Razão
Certos filmes crescem a partir do momento que passamos a descobrir, pouco a pouco, os acontecimentos de seus bastidores. Todas as complicações e alegrias vindas da produção inteira de uma obra de tamanha complexidade. Seja com as histórias absurdas e fantásticas vindas diretamente da nova Hollywood dos anos 1970 ou aqui, em uma obra considerada pequena diante de outros filmes que Walt Disney produziu ao longo de sua carreira sendo Mogli a última animação que teve seu envolvimento direto.
A concepção para uma animação baseada na obra de Rudyard Kipling veio de Bill Peet, um ilustrador parceiro de Disney desde A Branca de Neve e os Sete Anões. Tendo trabalhado em praticamente todos os longas animados de peso como Pinóquio, Dumbo, Fantasia, 101 Dálmatas, Peter Pan e Cinderela, Peet era uma figura de extrema confiança dentro do estúdio.
Porém, assim como Disney, Peet veria sua história no estúdio acabar também em Mogli. O motivo foi simples e compartilhado em suas memórias: divergências criativas. Peet fez diversosstoryboards para o filme, porém, sempre guiando a história para tons mais sóbrios, sombrios e reflexivos vindos diretamente do livro de Kipling. Incomodado pelo pouco envolvimento pessoal com projetos de longas-metragens e das críticas a 101 Dálmatas e A Espada era a Lei, Walt Disney decidiu intervir mais em Mogli.
Ao se deparar com a coloração sombria que seu filme estava tomando, imediatamente foi reclamar com Peet que permaneceu irredutível em relação as mudanças propostas por Disney. Nisso, após desenhar praticamente todos os storyboards da obra, Peet abandonou o projeto e também seu emprego no departamento de animação. Uma cisão que marcou história abalando o restante da equipe.
Entrando de cabeça no projeto, Disney orientou a produção inteira para formar uma das animações mais fantásticas de sua história. A guinada para o tom mais leve, divertido e muito livre da obra original foi feita assim como desejava Disney. Nisso os quatro roteiristas, principalmente Lerry Clemons, se dedicaram em tornar a aventura de Kipling menos fragmentada e burocrática. Simplificaram tudo ao máximo até dar origem a história que temos aqui.
De fato, eles pouco se preocupam em estabelecer algum backstory para Mogli, afinal os storyboards de Peet – sim, muitos foram mantidos por Disney mesmo depois da saída dele do projeto – já conseguem sugerir que Mogli é uma criança perdida graças a uma enchente que levou o barquinho onde estava até a floresta. Os indícios da tragédia só são sugeridos e nunca abordados de frente. Talvez por saber que já estava no fim de sua vida, Disney viu essa necessidade em deixar sua última obra com o tom mais leve possível.
O núcleo narrativo com os lobos, significativamente maior no livro, também é resolvido rapidamente. Há algum vislumbre de Mogli e sua felicidade em conviver com sua família de lobos. Apenas é avisado ao espectador, durante uma reunião do conselho da alcateia, que Shere Khan, um maligno tigre-de-bengala que odeia os homens, voltou para aquele território da floresta à procura de Mogli colocando em risco todos os lobos. Sem a consciência do garoto, Baguera o leva para uma caminhada com a intenção de separá-lo da alcateia.
Com o início da jornada até a aldeia dos homens, a aventura começa de vez. O caráter episódico realmente desaparece e as coisas acontecem com naturalidade a cada inserção de novos personagens abarrotados de carisma. Com todos, há cenas boas de desenvolvimento. Algumas se dão pelas tradicionais canções da Disney que sempre agregam mais para a narrativa do que até mesmo os diálogos.
Os personagens, em maioria servem como alegorias, fugindo do básico. Para a tropa dos elefantes do general Rathi, há certo contexto que sugere um veterano saudoso das tropas dos antigos tempos – Segunda Guerra e Guerra da Coréia, enquanto se comporta com novos recrutas desanimados. Se levarmos em conta o ano da produção de 1967 e com o fim da Guerra do Vietnã acontecendo somente em 1975, é possível depreender o que Disney queria dizer aqui. Até há a menção ao corte de cabelo “rebelde” de um dos elefantes até ser cortado por Rathi à escovinha, corte tradicional do exército. Também é possível interpretar a confusão da tropa como uma boa metáfora à ocupação inglesa na Índia que só veio a terminar em 1947, vinte anos antes de o longa ser lançado.
