitz, John Dahl, Billy Gierhart, Rosemary Rodriguez, Michael Rymer
Roteiro: Michael Gaydos, Jenna Reback, Scott Reynolds, Dana Baratta, Micah Schraft, Liz Friedman, Hilly Hicks Jr, Jamie King, Jack Kenny, Edward Ricourt
Elenco: Krysten Ritter, Rachael Taylor, David Tennant, Carrie-Anne Moss, Mike Colter, Will Traval, Susie Abromeit, Erin Moriarty
Emissora: Netflix
Episódios: 13
Gênero: Ação, Drama
Duração: 50 min
https://www.youtube.com/watch?v=3qDf-8-rUo8
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Crítica | Dois Caras Legais
Shane Black é um nome que parece sempre prestes a explodir. Em seu roteiro de estreia, nos presenteou com uma das melhores franquias policiais de todos os tempos ao nos apresentar a Martin Riggs e Roger Murtaugh com o primeiro Máquina Mortífera. Anos depois, foi um dos responsáveis por trazer Robert Downey Jr do limbo com a divertida comédia Beijos e Tiros, e, curiosamente, retomou a parceria com o ator para entregar a aventura mais fraca do Homem de Ferro em 2013.
Mas o problema de Homem de Ferro 3 era simplesmente ser uma obra que não pertencia a Black, e sim à Marvel Studios, que não tem um histórico de colaborações criativas muito inspirador. Agora, Black retorna à sua zona de conforto do buddy cop com Dois Caras Legais, levando toda sua invejável verbarrogia e estilo para os anos 70.
A trama se inicia aos moldes de um bom noir, até lembrando a abertura do primeiro Máquina Mortífera. Uma famosa estrela pornô é encontrada assassinada em seu carro, com uma frase misteriosa ecoando por seus lábios antes de seu suspiro derradeiro. Então partimos para o detetive particular Holland March (Ryan Gosling), que explora clientes com casos fáceis que possam ser manipulados por si próprio. Do outro lado, temos o investigador Jackson Healy (Russell Crowe), que também atua de forma privada para resolver pequenos delitos de vizinhança. A improvável dupla se une quando o desaparecimento de uma jovem envolve o trabalho dos dois, levando a uma investigação que envolve o misterioso homicídio e uma rede que envolve toda a indústria de entretenimento adulto.
É uma história intrincada e que parece uma cria bizarra entre Chinatown e Boogie Nights, mas que se move com engenhosa habilidade. Black move as peças com eficiência e inteligência, tal como um bom thriller do gênero, mas sem nunca complicar demais para o espectador. Todas as reviravoltas que se desenrolam são instigantes e envolventes, ainda mais quando a personagem de Kim Basinger entra na jogada. Aliás, é pela simplicidade da resolução que todo o mistério agrada tanto, e também pelo gigantesco sarcasmo provocado ali.
Afinal, o grande atrativo da fita reside no carisma de seus dois protagonistas; convenhamos, nunca lembramos da história de Máquina Mortífera, mas sim de seus personagens. E Black acertou novamente com sua nova criação. Ryan Gosling faz de seu Holland March um policial completamente atrapalhado e fanfarrão, do tipo que grita como uma garotinha ao ver um corpo e consegue e audácia de se cortar e ir parar no hospital ao quebrar a janela do local onde invade - o fato de March ficar o resto da projeção inteira engessado é sensacional. Mas Black não transforma March em um mero estereótipo, oferecendo bons momentos em que o sujeito é capaz de um raciocínio lógico revelador e o sutil arco dramático que é bem representado por uma tatuagem em seu punho.
Já Russell Crowe oferece uma bússola mais estável à Jackson Healy, definitivamente atuando como o cérebro da operação, e também como a força bruta que é capaz de chutar alguns traseiros quando a situação lhe exige. Crowe se sai muito bem nessa performance mais sóbria, oferecendo um perfeito contraponto ao caráter mais estabanado de Gosling.
E muito se deve a Black, que parece ser um mestre em criar tiques para seus personagens. Por exemplo, notamos como os calçados de Healy se destacam dentre seu figurino mais imponente, quase como se o conforto fosse a preocupação número 1 de Healy, ao mesmo tempo em que é divertido apresentá-lo em seu apartamento com um calendário que traz uma "palavra nova" diariamente e sua curiosidade instantânea em apanhar o dicionário e conferir o significado - em uma cena que, de recompensa, nos oferece um rápido insight sobre seu passado.
Mas ainda que os dois protagonistas sejam incríveis, quem rouba absolutamente todas as cenas é a jovem Angourie Rice, que interpreta a filha de 13 anos de March. É mais um daqueles casos em que temos uma criança madura e que se sai incrivelmente melhor do que os adultos, mas Rice o faz com tanto carisma e ironia que é impossível não se divertir; a mera imagem de Rice mal enxergando o painel do carro enquanto dirige um Gosling acabado no banco de passageiros já é de um simbolismo incrível quanto à inversão de papéis dos dois. A maneira como a personagem afeta o arco de Healy é outra surpresa agradável, em mais um exemplo da habilidade de Black em amarrar toda as pontas de roteiro.
Como diretor, Black surge muito mais à vontade do que em Homem de Ferro 3. Sua mise en scene é elegante, os movimentos de câmera são eficientes e a paleta de cores que adota com o diretor de fotografia Philippe Rousselot abraça o aspecto vibrante dos anos 70 e valoriza o riquíssimo design de produção do longa. Minha única ressalva para a condução de Black fica em algumas sequências de tiroteio, que acabam se perdendo em uma montagem um tanto confusa e um ritmo que acaba se esgotando graças à extensa duração destas.
