Crítica | A Forca
O terror talvez seja o gênero mais frágil de algumas das artes, tanto na literatura quanto no cinema. Ele é fácil de replicar, construir e elaborar, assim como é ainda mais fácil de criticar, destruir e cair no esquecimento rapidamente. Qualquer proposta de argumento, por mais ruim que seja, pode transformar-se em um roteiro em potencial. Este A Forca é o melhor exemplo disto. Ele escancara como o gênero está banalizado, um efeito que se agravou muito depois da comercialização do formato found footage. As produtoras descobriram uma mina de ouro com o filme que revitalizou o subgênero, Atividade Paranormal. Algo extremamente barato de se produzir que traz um retorno gigantesco. É difícil perder dinheiro com produções como esta.
No caso de A Forca, os diretores e também roteiristas Travis Cluff e Chris Lofing, trabalham em algo que poderia se aproximar de uma lenda urbana. O filme inicia com uma gravação cheia de rabiscos exibindo a peça The Gallows que os alunos do ensino médio da escola local preparam. Porém, no clímax da peça, algo dá terrivelmente errado. Um aluno, Charlie, morre enforcado acidentalmente na forca construída especialmente para a peça.
20 anos depois, algum professor teve a brilhante ideia de encenar novamente a peça tabu. Porém, o aluno selecionado para atuar o mesmo personagem que era de Charlie, é simplesmente um péssimo ator. Seu amigo, Ryan, forma um plano para poder livrar Reese da maior vergonha de sua vida. Na noite que antecede a estreia da peça, Reese, Ryan e sua namorada, Cassidy, invadem o auditório onde o cenário está montado com o intuito de destruir a peça e cancelar o evento. Porém, após algum vandalismo, algo dá terrivelmente errado. O fantasma de Charlie os amaldiçoa e passa a persegui-los por tentarem destruir a peça. Aquela fatídica noite se torna o pior pesadelo imaginável para os três personagens.
Com a sinopse, deve ter dado para perceber que A Forca seria uma excelente história que um adolescente bêbado contaria para seus amigos durante uma noite fria em qualquer acampamento meia boca. Porém, como filme, essa proposta se torna risível exatamente por nunca justificar sua mitologia ou tentar ser algo próximo do racional – inclusive no modo de filmar.
De início, o espectador é obrigado a acompanhar os oitenta minutos de projeção com os personagens mais irritantes que já tive o desgosto de conhecer quando se trata de filmes de terror. Todos baseados em estereótipos que já foram explorados exaustivamente. Os personagens, histéricos, simplesmente não acrescentam nada, a empatia torna-se impossível. Apenas cumprem seu propósito para divertir o sadismo do público.
Sobre a história, ele infelizmente tropeça por jogar as coisas na tela sem alguma preocupação em estabelecer algum firmamento antes. Por exemplo, nunca é justificado porque estão encenando novamente uma peça que já trouxe muitos problemas para a escola. Já outras, beiram o ridículo. Quando os personagens resolvem destruir o cenário, eles têm a brilhante ideia de chutar algumas plantas que configuram a decoração do lugar. Essa encenação chega a ser cômica, pois as plantas apenas se espatifam no chão, mas nem chegam a quebrar os vasos.
Os dois roteiristas também precisam entender que os filmes found footage em geral exigem um bom trabalho de diálogos. Aqui os diálogos somente passem a atingir o nível do aceitável quando o terror realmente começa. Os vinte minutos introdutórios são sofríveis pelo amadorismo da escrita e também por se centrar a verborragia no ator mais fraco do filme – Ryan Shoos.
O único ponto positivo do texto da dupla é a reviravolta final – algo bem característico de contos de terror que postam na internet, mas que ainda não fora explorado apropriadamente pelo cinema.
Já na direção, a dupla se sai melhor, porém é bom lembrar como o conceito do found footage é extremamente funcional para o terror. Com a transferência da perspectiva para a primeira pessoa, o estresse e o medo de toda a encenação proposta por esses filmes tornam-se muito mais eficientes, pois o espectador não está mais na posição privilegiada da terceira pessoa acompanhando tudo com distância. Nesse caso, o terror é palpável, algo capaz de nos atingir. Ou seja, é algo fácil criar a tensão almejada com esse formato.
