Apesar de já ter uma carreira estabelecida um pouco antes, James Gunn só se tornou um nome conhecido do grande público após o sucesso dos dois filmes de Guardiões da Galáxia, na Marvel Studios. Mas aqueles que já haviam assistido a filmes como Seres Rastejantes ou a comédia Super certamente sabem que o estilo de Gunn era muito mais sombrio e delinquente do que uma franquia dominada pela Disney seria capaz de permitir – apesar de piadas de ejaculação terem passado pelas entrelinhas. Por isso, quando Gunn se aventurou na DC com seu irreverente O Esquadrão Suicida, era como vê-lo abraçar seu passado sem vergonha nenhuma – mas trazendo habilidades que o amadureceram como diretor, sem dúvida.
E antes mesmo do filme ser lançado nos cinemas e na HBO Max, uma série derivada já estava confirmada, só ilustrando o nível de confiança da Warner Bros no cineasta. Dessa vez, Gunn sairia explorar mais sobre o detestável (mas carismático) anti-herói Pacificador, que ganha agora 8 episódios protagonizados por John Cena. Mantendo a linha de humor sarcástico e escatológico do filme de 2021, com uma surpreendente dose de desenvolvimento emocional, esta primeira temporada de Pacificador é um grande acerto.
A trama começa após os eventos de O Esquadrão Suicida, com um debilitado Christopher Smith (Cena) se recuperando e voltando ao manto do Pacificador. Ele é imediatamente contatado por Emilia Harcourt (Jennifer Holland) e John Economos (Steve Agee) para trabalhar novamente para Amanda Waller (Viola Davis), que monta um pequeno grupo que inclui o determinado Clemson Murn (Chukwudi Iwuji), a insegura Leota Adebayo (Danielle Brooks) e o maníaco Vigilante (Freddie Stroma) para deter o que eles imaginam ser uma terrível invasão alienígena na Terra.
Simpatia pelo diabo
O grande desafio nessa primeira temporada de Pacificador é justamente em relação a seu protagonista. Sua participação no filme de 2021 era bem pontual e, deliberadamente, de uma nota única. Ele serve como um escape cômico e sarcástico, e fiquei imaginando como seria uma série inteira para explorar um personagem tão desprezível. A escolha de Gunn é a mais óbvia, mas nem por isso menos difícil: a redenção. A cada episódio que avançamos, o passado e o contexto onde Christopher Smith se encontra é revelado, e por mais que possa parecer piegas ou forçado no papel, a execução impressiona. Com seu talento único para encontrar mascotes animais e temperar emoções com uma ótima trilha sonora incidental, Gunn consegue tornar o desprezível Pacificador em uma figura pela qual podemos torcer e até simpatizar.
Não que o Pacificador seja um sujeito 100% decente, claro. Grande parte da diversão e as risadas intensas da série vem com os momentos onde, ainda mais do que em O Esquadrão Suicida, Gunn explora o humor ácido e irreverente de seus personagens. A maioria deles vem das trocas hilárias entre Smith e o personagem do Vigilante, que o excelente Freddie Stroma enche de um carisma magnético e uma persona que equilibra perfeitamente bem a psicopatia com a insegurança: é um nerd tímido e com toque de celular da Barbie que, vestido de algo parecido com um Power Ranger, se torna uma máquina de matar implacável e eficiente.
O Vigilante é só a ponta do iceberg, apesar de ser a mais interessante. A série pega a velha dinâmica de montar uma equipe clandestina, trazendo de volta os personagens de Holland e Agee em uma capacidade muito maior, com mais arcos, tiques e detalhes que certamente os tornam figuras carismáticas – e até com ótimas cenas de ação, como é o caso de Holland. Mas é realmente surpreendente acompanhar o arco de Adebayo, que a carismática Danielle Brooks se esforça para tornar muito mais do que “a estagiária novata”, garantindo momentos pontuais de ternura e comédia.
O ótimo Chukwudi Iwuji fecha o grupo como o sensato Murn, que carrega um dos segredos mais interessantes de toda a série e, junto com a águia ladra de cenas Eagly, formam uma equipe sempre divertida de se acompanhar – e o lindíssimo momento ancorado pela canção “House of Pain” é quando definitivamente nos envolvemos totalmente com eles.
