em , ,

Crítica | Liga da Justiça – O futuro da DC é otimista

O caminho da nova fase da DC nos cinemas foi turbulento, para dizer o mínimo. Após a bem sucedida trilogia de Christopher Nolan chegar a seu desfecho em 2012, a Warner Bros confiou a Zack Snyder a tarefa de iniciar um universo cinematográfico que pudesse bater de frente com a Marvel Studios, com filmes interligados e grandes reuniões dos heróis na mesma produção. Mas não foi um sucesso de imediato. A versão sombia e intimista de Snyder para o Superman com O Homem de Aço foi polarizante, e não rendeu o dinheiro ou o amor do público que o estúdio esperava.

Desesperados para seguir a Casa das Ideias, o estúdio apostou nessa narrativa e aprovou a produção de uma nova linha, que continuaria a história de Snyder em Batman vs Superman: A Origem da Justiça, um longa ainda mais controverso e que gerou críticas negativas expressivas ao projeto. Mesmo assim, a Warner seguiu no ringue e apostou em algo diferente com Esquadrão Suicida, que concentrava-se em vilões da DC e também em um pouco mais de humor; mas, graças a uma direção fraca e refilmagens danosas, o filme foi um verdadeiro desastre. Foi só neste ano, com Mulher-Maravilha, que o estúdio conseguiu agradar tanto ao público quanto a crítica, entregando um longa redondo e que definitivamente acertava onde todos os outros falhavam.

Agora, seguindo o sucesso do tom mais leve e aventuresco do filme de Patty Jenkins, a Warner trabalha arduamente para entregar uma versão eficiente de Liga da Justiça, contando com Joss Whedon para comandar uma série de refilmagens e até finalizar o filme ele próprio, após Snyder se afastar do projeto por uma tragédia familiar. Um resultado como Batman vs Superman não é uma opção aqui, ou todo esse já frágil DCEU vai desmoronar como um castelo de cartas. E, no fim, por incrível que pareça, o resultado final é uma das melhores coisas que essa nova safra da DC foi capaz de oferecer. 

O Fio Fantasma

A trama começa com o impacto da morte do Superman (Henry Cavill) sobre o mundo, com taxas de criminalidade subindo, um desespero maior tomando conta da população e também o alerta de Bruce Wayne/Batman (Ben Affleck) a respeito de uma vindoura ameaça: o Lobo da Estepe (Ciarán Hinds), uma poderosa entidade cósmica que procura na Terra por três artefatos conhecidos como Caixas Maternas. A fim de impedir os planos do Lobo e uma catástrofe mundial, Batman, Diana Prince/Mulher-Maravilha (Gal Gadot) e o fiel mordomo Alfred (Jeremy Irons) formam um grupo com pessoas especiais pelo planeta, contando com Barry Alllen/Flash (Ezra Miller), Arthur Curry/Aquaman (Jason Momoa) e Victor Stone/Ciborgue (Ray Fisher).

Evidentemente, há muitas comparações entre este filme e Os Vingadores, que também serviu como a primeira união do principal super-grupo de heróis da editora. E, da mesma forma, não é sábio esperar que este filme pudesse ser tão bom quanto o filme de Whedon. Isso porque todos os personagens naquele longa tiveram suas respectivas aventuras solo anteriormente, já tendo o terreno sendo preparado para a união por 4 anos e 5 filmes, enquanto o filme de Snyder ainda precisa apresentar alguns de seus protagonistas e os respectivos arcos dramáticos de cada um; apenas Batman, Superman e Mulher-Maravilha são personagens inteiramente apresentados, a menos que você considere aquelas cameos ridículas via email em Batman vs Superman.