Pois é justamente isso que os dois fazem muito bem. Eles assimilam a linguagem do formato de modo competente – não há dúvidas disso. Alguns enquadramentos bem ensaiados e muitos movimentos lentos de câmera configuram a tensão crescente na cena. Mas é somente isso, a atmosfera que aterroriza. O design de produção é excelente em conseguir tornar os corredores abandonados, as salas e outras localidades da escola em cenários completamente aterrorizantes com poucos elementos. A fotografia também auxilia bem ao trabalhar com poucos pontos de iluminação de cena – o melhor exemplo é a bela modelagem, falseada obviamente, da luz vermelha que inunda uma escadaria enquanto um personagem está em prantos.
Com essa boa antecipação e criação de atmosfera, os dois diretores começam a falhar quando resolvem simplesmente destruir essas características. Isso ocorre, pois em diversos momentos, eles reiteram a cena com pontos de vista diferentes. Uma vez que os personagens se separam em breves momentos, eles decidem exibir o que aconteceu com cada um deles. Uma cena gravada com a câmera 1 acompanhando um grupo de personagens e depois outra gravada com a câmera de algum telefone celular de outro personagem. Porém, ao exibir o que aconteceu com o personagem x a partir desse ponto de vista, eles simplesmente destroem o terror que seria causado na cena seguinte.
É simples. Uma vez que o espectador tem ciência do que aconteceu, o mistério desmorona, e graças a falta de empatia com os personagens, ele também não liga para o que pode ocorrer com eles logo em seguida.
Eles também se firmam em muitas muletas de encenação que infelizmente são utilizadas em demasia pelos filmes de terror atuais. A maldita sonoplastia exagerada dos sons graves. Com o intuito de causar o incomodo na plateia, essa frequência de som é o sinal de que um susto está por vir. É chato observar isso, pois somente o silêncio já é suficiente para gerar a tensão com a encenação correta. Graças ao uso recorrente deste macete, o espectador já se prepara para o susto... Ou seja, não há o susto verdadeiro. Quando eles realmente conseguem assustar, trata-se apenas de jump scares. Sustos oportunos e gratuitos – famosos em vídeos idiotas do YouTube.
Afundando de vez seu terceiro ato, a partir do momento que se revela o espectro, toda a sensação de medo e insegurança vai embora. Isso acontece por causa do visual do personagem Charlie, o fantasma camarada. É simplesmente tosco. Uma fantasia de segunda mão do infame inimigo do Batman, Espantalho. Além disso, a encenação que envolve o personagem também não ajuda, pois ele sempre aparece em cena empunhando uma forca ao lado de seu corpo. Pela terceira vez que isso acontece, não é possível conter o riso – acredite, o resultado final é muito brega.
Não satisfeitos, os diretores mandam todo o trabalho pelos ares com a última cena do filme. A síntese do quão brega e ridículo este filme é.
A Forca é a síntese do que há de errado com o cinema de terror contemporâneo. Um ótimo marketing e um péssimo resultado final com o uso de diversas técnicas e formatos já dúbios do gênero que procura atalhos e fórmulas mágicas para o sucesso. O raciocínio estúpido de seus personagens, a verborragia intensa de Ryan no primeiro ato, a falta de empatia, o tosco antagonista clichê, a história que mal consegue se sustentar e a autodestruição completa de atmosfera são os responsáveis pelo fracasso que esse filme obteve tanto em crítica como em retorno de público.
Logo em seu início, há um diálogo no qual um personagem diz: - Uau, eles realmente fizeram um ótimo trabalho na Forca. Realmente, no adereço que enfeita o cenário, o trabalho é bem feito. Agora quando se trata do filme, esse elogio passou a anos-luz de distância.
De fato, uma excelente ironia.
