Carregando o peso de representar a versão cinematográfica de uma marca extremamente bem-sucedida no mercado de jogos, Um Filme Minecraft chega agora aos cinemas em uma mistura levemente caótica entre uma comédia pastelão e um “vídeo-demonstrativo” das qualidades do universo Minecraft conhecido por seus fãs.
Lançado em 2011 pela Mojang, Minecraft revolucionou os jogos “sandbox” – onde a liberdade dos jogadores é bastante ampla – com sua mecânica de construção e exploração em mundo aberto. Criado por Markus “Notch” Persson, o jogo permite aos jogadores coletar recursos, construir estruturas e sobreviver a ameaças em um ambiente gerado matematicamente. Seu visual pixelado e liberdade criativa cativaram milhões, tornando-se um fenômeno global. Em 2014, a Microsoft adquiriu a Mojang por US$ 2,5 bilhões, expandindo ainda mais a franquia.
O fato é que o sucesso estrondoso do Barbie de Greta Gerwig consolidou a certeza (eventualmente duvidosa) de que é possível adaptar “qualquer coisa” para uma forma cinematográfica e tirar disso algo que mesmo remotamente possa ser chamado de “filme”. Não será surpresa caso nos próximos anos a indústria expanda o conceito e passe a adaptar (sic) produtos como detergentes e chocolates como versões narrativas de duas horas de duração.
O mais preciso seria encontrar um novo nome para um produto como Um Filme Minecraft, um híbrido entre o que seria um filme em seu sentido tradicional e um conjunto de “demandas” de mercado visando a um público específico, que vai ao cinema menos interessado numa obra de arte (sic) e mais em tirar a prova se o filme é fiel a princípios de um universo que pouco (ou nada) tem a ver com cinema.
A pergunta que rapidamente aparece num caso como este é: o “filme” resultante dessa operação (financeira) funciona também para quem – como audiência comum – compra um ingresso e quer assistir a um “filme” propriamente dito?
O complicado equilíbrio entre comédia e ação de videogame
O diretor escolhido para resolver esse “problema” foi o talentoso (embora de carreira esparsa) Jared Hess, mais conhecido pelo novo clássico da comédia Napoleon Dynamite, um filme bastante original em seu olhar arguto sobre as manias e tipos do subúrbio norte-americano – além de tornar conhecidos atores de talento como Jon Heder e Jon Gries (atualmente na terceira temporada de The White Lotus e de alguma forma conservando o olhar oblíquo do Tio Rico de Napoleon).
Hess trouxe de outro filme seu (o também divertido Nacho Libre) o eterno cabotino Jack Black, que aqui interpreta Steve, um apaixonado por explorações que eventualmente penetra o universo Minecraft e estabelece uma ponte entre o mundo de fantasia e o real. Neste último, acompanhamos a desventura de Garrett (Jason Mamoa), uma subcelebridade dos anos 1980 que vive de compras em leilão enquanto tenta manter sua loja de videogames aberta. Ele eventualmente adquire um artefato mágico que pertencera a Steve e, acompanhado por três outros desajustados, é conduzido ao universo Minecraft, de onde tentarão retornar para casa – não sem antes enfrentar uma série de perigos e desafios que compõe o imaginário do próprio jogo.
O que temos então é o seguinte: de um lado, Hess tenta fazer o que sabe de melhor (o retrato de personagens desajustados, para os quais dedica um olhar que vai do cinismo ao afeto num equilíbrio que é, ao mesmo tempo, divertido e levemente perturbador); de outro, ele precisa abranger uma infinidade de regras, referências e toda a mitologia que diz respeito ao jogo Minecraft – e que é, para quem não entrou na sala de cinema como um aficionado, uma baboseira que pouco ajuda o desenrolar da trama.
Filme se esforça em envolver o público que não conhece o jogo original
O problema da “moldura” (que o filme até mesmo assume num prólogo explicativo e atabalhoado) se exemplifica no personagem de Jennifer Coolidge, a vice-diretora do colégio que parece uma peça defeituosa do universo, estabelecendo uma subtrama que tenta (sem grande sucesso) integrar o lado “jogo” ao lado “filme” e que termina como uma peça sobressalente, quase esquecida.
Se apostasse mais no universo de Jared Hess (que se materializa, por exemplo, na hilariante sequência do foguete no começo da trama) e menos em ilustrar qualidades do jogo Minecraft, o resultado final seria melhor como cinema propriamente dito. Mas aí certamente frustraria a comunidade Minecraft, com as inevitáveis consequências em termos de marketing. Logo, o que resta ao diretor é aceitar a correria e eventualmente pingar um pouco de seu estilo na dinâmica entre os personagens.
Como uma diversão ligeira, Um Filme Minecraft acerta na duração curta, no bom elenco e no caráter um pouco caótico na condução da trama estapafúrdia. Como cinema, seria bem melhor se não tivesse todo um “contrato cheio de cláusulas” a atender. Mas exigir isso seria exigir uma total reformulação da indústria do entretenimento tal qual ela se apresenta em 2025. E isso seria pedir demais de um filme cujo diretor é famoso por uma comédia tão descompromissada (mas ao mesmo tempo, tão criativa) quanto Napoleon Dynamite.
Cineasta, roteirista e colaborador esporádico de publicações na área, diretor do documentário “O Diário de Lidwina” (disponível no Amazon Prime e ClaroTV), entre outros.