Dessa forma, o primeiro ato de Liga da Justiça é claramente problemático, com o roteiro de Chris Terrio e Joss Whedon (apesar de dirigir as refilmagens e finalizar, o sindicato só permitiu que Whedon ganhasse um crédito como roteirista) precisando rapidamente lidar com as consequências de BvS, situar cada um dos personagens, que literalmente parecem saídos de filmes diferentes com visuais e tons distintos, e também introduzir a nova grande ameaça global que reuni os heróis. Tudo parece um pouco apressado e costurado nessas cenas iniciais, com Bruce Wayne dando um pulo na Islândia para visitar o Aquaman como se a viagem fosse uma simples volta no bairro; não temos a noção do esforço ou da viagem do personagem para aquele ambiente, e a montagem de David Brenner, Richard Pearson e Martin Walsh peca em não oferecer tempo o bastante de contemplação ali, e a introdução do personagem de Momoa é outro fator apressado.

Nesse quesito, essa pressa e inchaço narrativo faz com que tenhamos um vilão completamente sem motivação, e que é de longe o pior fator da produção. Não só o Lobo da Estepe é uma figura unidimensional que só se expressa através de frases patéticas como “eu sou o destruidor de mundos”, mas carece de qualquer tipo de motivação ou contexto para que possamos compreendê-lo. Não ajuda também que o arauto de Darkseid seja uma criação de péssimos efeitos visuais, que jamais convencem ou tornam sua figura minimamente ameaçadora – e Ciarán Hinds parece nem se esforçar para criar uma voz interessante ao antagonista, que ganha também um rosto genérico e sem expressão, criado sem a ajuda de motion capture. Facilmente um dos piores vilões da história do gênero de quadrinhos no cinema, e sua presença sempre enfraquece o filme a cada vez que a narrativa desvia sua atenção para ele.

Aurora da Justiça

Mas agora que tiramos os principais deméritos da frente, posso falar sem medo: Liga da Justiça é o meu filme preferido do DCEU. Claro, isso não quer dizer que é o melhor. Nesse quesito, Mulher-Maravilha ainda assume o posto por ser o longa mais correto e sem qualquer tipo de problema muito grave, mas pessoalmente Liga foi o que mais entreteu e divertiu durante o tempo de exibição. Existe um efeito contagiante de se ver todos esses heróis icônicos agindo juntos em tela, e Snyder compreende como utilizar suas diferentes habilidades em meio a ótimas cenas de ação, que têm o obrigatório toque do diretor com a slow motion; que aqui faz mais sentido dada a presença do Flash e sua habilidade de enxergar o tempo mais devagar, o que garante cenas visualmente impressionantes (ainda que não cheguem aos pés do trabalho de Bryan Singer em X-Men: Dias de um Futuro Esquecido) e com um bem-vindo alívio cômico. Ainda nesse quesito do efeito, o fato de que a trilha sonora de Danny Elfman resgate os temas clássicos do Batman e Superman é algo que parece transcender esse universo próprio, e ajuda a tornar as cenas de ação muito empolgantes e e divertidas.

E tendo a presença de dois diretores com estilos distintos no comando do longa, um dos temores era de que teríamos uma obra esquizofrênica com identidades diferentes. Felizmente, a transição Snyder-Whedon é sutil e não surge como um grande Frankenstein, já que a mão de Snyder está mais relacionada com grandes setpieces e cenas de ação, enquanto Whedon cuida de diálogos e novas interações entre os personagens. No que diz respeito à espetáculo, os fãs de Zack Snyder não se decepcionarão, e confesso que apreciei bem mais do que em BvS, onde critiquei a condução dos efeitos visuais em cenas como a batalha com Apocalipse. Aqui, sequências que merecem destaque são as batalhas da Liga contra o exército dos Parademônios e a invasão do Lobo em Temiscira, onde Snyder explora com criatividade as habilidades das Amazonas para esconder um artefato do vilão.