P.S.: para quem não sabe, o infame joguinho Charlie, Charlie – similar com o jogo do compasso, que deixou escolas e pais em pânico e revelou o quão fácil é gerar uma histeria coletiva na sociedade, era a principal peça de divulgação do filme.
Crítica | O Franco-Atirador
Por onde andava Sean Penn? Um dos atores mais respeitados do cinema internacional desapareceu no ano de 2014 sem participar em nenhum lançamento. Fora que não é algo frequente ver o veterano atuar em muitos filmes. Entretanto, depois de ter visto a O Franco-Atirador, me perguntei “que raios levou ele a atuar em uma besteirada dessa? ”.
Certamente não tenho a resposta para essa pergunta e muito menos para a também clássica “Javier Bardem está nisso também?!”. Mas o que posso responder para você, co leitor, é que você já viu esse filme. Muitas e muitas vezes antes. O Franco-Atirador é mais um thriller de ação/espionagem/conspiração completamente genérico, mas com grandes nomes no elenco e conta até com o diretor inconstante Pierre Morel.
Um dos maiores problemas do filme é o roteiro escrito a seis mãos – sempre quando existem muitos roteiristas para uma obra só, o resultado de sair algo catastrófico é alto. Sean Penn, Pete Travis e Don Macpherson assinam essa adaptação da obra homônima de Jean-Patrick Manchette. Como não li a obra original, não posso afirmar com toda a certeza de que o roteiro é ruim por preguiça de roteirista ou se é porque o livro é ruim mesmo.
De todo o modo, o filme não te cativa de jeito algum. Nós acompanhamos a história de Terrier, um voluntário de uma ONG que socorre as vítimas da guerra civil na República Democrática do Congo. Terrier tem um romance com Annie, a médica da unidade na qual trabalha. Porém, o voluntariado do protagonista é apenas uma farsa. Ele na verdade é um mercenário de um grupo contratado para assassinar o Ministro das Minas do país.
Felix, líder do complô, apaixonado por Annie, ordena que Terrier dê o tiro certeiro para que suma do mapa. Anos após o assassinato, o mercenário começa a ser caçado vivo em uma clara tentativa de queima de arquivo. Desesperado, ele procura todos os seus recursos e amigos para descobrir quem está o caçando e isso incluí reaparecer na vida de sua ex-namorada, Annie.
Nessa história toda, o espectador com alguma bagagem cinematográfica conseguirá acertar todos os pontos essenciais e reviravoltas que o filme traz. Ser completamente previsível não é uma coisa que nenhum filme almeja. Porém, a previsibilidade não é um problema tão chato como os outros que existem aqui.
Logo no início, é possível perceber que Pierre Morel queria que seu filme fosse algo relevante. Quase uma denúncia social sobre a miséria africana. Em uma montagem de telejornais, o diretor joga diversas informações sobre caos, abusos, morte, fome etc que pairam sobre o país. Entretanto, depois de toda essa ênfase na África, o filme dá uma guinada para a Europa como se boa parte do primeiro ato não tivesse existido. Por exemplo, para resolver um conflito complexo quando caçam pela primeira vez Pierre, os roteiristas, depois do tiroteio, resolvem a cena com algumas ordens que o protagonista dá para seu assistente.
Voilà! Tudo está resolvido. O trabalho de caridade que o protagonista praticava some do mapa assim como alguns personagens. Não há problema largar algumas características para dar continuidade a narrativa, porém do modo que feito aqui, algo completamente apressado e superficial, chega a ser tosco.
Essas resoluções nada imaginativas dos conflitos se repetem durante o filme inteiro, infelizmente. Isso inclui a saída que Terrier encontra para culminar no clímax do longa – uma chantagem que nenhum veterano de um grupo de mercenários em uma missão ilegal faria, pois nunca seu superior cometeria um erro tão grotesco.
Fora isso, os personagens são mal construídos, porém o mais afetado é Felix, preso em um triangulo amoroso. O personagem de Javier Bardem é completamente bipolar. Um homem que é apresentado como racional e ardiloso para conseguir seus objetivos, alguém realmente perigoso, para então virar um bêbado covarde que age de modo completamente insano. E isso acontece de uma cena para outra.