Dois Caras Legais é uma grata surpresa em um ano perdido em blockbusters falhos, reboots, continuações e uma enxurrada de filmes de super-heróis. Tal como acontecia no primeiro Máquina Mortífera, é o carisma divertidíssimo de seus protagonistas que garante uma obra memorável e com potencial de tornar-se algo especial.
Dois Caras Legais (The Nice Guys, EUA - 2016)
Direção: Shane Black
Roteiro: Shane Black, Anthony Bagarozzi
Elenco: Ryan Gosling, Russell Crowe, Angourie Rice, Kim Basinger, Matt Bomer, Margaret Qualley
Gênero: Comédia, Aventura
Duração: 116 min
https://www.youtube.com/watch?v=GQR5zsLHbYw
Crítica | True Detective - 2ª Temporada
A HBO havia conseguido novamente. Sob a alcunha do relativamente desconhecido Nic Pizzolatto, a estreia de True Detective no começo de 2014 conquistou uma nova legião de fãs e fez a festa com os críticos, sendo rapidamente considerada uma das melhores séries de televisão dos últimos anos, principalmente pelas performances centrais de Matthew McConaughey e Woody Harrelson e a direção afiada de Cary Fukunaga.
Quando a emissora obviamente renovou a série para uma segunda temporada, muitos esperávamos um retorno de Marty e Rust, mas Pizzolatto surpreendeu ao anunciar que True Detective seria uma antologia, com casos e personagens sendo alterados a cada nova temporada. A ideia foi bem recebida, mas muitos começaram a torcer o nariz com as contratações de Justin Lin para comandar os primeiros episódios e Colin Farrell e Vince Vaughn para protagonizar a série, nomes que - convenhamos - não são do calibre de McConaughey e Harrelson, ao passo em que muitos esperavam mais do que o diretor de Velozes & Furiosos para assumir a brincadeira. Porém o otimismo foi se reerguendo quando Rachel McAdams, Taylor Kitsch e Kelly Reilly se juntaram ao projeto.
Sai o interior decadente da Louisiana da primeira temporada, entra o labirinto urbano e complexo de Vinci, uma cidade fictícia localizada na Califórnia. Somos apresentados a Ray Velcoro (Farrell), um desequilibrado detetive da polícia local que trava uma batalha judicial com sua ex-esposa para manter a custódia de seu filho, que pode ou não ser de outro pai. Do outro lado da lei, o gângster Frank Seymon (Vaughn) planeja uma mudança de carreira ao iniciar uma parceria de negócios com o administrador municipal de Vinci, Ben Caspere, que envolve um investimento milionário na construção de uma nova ferrovia
E tem mais. No Condado de Ventura, a oficial Ani Bezzerides (McAdams) trabalha fervorosamente para fechar operações de pornografia ilegal ao mesmo tempo em que resolve os complicados problemas com seu pai e sua irmã. Por fim, o patrulheiro de estrada Paul Woodrugh (Kitsch) recebe uma injusta suspensão depois de ser falsamente acusado de assédio sexual após se recusar a aceitar suborno de uma atriz que violava os limites de velocidade.
É uma intrincada rede de personagens e subtramas que se conecta graças à Caspere. Quando o administrador desaparece repentinamente, os negócios de Frank vão por água abaixo e grande parte de sua fortuna é perdida. Secretamente um informante de Frank, Velcoro é enviado pelo departamento para localizar o desaparecido Caspere, que é enfim encontrado morto pelo patrulheiro Woodrugh em uma rodovia que cruza Ventura, atraindo a presença de Bezzerides.
Inicia-se a partir daí uma complexa trama que une esses três detetives extremamente diferentes entre si, mas igualmente problemáticos, e a investigação paralela de Frank Seymon, que vai aos poucos retomando contato com sua persona criminosa. É uma premissa radicalmente diferente da primeira temporada, que apostava em flashbacks e um serial killer com elementos sobrenaturais, ao passo em que esta nova temporada é essencialmente um thriller noir. E como a maioria dos noirs, a trama não faz muito sentido. O próprio ícone da literatura policial Raymond Chandler uma vez disse que não entendia por completo os elementos de uma história que ele mesmo havia criado, e que a chave para o sucesso desse estilo de narrativa estava na construção do mistério.
Este novo True Detective de certa forma acerta nisso. Toda a complexa investigação que envolve diversos personagens, locais e nomes complicados não é a coisa mais empolgante do mundo, e nem de longe provoca a angústia e ansiedade do sombrio caso abordado por Marty e Rust na temporada anterior. Ao longo dos quatro primeiros episódios, a trama chega a ser sonolenta e confusa, ao passo em que expande o nível ao envolver a corrupção na prefeitura de Vinci, as relações policiais e até uma bizarra rede de sexo secreta que deixa a desejar; assim como a resolução do caso Caspere.
O que torna esta temporada tão agradável, porém, são seus excelentes personagens e o elenco que lhes dá vida. Colin Farrell tem um dos melhores papéis de sua carreira na pele de Velcoro, sempre com uma garrafa de bebida na mão e uma expressão triste e depressiva no rosto. Os arcos do personagem acabam por cativar muito mais do que a investigação central, desde o dilema sobre a paternidade incerta de seu filho e a complicada relação que isso provoca nos dois até a parceria dúbia com Frank, o que rende alguns dos diálogos mais memoráveis da série e coloca Velcoro no centro de situações muito questionáveis. O fato de Velcoro sempre estar documentando seus pensamentos em um gravador também é muito revelador, especialmente pelo desfecho dramático desta subtrama no episódio final.