O toque Whedon nessas cenas, e é algo facilmente identificável como algo de seu feitio, é a inserção de um pequeno núcleo familiar em Chernobyl, onde o clímax do longa acontece. Mesmo que sejam personagens com os quais nunca criemos algum tipo de apego, são elementos que forçam os heróis a terem algum cuidado com civis e demonstrarem um lado mais heróico, ao invés de simplesmente encherem o vilão de porrada e deixar uma trilha de destruição. Aliás, é hilário imaginar como Zack Snyder deliberadamente escolheu uma cidade deserta para situar seu grand finale, justamente para evitar as críticas à destruição civil de O Homem de Aço, e aí ver Joss Whedon chegar e enfiar pessoas ali.

Outro dos medos que circulava a bolha nerd após o anúncio da entrada de Joss Whedon era de que o filme seguiria uma linha mais próxima da Marvel Studios, que traz piadas irritantes durante praticamente o filme todo. Felizmente, o humor surge como algo mais pontual aqui, e as sacadas que Terrio e Whedon desenvolvem são mais ligadas ao personagem do Flash, e também complementam a sua psique: um jovem assustado, e de comportamente histérico graças à sua habilidade de aceleração. De forma similar, as piadas ajudam a criar um clima confortável e divertido para a interação de todos os heróis, e é justamente aí que reside a grande qualidade do filme: seus personagens.

A união faz a força

É de se admirar como Zack Snyder escalou bem os protagonistas da Liga, algo que, anos após o anúncio oficial, enfim se comprova como o maior acerto dessa franquia até então. Desde as caracterizações (o figurinista Michael Wilkinson, como sempre, impressiona com a confecção dos uniformes) até as atuações, temos um elenco que simplesmente queremos acompanhar por mais filmes no futuro. Ben Affleck surge como um Batman mais leve e arrependido após os eventos de BvS, e é admirável ver sua química com a sempre carismática Mulher-Maravilha de Gal Gadot, que, sendo sincero, vai melhorando como atriz a cada projeto. Vê-se muito da influência de Whedon aí, com os dois tendo mais interações do que qualquer outro membro da equipe, e também pela nítida tensão sexual entre os dois, que tanto o texto quanto os atores incorporam muito bem.

Dentre os novos personagens, Ezra Miller certamente é o que acaba chamando mais atenção, pelo claro motivo de ser o alívio cômico e o personagem mais chamativo. O entusiasmo de Barry Allen por fazer parte de uma situação absurda dessas é divertido de se assistir, mas Miller incorpora também o aspecto mais introspectivo do personagem. Parece uma fala boba quando vemos durante trailers e comerciais, mas ao atestar que “precisa de amigos”, vemos que Barry é uma pessoa com dificuldade de se relacionar, e temos ótimas pequenas nuances disso, especialmente com Ciborgue, e felizmente fica claro que o Flash não é uma mera metralhadora de piadas. Seu medo de em entrar em combate é outro ótimo momento, iniciando ali um pequeno arco de crescimento onde o personagem acaba precisando encontrar seu herói interno.

A grande surpresa fica por conta de Ray Fisher, que surge com metade de seu rosto (e todo o corpo) removido digitalmente para dar vida ao Ciborgue. É a estreia de Fisher nos cinemas, e mesmo com toda essa parafernalha CGI tomando conta de suas feições, o jovem ator mostra-se muito carismático e com presença em cena, sendo também um dos personagens que ganha maior peso dramático; ainda mais porque embora seja definitivamente um longa mais leve do que Batman vs Superman, o drama não se perdeu, e todo o dilema de Victor Stone ser formado por uma inteligência artificial alienígena rende bons frutos. Claro, bem menos do que poderia (isso entra no tempo comprimido do primeiro ato), mas garante uma catarse recompensadora quando o personagem resolve abraçar sua anormalidade e se juntar à Liga após tanta resistência.

Por fim, o Aquaman de Jason Momoa acaba sendo o personagem mais apagado, mas nem por isso um demérito. Na função de oferecer uma imagem mais digna e badass para um dos super-heróis mais ridicularizados pelo público geral, Momoa se sai bem ao criar um Arthur Curry praticamente “de saco cheio” de tudo e de todos, rendendo um bom diálogo com a Mera de Amber Heard, que já estabelece um contexto interessante para o filme solo do herói que James Wan prepara para o ano que vem. Sim, acaba sendo uma performance que soa como nota única, mas que funciona pelo carisma do ator. 