Esse pequeno núcleo narrativo é onde os roteiristas passam a desenvolver Mogli apropriadamente, se não considerarmos o breve diálogo que ele tem com Baguera após partir de sua casa. Mogli então, ainda sem entender o que é ser um humano, passa imitar outros animais. Isso ocorre durante o filme inteiro, mas é mais explícito com os elefantes, com Balu e na sequência do Rei Louie.
Aparecendo sem a menor cerimônia, espontaneamente, surge o melhor personagem do longa, o simpático urso Balu. Ao contrário de outras obras como O Cão e a Raposa, Reitherman e os roteiristas conseguem imprimir rapidamente essa forte união entre Mogli e Balu inferindo até mesmo uma mensagem bonita sobre adoção. Na possivelmente melhor canção de uma trilha musical fantástica, eles bolam um divertido jogo onde Mogli tenta imitar as ações de Balu, mas nunca conseguindo ser bem-sucedido graças as diferenças naturais entre os dois: pele, força e peso.
Neste roteiro, Mogli tem suas decisões mais respeitadas por Baguera que não insiste em levar o garoto embora depois que Balu o adota. Aliás, Baguera pouco insiste em praticamente a tudo em relação a Mogli, porém o sentimento de compromisso é sempre presente para socorrer o garoto. É bem verdade que o filme praticamente joga a pantera em escanteio a partir do momento que Balu surge, algo que considero bem adequado visto a energia e presença de cena que o urso possui.
Logo depois do discurso do desapego e livre de stress que Balu prega, evocando o modo de vida descompromissado, Mogli é sequestrado pelos macacos. Então, pela primeira vez, Balu é confrontado com a responsabilidade. Sem reação, ele clama ajuda de Baguera. Isso é importante destacar, pois é o primeiro dos três momentos definitivos da evolução de Balu ao longo do filme – é um cerne deveras profundo e emocionante do longa.
Chegando ao templo abandonado onde o Rei Louie vive, Mogli tenta se adaptar mais uma vez a um novo ambiente. Somente neste trecho, há a menção ao fogo, um elemento que Kipling marreta no livro inteiro com o nome de “flor vermelha”. Algo que Mogli nunca tinha visto em sua vida. O interessante disso é que a motivação de Louie é extremamente perversa e genocida – novamente, estamos falando do século XX, um dos mais violentos de nossa História e, além disso, Rei Louie é um personagem original do longa animado. Louie quer o fogo para dominar a floresta, representar uma ameaça a todos os animais refletido também pelo desejo de se “transformar” em homem – ainda que seja no sentido figurado a partir do momento que ele dominaria o fogo. Entretanto, é interessante como o orangotango tem essa motivação autodestrutiva em sua conquista insana e narcisista, exatamente como nós, homens. Sem saber, o macaco já tinha virado Homem com seus pensamentos torpes.
Já tive esse tipo de percepção sobre as entrelinhas muito inteligentes que Disney colocava em seus filmes, principalmente com Dumbo. Ainda acho um exercício maravilhoso ver como nosso olhar acerca desses filmes mudam tanto conforme ficamos mais sábios. Mogli é um filme extremamente presente na minha infância, eu amava cantar Somente o Necessário e ver Rei Louie cantando Quero ser como você e dançando junto de Balu. No alto de minha inocência, se tratava apenas de uma canção muito divertida e de personagens carismáticos, alegres e cheios de vida. Que realizador genial. Uma perspicácia em tornar seus filmes atemporais que pouquíssimos mestres têm.
Ainda na sequência de Rei Louie, Balu falha em ser responsável. Se encanta pela canção dos macacos e coloca em risco a segurança de Mogli. Porém, com tudo dando certo no final, seguimos para a cena onde ocorre a segunda vez onde o urso é confrontado por Baguera que insiste para que Mogli retorne à vila dos homens. Esse segmento não é nada menos que genial, além do teor do diálogo ser bastante denso envolvendo diversas problemáticas. Mas também quando Balu, de acordo com Baguera, vai conversar com Mogli para trazer as más notícias.
Nessa cena, Reitherman e os animadores acertam em cheio ao apostar nos contrastes da animação de Mogli e Balu. O garoto está todo agitado e feliz em viver como um urso, achando a vida do somente o necessário a melhor coisa que poderia lhe acontecer, pulando pelo cenário caçando uma borboleta e estampando um belo sorriso. Já Balu anda com passos lentos, gesticula com melancolia e desespero, seu rosto é cheio de expressões que buscam a coragem necessária para contar algo que sabe que partirá o coração do menininho. Essa é a primeira transformação de fato onde Balu age sozinho com responsabilidade, ainda que impulsionado por Baguera.