Rachel McAdams oferece à série a protagonista feminina forte que os fãs teorizavam desde o final da primeira temporada. Bezzerides é durona e violenta, e é justamente esse comportamento que acaba gerando alguns problemas pessoais da personagem. Bezzerides é viciada em sexo e pornografia, tendo dificuldade de se relacionar com aqueles próximos a ela, características que McAdams desempenha muito bem em uma performance crível e convincente. Fica mais interessante quando temos pistas de seu passado abusivo através de alguns flashbacks perturbadores durante uma cena que detalharemos mais à frente.
Depois de tantos fracassos e oportunidades perdidas, essa parecia a chance de Taylor Kitsch mostrar do que era capaz. Woodrugh revela-se uma figura muito contida e com sentimentos repreendidos, aliado ao fato de uma passagem traumática pelo Iraque e de uma antiga paixão homossexual que sempre tentou manter escondida voltar à tona, para seu desespero. Kitsch se sai bem e sua voz grave e o olhar arregalado sempre parecem dar a impressão de que o personagem está prestes a explodir. Mesmo que seja o detetive que menos cativa, Woodrugh ainda garante bons momentos e seu desfecho em tela rende um dos melhores momentos da temporada.
Mas a grande surpresa fica à cargo de Vince Vaughn. É sempre interessante quando vemos um comediante se aventurar no drama (esqueçamos por um momento a vergonhosa performance de Vaughn no vergonhoso remake de Psicose), e o ator mergulha de cabeça em Frank Seymon. Seus monólogos sobre a infância - causado por uma mancha na parede - e as explosões de violência que o personagem vai revelando são impressionantes, e Vaughn consegue fazer de Seymon uma figura ameaçadora sem apelar para gritaria ou elementos expressivos que o tornassem caricato. A força de Vaughn está no olhar e no discurso suave. Sua relação com a esposa (a ótima Kelly Reilly) também é muito interessante, ainda mais quando começamos a perceber como as relações de poder variam entre os dois.
Em termos de direção, True Detective sofre um pouco pela ausência de um diretor único para todos os 8 episódios, como fez Fukunaga no ano anterior. Justin Lin ficou a cargo dos dois primeiros episódios, com o restante sendo dividido entre Janus Metz, Jeremy Podeswa, John Crowley, Miguel Sapochnik e Daniel Attias. Isso gera uma falta de personalidade própria da temporada, que experimenta uma série de coisas diferentes e o resultado pode ou não funcionar.
Justin Lin surpreende pela direção contida e que captura bem o estilo de Fukunaga, acertando ao trazer uma paleta de cor mais vibrante e alaranjada para as cenas noturnas, um padrão que seria seguido pelo resto da temporada. Miguel Sapochnik tem seu momento de brilho no sexto episódio, A Church in Ruins, durante uma sequência memorável que envolve Bezzerides infiltrada em uma festa sexual que traz leves ares de De Olhos Bem Fechados, mesmo que não seja chocante como deveria, fornece um momento de desespero no momento em que a personagem é drogada e acompanhamos seu ponto de vista retorcido.
Janus Metz merece menção pela abertura completamente inesperada e surreal do terceiro episódio, Maybe Tomorrow, que traz Velcoro em uma alucinação bizarra que parece saída de Twin Peaks, enquanto John Crowley retoma esse aspecto de sonho durante o longuíssimo season finale Omega Station, que traz uma bela tomada de Frank caminhando em um deserto enquanto tem visões de todos os demais personagens lhe provocando. A cena em que Velcoro prepara um encontro decisivo em um terminal rodoviário também é outro ponto alto, sendo beneficiado pela ótima canção de Lera Lynn - que empresta sua voz sombria para diversas músicas memoráveis ao longo dos episódios.
Mas é mesmo o quarto episódio que traz o ponto alto absoluto da temporada. Em Down Will Come, Jeremy Podeswa surpreende na condução de um tiroteio altamente visceral que envolve os três detetives e uma batida policial, que acabam em um furioso confronto com traficantes em pleno centro da cidade. Temos reféns, sangue e mortes descontroladas que levam a um total fracasso da operação, culminando em um excelente plano final no qual os protagonistas contemplam em desespero o horror da violência que os levou até ali.
A segunda temporada de True Detective não atinge o mesmo nível de qualidade estabelecido pela primeira, apresentando uma trama confusa que acaba se perdendo dentro de suas subtramas e complexidades como as próprias rodovias californianas. Porém, faz valer a visita pela força e as multi camadas de seus ótimos personagens.
True Detective - 2ª Temporada (EUA, 2015)
Criado por: Nic Pizzolatto
Direção: Justin Lin, Janus Metz, Jeremy Podeswa, John Crowley, Miguel Sapochnik, Daniel Attias
Roteiro: Nic Pizzolatto, Scott Lasser, Amanda Overton
Elenco: Colin Farrell, Vince Vaughn, Rachel McAdams, Taylor Kitsch, Kelly Reilly
Emissora: HBO
Episódios: 8
Gênero: Suspense, Crime
Duração: 60 min aprox
https://www.youtube.com/watch?v=4OfU7CGY5DQ
Crítica | Os Suspeitos (2013)
Lá pela metade de Os Suspeitos (que não, não tem nada a ver com o filme de Bryan Singer), eu percebi que estava me sentindo mal. Angustiado, tenso e extremamente ansioso pelo desfecho da história e os dilemas torturantes enfrentados pelas figuras problemáticas e envolventes criadas pelo texto de Aaron Guzikowski, também me toquei de que estava diante de um genuíno thriller, um que claramente compreendia os elementos que tornam o gênero tão fascinante – e perturbador.