E por mais que ele tenha morrido em BvS e tenha ficado oculto de praticamente todo o marketing, você sabe muito bem que o Superman está nesse filme. Confesso que a solução para trazê-lo de volta foi muito interessante e diferente do que imaginava, e Henry Cavill se sai muito bem ao incorporar uma versão confusa e fascinante do herói, que acaba sendo um dos pontos altos da produção. É algo que acaba indo mais próximo do Superman clássico dos quadrinhos, e também da versão de Christopher Reeve, e a mudança não é brusca se considerarmos que o personagem literalmente morreu e voltou à vida; mesmo que, novamente, esse aspecto da ressurreição não tenha tanto tempo para um desenvolvimento sólido, garantindo bons momentos com a Lois Lane de Amy Adams (demorou três filmes, mas esse romance finalmente é capaz de comover) e com o Bruce Wayne de Affleck. Infelizmente não há, também, muito tempo para que o Super interaja com todos os membros da Liga, mas as sequências estão aí pra isso.

Ah, e como não poderíamos deixar de comentar o polêmico bigode… É de longe a pior coisa do filme. Caso não saibam, Henry Cavill gravou algumas cenas novas do Superman usando um bigode que contratualmente era proibido de ser raspado, dado o compromisso do ator com o vindouro Missão: Impossível 6, da Paramount, e que forçou a equipe de efeitos visuais a removê-lo digitalmente. O resultado é simplesmente catastrófico, e vergonhoso de se olhar. Em diversos momentos, a boca de Cavill parece inchada e aumentada, sendo possível identificar o que é refilmagem e o que não é através do rosto deformado do ator. Assustador, e ainda mais artifical do que qualquer tomada envolvendo o Lobo da Estepe. Só espero que ao menos um dia tenhamos a imagem de um Superman de bigode vindo a público, porque mais ridículo do que essa barbearia digital, impossível.

Liga da Justiça é uma fera estranha. Tem problemas de ritmo e desenvolvimento em seu apressado primeiro ato, e também um dos piores vilões de quadrinhos que já vi na vida, mas compensa essas questões graças ao excelente entrosamento da equipe e a caracterização destes personagens icônicos. É uma experiência divertidíssima e que oferece um novo rumo para a DC, que parece mais interessada no otimismo e na exploração do heroísmo. Pela primeira vez em muito tempo, estou empolgado pelo futuro dessa editora.

Liga da Justiça (Justice League, EUA – 2017)

Direção: Zack Snyder
Roteiro: Chris Terrio e Joss Whedon, baseado nos personagens da DC 
Elenco: Ben Affleck, Gal Gadot, Jason Momoa, Ezra Miller, Ray Fisher, Henry Cavill, Jeremy Irons, J.K. Simmons, Connie Nielsen, Amy Adams, Diane Lane, Amber Heard, Ciarán Hinds, Billy Crudup, Joe Morton, Jesse Eisenberg
Gênero: Aventura
Duração: 121 min

Leia mais sobre DC Comics

Avatar

Publicado por Lucas Nascimento

Estudante de audiovisual e apaixonado por cinema, usa este como grande professor e sonha em tornar seus sonhos realidade ou pelo menos se divertir na longa estrada da vida. De blockbusters a filmes de arte, aprecia o estilo e o trabalho de cineastas, atores e roteiristas, dos quais Stanley Kubrick e Alfred Hitchcock servem como maiores inspirações. Testemunhem, e nos encontramos em Valhalla.

Um Comentário

Leave a Reply

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Liga da Justiça | Saiba quais as cenas dos trailers que não estão no filme

Deadpool 2 | Novo teaser traz cenas inéditas e o anti-herói em viral