A transformação na atmosfera da linguagem corporal dos dois é sentida a partir do momento que Balu finalmente confronta Mogli que foge para a floresta. Talvez, nessa parte, o filme perca um pouco de sua força costumeira. Nas três cenas que constituem nesse segmento, Mogli se sente abandonado e sozinho, é quase comido novamente por Kaa – a cobra carismática cheia de sinusites e de olhares hipnotizantes – Baguera e Balu pedem ajuda para a tropa de Coronel Hathi – um arco que é logo esquecido, mas que finalmente introduz Shere Khan. O antagonista é excelente, ainda que receba pouco tratamento no roteiro bastante expositivo, porém os diálogos, a malícia expressada por suas caras e bocas, o design de corpo esguio com patas corpulentas repletas de enormes garras e o trabalho de voz impecável de George Sanders tornam esse personagem absolutamente poderoso, vivo em nossa memória.
Sensibilidade
Nisso, Mogli volta a tentar ser bicho, pela última vez, dentro de um subtexto absolutamente sinistro com os abutres, uma sequência que antecede o clímax do longa. O quarteto de abutres que funcionam como um barbershop quartet foram feitos inicialmente com a intenção de serem dublados pelos Beatles figurando em um número músical de rock, porém os planos de Disney morreram assim que John Lennon recusou com um simplório “não”. Acertadamente o núcleo dos abutres foi mantido. Eles injetam nova vida ao filme quando Mogli está completamente triste e sem a menor identificação com ninguém.
As aves puxam a canção para tentar animar o garoto, mas a letra é genial, pois toca temas como a morte, a solidão e a alimentação deles mesmos. Na versão dublada, a adaptação é ainda melhor – aliás de todas as canções, foi um trabalho excepcional que marcou história da dublagem nacional. Eles dizem que são os amigos de todos vós, na solidão, eles alegram o coração de todos, uma fina ironia. Se está perto do fim, com o sofrimento atroz, quem vem são eles. Quando não há nenhum dos seus, a vida vem dizer adeus, eles não recusam animal nenhum. Se ele por acaso perder a voz, quem vem são os abutres. Colocar um número musical com essa letra, dentro do contexto de tentar alegrar Mogli sugerindo a iminência de sua morte – Shere Khan encerra a canção dos abutres, é algo de riqueza e sensibilidade cinematográfica digna de aplausos.
No clímax, com o confronto de Shere Khan, tanto Mogli quanto Balu, finalmente se transformam em definitivo. Balu, dessa vez completamente sozinho e agindo por conta própria, defende o garoto ao lutar com o tigre, quase morrendo no embate – altruísta e responsável deixando sua filosofia de vida de lado por um momento. Já Mogli, abraça a humanidade ao manipular o fogo pela primeira vez, porém agindo a favor de seu amigo amarrando o arbusto em chamas na cauda de Shere Khan que foge, aterrorizado. Em mais um jogo de cena inteligente, Reitherman consegue tirar o clima sombrio e pesado da morte de Balu com Baguera declamando um discurso em memória ao sacrifício do urso que acorda em meio a isto tudo e fica escutando as belas palavras de Baguera. Assim o diretor rapidamente abandona o único momento verdadeiramente triste do filme com muita organicidade.
O final clássico também mantém o tom leve, cômico do filme. Com Mogli sendo conquistado por sua semelhante: uma garotinha misteriosa que se interessa pelo garoto que se torna, enfim, humano. Uma jornada completa e quase livre de falhas. Mas não é somente o bom roteiro que brilha aqui. Mesmo com orçamento limitado por conta do fracasso comercial de A Espada era a Lei, Disney diminuiu o contingente de profissionais. De quarenta animadores, sobrou um time de cinco mestres de longa data para fazer todas as animações dos bichos.
Para a sorte deles, Wolfgang Reitherman foi o escolhido para dirigir o filme e, graças as técnicas de reciclagem de animações de outros filmes e também do próprio projeto, os animadores tiveram uma carga menos avassaladora de trabalho. Além de ser um diretor muito mais contido na já muito limitadas movimentações de câmera em desenhos tradicionais. Em diversas passagens do filme é perceptível como Reitherman repete as dancinhas alegres de Mogli ao bater palmas e se chacoalhar de lá e para cá ou com a exata mesma sequência para as duas cenas com a tropa do Coronel Rathi. Ou até mesmo com animações vindas de 101 Dálmatas. Porém nada tira o brilho e dedicação deles ao estudar a movimentação de felinos para animar Baguera a Shere Khan – aliás, com toda a graciosidade, além de conferir o peso necessário em seus passos. Com Balu, muita coisa é artificial, porém há um empenho notável em detonar tantas expressões sejam corporais ou faciais em todos os personagens. É uma gama vasta de refinamento vindo de anos de experiência dentro dos estúdios Disney que talvez tenha marcado o ápice da carreira desses animadores.