Mais sujos do que o mal lavado
Não menos importante, um dos arcos mais fundamentais de Pacificador é aquele envolvendo o pai do protagonista: Auggie Smith, vivido pelo eternamente T-1000 Robert Patrick. E o astro certamente faz um antagonista bem mais odiável do que o robô de metal líquido de O Exterminador do Futuro 2, já que Smith é um ex-vilão neonazista conhecido como Dragão Branco, o que é um dos catalisadores para o grande arco de redenção do Pacificador. Patrick não poupa nos insultos racistas, ofensas homofóbicas e orgias com skinheads, e potencializa ótimos momentos com Cena; que já sabíamos ser um ótimo comediante, mas cujo arco com Patrick acaba revelando-o como um formidável ator dramático, com destaque para um impressionante momento no penúltimo episódio.
E lembrando de Seres Rastejantes, algo que já havia sido evidenciado em O Esquadrão Suicida, é o fato de James Gunn ser fascinado por nojeiras. A ideia de colocar uma invasão alienígena aos moldes de Os Invasores de Corpos é muito bem vinda, especialmente pelo clima de paranoia e desconfianças, e toda a nojeira gore que a série oferece com as “borboletas”, pequenos parasitas que se infiltram nos corpos humanos e veneram uma terrível e horrorosa entidade gigante. Tudo isso com a pegada pop de Gunn, que orquestra uma montagem primorosa dos alienígenas se reunindo ao som de “Monster” do Reckless Love, oferecendo doses de “badass” com caminhadas em direção a câmera, mas também de absoluto terror com os sorrisos sinistros dos humanos possuídos.
Naturalmente, Pacificador não tem a escala e o orçamento de um longa milionário como O Esquadrão Suicida, mas a série usa isso a seu favor. Grande parte dos diálogos são entregues em cenas com carros, reforçando o caráter road trip no interior caipira dos EUA, e as cenas de ação são bem mais físicas e violentas; sobressaindo-se quando envolvem lugares apertados, ou os mais inusitados tipos de oponentes contaminados por aliens: ver John Cena de cueca lutando contra uma stripper, ou a fúria intensa do baixinho Mestre Judoca (um impagável Nhut Le) garante ótimos momentos.
Quando o gore entra em cena, o resultado é ainda mais impactante, especialmente quando o Dragão Branco e seus capangas enfrentam o personagem titular ou a própria batalha final, com direito a um escudo que deixaria o Capitão América enciumado e até algumas aparições de luxo.
Dê uma chance à paz, car#@$@!
Com oito episódios que passam voando em um ótimo ritmo, que certamente fica melhor à medida em que chegamos próximo do fim, Pacificador é uma das melhores séries de super-heróis lançadas recentemente. Faz um trabalho surpreendentemente maduro e engraçado na medida certa com um protagonista incomum, mas sai do outro lado com uma história sólida, personagens de apoio carismáticos e uma trama alienígena deliciosamente grotesca. Que venha a segunda temporada!
Pacificador – 1ª Temporada (Peacemaker – Season 1, EUA – 2022)
Showrunner: James Gunn
Direção: James Gunn, Brad Anderson, Jody Hill, Rosemary Rodriguez
Roteiro: James Gunn
Elenco: John Cena, Jennifer Holland, Danielle Brooks, Freddie Stroma, Chukwudi Iwuji, Steve Agee, Robert Patrick, Annie Chang, Lochlyn Munro, Dee Bradley Baker
Gênero: Comédia, Ação
Streaming: HBO Max
Duração: 40-50 min
Episódios: 8
Estudante de audiovisual e apaixonado por cinema, usa este como grande professor e sonha em tornar seus sonhos realidade ou pelo menos se divertir na longa estrada da vida. De blockbusters a filmes de arte, aprecia o estilo e o trabalho de cineastas, atores e roteiristas, dos quais Stanley Kubrick e Alfred Hitchcock servem como maiores inspirações. Testemunhem, e nos encontramos em Valhalla.