A trama é ambientada numa pequena região da Pensilvânia, tendo início quando as filhas de dois casais diferentes (um formado por Hugh Jackman e Maria Bello, e o outro, por Terrence Howard e Viola Davis) repentinamente desaparecem. O detetive Loki (Jake Gyllenhaal) é convocado para tocar a investigação, que acaba levando-o até o misterioso Alex Jones (Paul Dano). Mas à medida em que o caso começa a revelar-se cada vez mais complexo, Loki ainda precisa lidar com o perigoso desejo de justiça de um dos pais.
Sob o comando do canadense Denis Villeneuve (responsável pelo premiado Incêndios), Os Suspeitos pega o espectador pela garganta e não solta até o momento em que os créditos começam a subir, mesmo que a projeção se extenda por 2h30. Parte disso se deve ao eficiente trabalho do diretor, ao lado do diretor de fotografia Roger Deakins (ainda sem Oscar, como, como?), em criar uma atmosfera pesada e sombria; daí a constante presença de chuvas, neve e um céu predominantemente nublado que esbanja melancolia graças às frias paletas de cor usadas por Deakins.
É o cenário perfeito para que Villeneuve desenvolva uma perfeita história de detetive concebida pelo roteirista, que contém reviravoltas impactantes e planta diversas pistas (que podem passar despercebidas para o espectador menos observador) importantes e, à primeira vista, irrelevantes ao longo da projeção. O clímax é o resultado de uma minuciosa construção que havia sido feita desde o primeiro ato, rendendo importantes consequências para todo os personagens - daí o "prisioneiros" do título original faz muito mais sentido em termos metafóricos.
Além da angustiante e detalhista investigação, é interessante observar a tragédia humana que se manifesta nas famílias enquanto esperam pelo reencontro com suas filhas desaparecidas. Em uma performance intensa e explosiva, Hugh Jackman continua impressionando com sua carga dramática ao interpretar o impulsivo Keller, que acaba por “fazer justiça” com as próprias mãos ao perseguir o personagem de Paul Dano (outro grande ator que ainda carece de um papel que lhe permita explorar seu potencial). Mas quem realmente se destaca é Jake Gyllenhaal e seu detetive Loki (nenhuma ligação com o irmão do Thor, só pra constar), que ganha um retrato cuidadoso do ator – reparem no tique do piscar de olhos que Gyllenhaal manifesta com frequência -, contrastando radicalmente com a persona selvagem de Keller ao optar por uma voz predominantemente calma.
Os Suspeitos não vai mudar a história do gênero, tampouco se destacará como um marco nele, mas segue as regras com competência e extrai o melhor de sua proposta, sendo capaz de mandar o espectador para casa ainda brincando com as peças do quebra-cabeças. E convenhamos, não é esse o tipo de thriller de investigação que vale o nosso dinheiro?
Os Suspeitos (Prisoners, EUA – 2013)
Direção: Denis Villeneuve
Roteiro: Aaron Guzikowski
Elenco: Hugh Jackman, Jake Gyllenhaal, Viola Davis, Maria Bello, Terrence Howard, Melissa Leo, Paul Dano, Dylan Minnette, Erin Gerasimovich, Kyla Drew Simmons
Duração: 153 min.
Crítica | É o Fim
Não faz sentido que É o Fim seja lançado nos cinemas nacionais. Além de ter perdido completamente o timing da piada central (algo que também aconteceu nos EUA, o filme deveria ter sido lançado em dezembro do ano passado), o filme traz uma série de comentários e referências que o público brasileiro certamente não vai entender, já que a maioria dos trabalhos do elenco principal foi lançada diretamente para o home video. Isso sem falar que o resultado é bem mediano.
A trama é ambientada na Los Angeles “do mundo real”, trazendo todo o elenco interpretando a si mesmo. Jay Baruchel se encontra com o amigo Seth Rogen para que ambos compareçam a uma festa na casa de James Franco. Lá, se juntam a celebridades como Jonah Hill, Craig Robinson, Emma Watson e Danny McBride. No meio da diversão, a cidade é dominada por uma série de terremotos e incêndios que logo se revela como o Apocalipse.
Sinceramente, eu fiquei muito empolgado com a ideia desse filme. Lembro de ver os primeiros trailers em dezembro do ano passado (e, novamente, fazia muito mais sentido graças ao contexto) e pensar que esta seria uma das comédias mais geniais dos últimos anos; cometi o erro de extrapolar as expectativas. É o Fim se beneficia das cenas em que claramente há muita piada interna (como o fato de Jay Baruchel e Jonah Hill não se suportarem) e das invenções que acabam com a imagem de alguns atores (sem comentários para o hilário Michael Cera que surge aqui como um pervertido viciado em cocaína), proporcionando diversos momentos de improviso. É até difícil dizer o que é atuação e o que é espotaniedade dos atores: Seth Rogen, por exemplo, surge exatamente da mesma forma que o vemos em outros filmes (uma observação divertida apontada por Danny McBride) e também em suas entrevistas fora do set.