Diversas sequencias de dança contam com animações complexas como a de Balu com o Rei Louie, além dos outros personagens que preenchem o cenário no momento da canção. Porém nada impressiona mais do que a movimentação de Kaa em sua sessão de hipnose contra Mogli. A cobra se transforma em diversos caminhos onde Mogli anda incessantemente até ser envolvido completamente pelo abraço mortal dela.
Fora do campo das animações, os artistas de background também brilham com diversas composições exuberantes e paradisíacas para ilustrar a floresta onde Mogli vive. Tudo cheio de vida, cor e energia. Apenas durante a clímax que o cenário se torna estéril, junto com o estado de espirito derrotista do menino naquele momento.
Reitherman também aborda vertentes do pensamento “russeauniano” sobre o bom selvagem com Balu e Mogli. A comédia é quase sempre trabalhada na base do slapstick, além de vibrações cômicas geradas pelo sempre presente michey mousing e outras sincronias da trilha original composta pelo subestimado George Bruns que também tem em Mogli, possivelmente, o ápice artístico de toda a sua carreira.
Atente que não estou comentando das canções originais, mas sim sobre a trilha musical que permeia o filme inteiro com melodias singelas que se tornaram clássicas com a idade. Ao contrário de muitas trilhas contemporâneas, muito espalhafatosas e enormes, Bruns opta por manter sua música bem calma, nada intrusiva, casando organicamente com a imagem. Os temas são maravilhosos, desde a abertura até Jungle Beat ou Baby. Os tons melódicos se baseiam firmemente nos harmoniosos instrumentos de sopro – Bruns é proficiente em Jazz Dixieland. Mesmo se sustentando bastante com tubas, trompetes e saxofones, o compositor quase sempre deixa a melodia a cargo de flautas doces. A vertente clássica aparece bastante com violinos chorosos para temas de apoio dramático juntamente com as flautas, mas ele não limita sua música e seus instrumentos em ritmos morosos. Também em sequências de ação a música passa por transformações naturais e bem características dos desenhos dos anos 1940 de Disney, Bruns sabia como agradar seu chefe ao fazer sua música contar histórias por si mesma.
Com seu trabalho impecável na trilha musical, Bruns ainda consegue fazer algo genial e totalmente por sua conta, sem a orientação de Disney. Se repararmos bem, em diversos temas, há sempre um conjunto melódico que é apresentado em sua totalidade quando Mogli conhece a garotinha no lago. A canção se chama My own Home que ela canta enquanto conquista Mogli. Ao inserir essa melodia tão bem outros temas, ele já passa a construir um presságio da conclusão da jornada do menino. Como se a música estivesse o atraindo para um só destino, marcando presença em tantas passagens no filme. É muito legal notar esse esforço de Bruns para amarrar tão bem o filme não só no texto, mas também em sua trilha musical – algo raríssimo que só compositor românticos e clássicos como Williams e Steiner se preocupam em fazer.
Não apenas a trilha de Bruns marcou história. Mogli é considerado um dos filmes Disney com a melhor cartela de canções originais. As composições são imortais: Bare Necessities, Trust in Me, Colonel Hathi’s March, I Wanna Be Like You, That’s What Friends Are For e My Own Home. Todas têm seu próprio brilho único e carregam histórias fantásticas de bastidores, mas só vou me concentrar em apenas duas.
As canções foram compostas originalmente por Terry Gilkyson, porém, também influenciado pelo trabalho de Peet, o músico seguiu uma linha muito sóbria para as canções – algo que deixou Disney ainda mais descontente. Disney queria se livrar de todas as canções que ele tinha escrito, porém a equipe resistiu e tentou convencê-lo de manter ao menos uma, pois era absolutamente fantástica. Esta canção era The Bare Necessities, no Brasil, Somente o Necessário. Justamente a única canção do longa que foi indicada ao Oscar e também responsável em penetrar na memória afetiva de tantas pessoas. Uma peça musical vital para o establishing de Balu, muito bem arranjada com vida por Bruns, além de contar com a letra contagiante que não sai da nossa cabeça – fora o trocadilho de Bare com Bear. Muitos anos mais tarde, Somente o Necessário foi inspiração direta para Elton John compor Hakuna Matata.