O problema começa quando o roteiro de Rogen e do amigo Evan Goldenberg (a mesma dupla responsável por Superbad e Segurando as Pontas) se entrega de corpo e alma ao ridículo, procurando explorar os motivos e elementos por trás da catástrofe que assola Los Angeles. Apostando no Apocalipse mais “tradicional” possível, é de se espantar com a presença de criaturas cartunescas e demônios colossais com membros enormes (sério, me lembrou Sua Alteza, e o próprio James Franco diz aqui para nunca repetir esse filme) que dominam o último ato com a ajuda de efeitos visuais medíocres. A qualidade técnica nem prejudicaria se o resultado fosse realmente engraçado, mas não passa do ridículo – e não em sua forma positiva.
Dá pra se divertir e dar risadas em É o Fim, mas o grande trunfo da produção está nas piadas menores e em suas auto-referências (eu pagaria pra ver aquela ideia pra Segurando as Pontas 2, mesmo, mesmo!). Levando em conta o potencial gigantesco aqui, é uma triste decepção.
Obs: Há diversas participações especiais aqui, mas nenhuma delas é tão engraçada quanto a de Channing Tatum.
É o Fim (This is the End, EUA, 2013)
Direção: Evan Goldberg, Seth Rogen
Roteiro: Evan Goldberg, Seth Rogen, Jason Stone
Elenco: James Franco, Jonah Hill, Seth Rogen, Jay Baruchel, Danny McBride, Craig Robinson, Michael Cera, Emma Watson, Mindy Kaling, David Krumholtz, Christopher Mintz-Plasse, Rihanna, Channing Tatum
Duração: 107 min.
Crítica | Elysium
Em 2009, o diretor sul-africano Neil Blomkamp surpreendeu o mundo com seu Distrito 9. Bem pensada e repleta de comentários sociais, a ficção científica de orçamento modesto foi indicada ao Oscar de Melhor Filme e garantiu ao diretor a oportunidade de nos impressionar novamente com suas ideias; agora com muito mais dinheiro. O problema com Elysium certamente não é a falta de ideias, mas a abundância delas.
A trama é ambientada na Los Angeles de 2154, onde os humanos estão divididos em duas classes: os menos afortunados vivem em uma desolada e moribunda Terra, já os ricos e poderosos habitam a estação espacial que dá nome ao filme. Nesse cenário, o pacato Max (Matt Damon, sempre carismático) é forçado a invadir o local para encontrar a salvação, após ser exposto a uma radiação mortal que lhe tirará a vida em 5 dias.
É sempre bom quando um blockbuster resolve trazer um pouco de conteúdo em meio a explosões e efeitos visuais. Da mesma forma como elaborou uma criativa alegoria com o Apartheid em seu longa anterior, Blomkamp acerta ao trazer a questão sócio-econômica para um contexto de ficção científica que lhe permite brincar com diferentes situações e visuais: o design de produção acerta ao diferenciar a tecnologia clean e “estilo Apple” dos armamentos, próteses e aparelhos quase orgânicos que encontramos nas favelas terrestres. Os efeitos visuais também são de uma qualidade ímpar e que funcionam muitíssimo bem para gerar paisagens (a vista da Terra em Elysium é linda) ou para dar vida aos ciborgues que funcionam como uma espécie de polícia do planeta.
O problema é o excesso. O primeiro ato do filme é intrigante por nos apresentar a diversos elementos narrativos e, após tantos cortes e flashbacks intrusivos, o espectador se pergunta qual será o tratamento para lidar com essas histórias tão diferentes. Temos lá o dilema de Max, as intrigas internas dentro da administração de Elysium (onde sua chefe militar ganha um retrato impecável de Jodie Foster e de seu trabalhado sotaque francês), um clichê completamente descartável que envolve uma mãe (Alice Braga, cada vez mais habituada ao idioma e o gênero) lutando para salvar a filha doente e um vilão homicida com segundas intenções no meio. Quando vai chegando o fim, tudo se colide de forma absurda e cansativa – e a montagem de Julian Clarke e Lee Smith até tenta, mas não impede que o filme tenha a sensação de ser muito mais longo do que realmente é (quase não acreditei quando olhei no relógio e percebi que haviam se passado apenas 110 minutos).
Tamanhos esses problemas que fico triste ao ver as coisas excelentes do filme e desejar que o projeto tivesse um destino melhor. Os brasileiros certamente estão curiosos quanto ao desempenho de Wagner Moura e basta dizer que o intérprete do Capitão Nascimento está completamente surtado na pele do contrabandista Spider (cujo andar manco e perna robótica quase o tornam um “pirata espacial”). Mas quem rouba o filme todo é o Kruger de Sharlto Copley, um dos antagonistas mais fascinantes dos últimos anos: robô, espada samurai, metralhadora, armadura, pode falar que ele tem… A cada piração do personagem em cena, a vontade é de abraçar Blomkamp e Copley por essa criação maleficamente inspirada. O único problema é que suas cenas de luta com Max são prejudicadas pela câmera incompreensível e os cortes excessivos.
É triste ver Elysium alcançando um resultado mediano. Com ideias excelentes, elenco de primeira e uma produção impecável, o filme de Neil Blomkamp tinha potencial para se tornar um grande filme. Vamos torcer para que o diretor mude o quadro em seu próximo projeto.
Crítica | O Hobbit: Uma Jornada Inesperada
A primeira coisa que as pessoas me falam quando admito a elas não ser fã de O Senhor dos Anéis é “Mas você precisa admitir que os efeitos da produção são ótimos”. Admito isso sem medo, pois enxergo plenamente a qualidade técnica da trilogia comandada por Peter Jackson e até simpatizo com toda a mitologia criada em torno do Um Anel, mas meu problema é que simplesmente não me encanto com o gênero de Terra-Média (não como a ficção científica, por exemplo). O Hobbit: Uma Jornada Inesperada apresenta grandes avanços tecnológicos, mas ainda não conseguiu me seduzir pelo universo de J. R. R. Tolkien.
A trama é ambientada antes dos eventos da Trilogia do Anel e acompanha o jovem hobbit Bilbo Bolseiro (Martin Freeman) embarcando em uma aventura com o mago Gandalf (Ian Mckellen) e uma companhia de 13 anões (não vou citar todos os nomes, porque não lembro de nenhum) para reinvindicar uma terra roubada pelo poderoso dragão Smaug (Benedict Cumberbatch).
Para aqueles que (dificilmente) não sabem, Uma Jornada Inesperada é a primeira parte de uma nova trilogia. E são nada menos do que três filmes para servir de adaptação a um único livro, a primeira ingressão de Tolkien no universo que logo se expandiria monstruosamente em mais quatro obras. Fica claro ao longo dos 169 minutos de projeção do longa que Jackson e seus roteiristas não tinham muito material para sustentar uma trama que encosta nas 3 horas. Não é uma questão de o quão fiel o filme consegue ser ao livro, é pura questão de ritmo.
Para não acharem que é marcação minha com a saga, tomemos como exemplo A Sociedade do Anel (filme que adoro, independente de minha descrença no gênero), que é muito mais filme que O Hobbit. Sua duração é mais extensa e, ainda assim, consegue desenvolver muito mais sua história e seus personagens. Claro que o filme de 2001 adapta o livro inteiro, ao passo em que o deste ano só se concentra em 1/3 da obra (e até apêndices, pelo que li) e com todo o tempo disponível, a equipe criativa o desperdiça miseravelmente.
O que fazem os personagens de O Hobbit durante quase três horas? Caminham e pouco, muito pouco, de relevante acontece. Jackson erroneamente aposta em cenas dramáticas onde o protagonista enfrenta a morte (de que adianta o drama, se logo nos segundos iniciais o vemos envelhecido preparando-se para contar a história?) e todas as situações de perigo são resolvidas praticamente da mesma forma, aumentando a repetição e estendendo a narrativa sem necessidade. Fica a impressão de que se Jackson tivesse se preocupado mais com o rumo da trama do que em fazer conexões com a trilogia original, Uma Jornada Inesperada poderia ter resolvido muito mais rápido; mas ao mesmo tempo, tais momentos são alguns dos melhores do longa (como a dicussão com os três trolls, que é divertidíssima, mas inútil em termos de história) e impossível não arrepiar quando o diretor traz uma referência visual muito clara com um dos planos mais famosos de A Sociedade do Anel.
Mas se O Hobbit falha como narrativa, acerta pela inovação.
Você deve ter ouvido muito falar do tal 48 FPS de O Hobbit. História longa abreviada, trata-se de um recurso que possibilita a visualização de imagem mais nítida, realista. Os filmes que vemos habitualmente no cinema são exibidos em 24 frames por segundo, logo o dobro de quadros permite que o olho humano enxergue um número maior de imagens. O resultado é claramente perceptível na tela: as cenas movem-se com impressionante nitidez e sua resolução é de uma definição impecável . Em diversos momentos, há um certo estranhamento pela velocidade (tem se uma impressão de que o projetor acionou o modo “fast foward”), mas logo o espectador se acostuma.
Ganham pontos com isso as deslumbrantes locações e visuais que Peter Jackson habitualmente confere às suas produções. Sejam digitais ou reais, todos os cenários são maravilhosamente retratados pela equipe, seja na toca aconchegante de Bilbo (cuja fotografia de Andrew Lesnie sempre lhe confere acertados tons quentes) ou na sombria caverna onde testemunhamos a primeira aparição do icônico Smeágol. E se na trilogia original o trabalho de captura de performance de Andy Serkis já era ótimo, aqui ele é ainda mais realista e palpável, sendo possível enxergar claramente as feições de seu intérprete.
Com Martin Freeman extremamente carismático como Bilbo e Ian Mckellen divertidíssimo como Gandalf, O Hobbit: Uma Jornada Inesperada inicia de forma lenta e maçante a nova trilogia de Peter Jackson, e fica níveis abaixo da trilogia do Anel. Com três filmes para um livro, torcemos apenas que os próximos tenham uma história que de fato sustente sua longa duração.
O Hobbit: Uma Jornada Inesperada (The Hobbit: An Unexpected Journey, EUA/Nova Zelândia – 2012)
Direção: Peter Jackson
Roteiro: Fran Walsh, Philippa Boyens, Peter Jackson e Guillermo Del Toro, baseado na obra de J.R. Tolkien
Elenco: Martin Freeman, Ian McKellen, Richard Armitage, Benedict Cumberbatch, Andy Serkis, Elijah Wood, Aidan Turner, Hugo Weaving, Christopher Lee, Cate Blanchett, Luke Evans, Lee Pace
Gênero: Aventura
Duração: 169 min
https://www.youtube.com/watch?v=9PSXjr1gbjc
Crítica | O Vingador do Futuro (2012)
Ser cinéfilo jovem na sociedade atual traz um dilema curioso quanto à remakes: assistir o novo ou o original primeiro? É certo que cada obra é um reflexo de sua época, mas sempre busquei a primeira opção. Com O Vingador do Futuro optei por encará-lo como um longa novo, sem assistir ao filme dirigido por Paul Verhoeven, e o resultado foi medíocre de qualquer forma.