Com 90% do trabalho de Gilkyson no lixo, Disney foi atrás dos irmãos Sherman, artistas que já haviam colaborado em outros projetos do estúdio, além de serem protegidos pela afeição do produtor. Disney enfatizou que precisava de canções mais felizes e divertidas. Dito e feito. Com essa mistura fenomenal de Gilkyson com os lendários irmãos Sherman, Mogli se tornou um dos filmes com o melhor rol de canções da História do Cinema.
Fugindo do normal para a criação das canções naquela época, os Shermans começaram a escrever enquanto o filme já estava sendo produzido. Conhecendo o roteiro e colaborando de perto, as canções encaixaram perfeitamente nas cenas. Novamente, o maestro Bruns fez o arranjo voltado para o jazz muito claramente em I Wanna Be Like You. O que colabora ainda mais para essa forte pegada para o jazz foi a escolha ousada de Disney ao escolher os talentos para as vozes de Balu e Rei Louie.
Ao contrário de hoje, não era nada comum escolher artistas conhecidos como atores de telenovelas, músicos, radialistas ou jornalistas para dublar desenhos até Mogli. Escolhendo duas figuras muito famosas, carismáticas e talentosas por serem exímios músicos de jazz, Disney deu a Phil Harris o personagem de Balu e Rei Louie para Louis Prima. A dublagem como sempre é da mais alta finesse estética e profissional, porém provou ser um acerto escolher os dois já que as canções mais impactantes também foram cantadas por eles. Há inclusive uma foto histórica de Louis Prima e sua banda tocando I Wanna Be Like You em um grande ginásio dentro dos estúdios tentando fazer o pitch para a escolha do papel. As onomatopeias que Rei Louie e Balu cantam vem diretamente do improviso musical já característico de Prima.
Já Phil Harris pediu permissão para improvisar diversas de suas falas. Reitherman, concordando que as frases de Balu soavam mesmo artificiais, deu sinal verde ao ator. Novamente, o resultado é exemplar. Balu é Harris. A maioria dos diálogos foi completamente improvisada por Harris, um trabalho original que influenciou todas as redublagens que o filme sofreu ao ser exportado pelo mundo.
A excelente dublagem brasileira foi refeita recentemente para o lançamento do blu ray nacional. É inegável que há sim certa perda de qualidade do trabalho feito há décadas com as vozes de Alberto Perez, Luiz Motta, José Moraes Neto, Roberto Maya e Magalhães Graça. Não se trata apenas de saudosismo mesmo que eu tenha crescido com a tão excelente dublagem clássica cheia de personalidade. A nova dublagem, cujo elenco não possuo em mãos para listar, é muito boa. O novo Balu ainda se inspira muito no talento de Perez e a versão de Quero Ser Como Vocêdessa nova dublagem é muito superior à antiga. De resto, boa parte da essência é mantida, há sim dedicação em entregar um serviço à altura, as emoções dos personagens são sentidas e relevantes ao contrário do que aconteceu no trabalho nacional do remake dirigido por Jon Favreau. Mesmo excelente, a nova dublagem levará algum tempo para ficar mais natural para quem já havia escutado à original.
Mogli: O Menino Lobo é um dos melhores clássicos que Disney fez em sua vida mesmo contando com tantas limitações de valor de produção e problemas em sua longa produção de três anos. Dizer muito com tão pouco certamente é um talento mágico que envolve a maioria das produções que Disney nos trouxe tanto em vida quanto na morte, afinal até hoje há longas animados formidáveis. Nesse seu atestado de mensagem altruísta, repleta de vida, cor, movimento e emoção, Disney se despediu de seu público, amigos e colegas de trabalho da melhor maneira possível.
Na première do filme, a enfermeira que acompanhou Disney até seus últimos momentos de vida no hospital puxou Wolfgang Reitherman, na época o novo cabeça do estúdio, para lhe fazer uma confissão em meio a calmas lágrimas. Ela disse que o final do filme com Balu e Baguera caminhando em direção ao pôr do sol cantando e dançando era exatamente como Disney iria se despedir de todos: somente com o necessário para alegrar gerações a fio, realizando sonhos e indo embora, feliz, deixando a vida seguir seu rumo.