A trama é inspirada pelo conto We Can Remember It for You Wholesale de Phillip K. Dick, e traz um futuro distópico/cyberpunk onde o operário Doug Quaid (Colin Farrell) sofre com sonhos misteriosos e um crescente sentimento de inutilidade. Sua vida é radicalmente alterada quando este se envolve no programa Rekall, que fornece memórias ao gosto de seu cliente. Acho que seria spoiler revelar mais do que isso.
Primeiramente, já entrei na sessão do filme receioso ao saber que Len Wiseman comandaria o projeto. O medíocre diretor da franquia Anjos da Noite (e também de Duro de Matar 4.0, seu único acerto) continua mostrando-se um “cineasta” descontrolado e previsível, decepcionando até nas monótonas cenas de ação (reparem que em todas elas, em algum ponto, um dos personagens salta dramaticamente de um nível mais alto até atingir o solo). Wiseman também é muito orgulhoso de seu casamento com Kate Beckinsale, já que insere diversos planos com o posterior da atriz como, se quisesse dizer: “Vejam só como minha esposa é gostosa!”.
E é lamentável ver (pela enésima vez) o belo design de produção do filme ser desperdiçado. Os cenários de Patrick Tatopoulos tomam referências de Blade Runner ao retratar a decadência da Colônia (constantemente castigada pela chuva, como no filme de Ridley Scott) e da estética clean de Minority Report e Eu, Robô nos arranha-céus e veículos da F.U.B. O resultado fica espetacular na tela, mas a fotografia de Paul Cameron exagera nos flares (alguém, por favor, me explique a função narrativa dessas luzes inúteis).
Quanto à história, basta dizer que ela poderia ser melhor se ousasse mais. Lembrando mais uma vez de que não assisti ao filme original, mas este parece mais um A Identidade Bourne futurista, com um agente secreto (!) incrivelmente bem treinado (!!) lutando para descobrir seu passado (!!!). Por um breve momento o longa poderia ter seguido um caminho muito interessante, quando Doug questiona se o que está acontecendo é de fato realidade ou uma fantasia proporcionada pelo Rekall. Os roteiristas poderiam ter entrado na questão da ambiguidade, mas isso requeriria que o espectador usasse mais de sua inteligência, que consequentemente, notaria a exiguidade da trama.
Trazendo um elenco que funciona (mas que não surpreende), O Vingador do Futuro teria sido fascinante se recorresse mais à ficção científica do que às genéricas cenas de ação. O lado positivo é que provavelmente aproveitarei mais o filme com Arnold Schwarzenegger, já que não pode ser pior do que a nova versão.
Crítica | 007 - Operação Skyfall
Tendo sua estreia nos cinemas em 1962 com Dr. No, o agente secreto James Bond comemora 50 anos de sua franquia cinematográfica e, nesse espaço de cinco décadas, muita coisa tem mudado. Adaptando-se para sobreviver, Cassino Royale transformou radicalmente o personagem em 2006 ao lhe oferecer uma abordagem realista e dispensar os elementos fantásticos que tornaram-se sua assinatura. Entra o premiado diretor Sam Mendes para continuar o legado e, nesse processo, acaba por reinventar (novamente) a franquia de forma brilhante em 007 – Operação Skyfall.
Tendo uma trama muito mais pessoal e centrada do que os longas anteriores, Skyfall começa quando o MI6 falha em uma importante missão na Turquia, tendo a identidade de seus agentes vazada na internet e seu quartel-general destruído. Buscando a identidade do misterioso agressor, James Bond (Daniel Craig) é enviado para neutralizá-lo, mas descobre que a missão tem uma significante relevância com o passado de sua chefe, M (Judi Dench).
O vigésimo-terceiro filme da série é, de fato, muito especial. Escrito por Neal Purvis, Robert Wade (esses já familiarizados com a franquia desde O Mundo Não é o Bastante, de 1999) e John Logan (indicado 3 vezes ao Oscar) o roteiro mergulha fundo em seus personagens, e aventura-se ao explorar de forma mais dramática a relação entre alguns deles. Bond e M, principalmente, têm mais detalhes revelados e nunca antes aprendemos tanto sobre o passado do protagonista como aqui – e com maior profundidade dramática, Daniel Craig tem a chance de explorar novas áreas, ficando bem próximo de ser datado com o intérprete definitivo do espião.
O texto do trio também cria ótimos diálogos (a maior parte deles, proferidos pelo genial Silva de Javier Bardem), ainda que traga uma incrível necessidade de soltar trocadilhos sobre a série (“Será que eu compliquei demais a trama?”, diz Craig, ao passo em que Naomie Harris declara que este é “Um cão velho, com truques novos”), criando um efeito divertido, mas cujo uso excessivo o aproxima de uma paródia.
Nome que normalmente não associaríamos ao um filme do gênero, Sam Mendes mostra que seu talento não está apenas ligado ao drama e faz a diferença no comando de ótimas cenas de ação. Sua execução é segura (reparem no longo plano que apresenta o vilão Silva, onde Mendes demonstra total confiança no talento de Bardem) e muito bem equilibrada – nesse quesito, a ótima montagem de Stuart Baird é eficiente ao criar tensão e controlar as múltiplas ações – e estas são visualmente impressionantes graças à inteligente fotografia do mestre Roger Deakins. Alternando entre tons quentes nas cenas em Macau e apostando em uma Londres sempre cinzenta e nublada, o cinematógrafo atinge o auge ao iluminar uma luta entre B0nd e um atirador em Xangai apenas com luzes de outdoors da metrópole. Só esse complexo (e lindo) trabalho, já é o suficiente para indicá-lo ao Oscar da categoria no ano que vem.
Mas o grande destaque do filme é a nova reinvenção que Bond ganha. O agente continua realista e frio como em Cassino Royale e Quantum of Solace, mas aqui tem mais senso de humor e volta a protagonizar acrobacias “impossíveis”, tal como pular de uma escavadeira para um trem em movimento – finalizando com uma sensacional ajeitada no terno. Há também o retorno do quartel-mestre Q, que aqui surge como um nerd na pele do excelente Ben Whishaw, fornecendo ao espião gadgets mais críveis (talvez não tanto assim, mas a abordagem à tais elementos se assemelha à dada por Christopher Nolan em sua trilogia do Batman) e piadas que fortalecem a atualização (“o que você queria, uma caneta explosiva? Não trabalhamos mais com isso”).
007 – Operação Skyfall é uma bela homenagem aos 50 anos da série e também um filme maduro, bem executado e com potencial de agradar os mais variados fãs do personagem. Sua conclusão inicia uma nova era para James Bond, e o futuro parece muito promissor.
James Bond Will Return…
Obs: Os hipnotizantes créditos de abertura deste filme são diferentes de qualquer outra presente na franquia. E a bela música de Adele a acentua com perfeição.
007 - Operação Skyfall (Skyfall, Reino Unido - 2012)
Direção: Sam Mendes
Roteiro: Neil Purvis, Robert Wade, John Logan
Elenco: Daniel Craig, Javier Bardem, Judi Dench, Ben Whishaw, Naomie Harris, Ralph Fiennes, Bérénice Marlohe, Rory Kinnear, Albert Finney
Gênero: Ação, Aventura
Duração: 143 min
https://www.youtube.com/watch?v=6kw1UVovByw
Crítica | O Legado Bourne
Iniciada por Doug Liman em 2002, e completada por Paul Greengrass em 2007 a trilogia Bourne conseguiu se estabelecer com sucesso em Hollywood e dar nova cara ao gênero de espionagem – provocando mudanças até mesmo no concorrente 007. Com a saída do protagonista Matt Damon, entra Jeremy Renner para assumir O Legado Bourne, uma “sequência independente” que acerta em manter a chama acesa, mas falha na escolha de seu herói.
A trama tem início durante os eventos finais de O Ultimato Bourne e nos apresenta ao agente Aaron Cross (Renner), outra vítima do programa governamental responsável pela criação de super-humanos, como Jason Bourne. Agora que a tal corporação rapidamente tenta exterminar todas as “cobaias”, Cross deverá lutar por sua vida e… Só.
O que move Aaron Cross? O principal problema com O Legado Bourne é a ausência de uma motivação convincente para seu protagonista. Se o Jason Bourne de Matt Damon procurava encontrar respostas sobre seu passado e, então, expor as atrocidades do programa Outcome, a única coisa que me pareceu clara quanto a Cross é sua obsessão em encontrar uns medicamentos. Isso mesmo, a missão do super-agente que escala prédios e pula de telhados é viajar meio mundo para que os comprimidos que garantem seus “poderes” estejam novamente em sua posse.
Difícil acreditar que o competente Tony Gilroy, responsável pelo roteiro dos longas anteriores – e que aqui assume também a direção –, tenha criado uma história tão desinteressante para este quarto filme. Ainda que acerte ao manter a linearidade com a trilogia (o nome de Jason Bourne, assim como seu rosto, é visto diversas vezes durante a projeção), Gilroy não encontra um personagem à altura daquele que carrega o nome da franquia, e talvez até o encontraria se mergulhasse mais fundo no tal Cross. Sempre carismático, Jeremy Renner segura o filme com sua boa performance, mas como o personagem nunca ganha uma camada emocional eficiente, o trabalho é gravemente prejudicado.
No lugar de Cross, o longa dá espaço a diversas cenas envolvendo os bastidores da Outcome, que desesperadamente tenta controlar a situação. Há a vantagem de se ter o ótimo Edward Norton, mas o roteiro de Gilroy promove uma série de diálogos expositivos (“Você é o presidente da Agência Central de Inteligência, controle-se!”) e que comprovam a insegurança dos realizadores em promover um jogo inteligente (não é por coincidência que diversos personagens repitam frases como “Você está pensando demais” ou “Pare de pensar!”). Paradoxalmente, o filme se confunde tanto em suas próprias ambições e ações paralelas que até se esquece de algumas delas – e aquele avião que Cross é visto pilotando em certo momento?
Nem ao menos no quesito cenas de ação Gilroy acerta. Seu estilo de câmera inquieta mescla-se de forma horrorosa com os cortes incessantes de John Gilroy, o que torna as cenas de luta praticamente incompreensíveis. Aaron Cross também é infalível sabe sempre pra onde ir ou onde encontrar quem procura e, sem propósito narrativo algum, saca um par de óculos escuros durante uma perseguição de motos (claro que isso é um artifício nada sutil para facilitar o uso de dublês).
Tendo as cenas iniciais no Alaska como ponto alto, O Legado Bournetenta manter o espírito dos longas anteriores, mas carece de um protagonista comovente como Jason Bourne. Quem sabe a coisa melhore com um encontro entre Jeremy Renner e Matt Damon?