Obviamente que a atuação de Bardem fica completamente prejudicada. O ator parece estar fora de tom em algumas cenas, mas não há como culpá-lo já que ele cumpriu o texto maluco, aparentemente.
Já Terrier, interpretado por Sean Penn, é um personagem de uma nota só e a atuação do lendário ator não ajuda muito. Sem fugir do clichê, ele é um matador nato, porém com diversos problemas de saúde – esses bem insossos já que o diretor do filme só sabe expressar imageticamente a dor que o personagem sente da mesma maneira em diferentes, e muitas, cenas.
O protagonista também é superficial, um homem chato, completamente desprovido de carisma e um tanto irritante em sua paranoia. Isso se deve muito pela atuação genérica de Sean Penn. O ator não tem boa presença em cena mantendo a mesma expressão praticamente no filme todo. Acredito que todos saibam como é difícil acompanhar uma história inteira quando o protagonista não te cativa de jeito algum.
Fora isso, Pierre Morel não inova em nada. A ação é igualmente chata com coreografias bem genéricas. Entretanto, na maioria das vezes – quando ele não pesa a mão para tornar o óbvio ainda mais óbvio, tudo é muito bem feito e decupado, logo, o filme não chega a ser um desastre completo. Mas o diretor deveria sim ter se preocupado mais com o elenco. Parece que ele deu carta branca para todos atores interpretarem o texto da maneira que quisessem. Foi um tiro no pé
O Franco-Atirador é um filme completamente sem graça. O roteiro é totalmente genérico, mas tenta ser relevante em seu início. Ainda acumula muitos erros como os diálogos empobrecidos e personagens chatíssimos – só se salvam Idris Elba e Ray Winstone garantindo um carisma até então inédito para a obra. Pior ainda é o antagonista que não consegue gerar antipatia ou simpatia em ninguém.
Os dois principais nomes, Penn e Bardem, são mal aproveitados. A direção, apesar de ser cuidadosa, não consegue te manter entretido ou suficientemente interessado no desenlace extremamente previsível de cada conflito apresentado.
Em meio a sua busca por um estudo social ou até mesmo uma crítica política, O Franco-Atirador mira pelo reconhecimento engrandecedor, mas só acerta mesmo o seu bolso com um dardo preenchido de tédio.
Crítica | Tomorrowland: Um Lugar Onde Nada é Impossível
Mais uma vez a Disney aposta em filmes baseados em seus brinquedos temáticos de seus parques gigantescos. Porém, ao contrário de Piratas do Caribe que conseguiu se sustentar com uma ótima história, direção e atuação, Tomorrowland: Um Lugar Onde Nada é Impossível de Brad Bird não consegue absolutamente nada disto. A proposta é ótima – falar de utopias enquanto Hollywood aposta nos sempre rentáveis filmes de apocalipse ou de distopias – além de ter sido um projeto importantíssimo para Walt Disney que pensava em Tomorrowland como um projeto viável e possível de planejamento urbano. Pena que, provavelmente, ele sairia bem decepcionado com o resultado final do filme.
O longa começa com um verdadeiro tiro no pé: o famigerado uso da quebra da quarta parede – quando o personagem se dirige diretamente ao público ignorando o aparato cinematográfico. Aqui o uso da técnica é bem alegórico, a justificativa final é rasa e, pior, quando é apresentada, não encaixa com o começo do filme. Depois de muita conversa e irritantes interrupções, a história progride.
O pequeno John Francis Walker viaja até a World Fair de 1964 a fim de apresentar sua nova invenção. Porém, ele não consegue surpreender Nix, um dos jurados da feira e acaba reprovado. Athena, entretanto, uma misteriosa garota que acompanha o homem, dá um broche de presente para John, pois enxerga potencial nele. Esse broche serve como portal para a dimensão futurista e próspera de Tomorrowland. Passam-se os anos e Casey, uma sonhadora otimista, se depara com outro broche único que a convida para a cidade utópica. Encantada com o que presenciou, a garota se lança em uma jornada para encontrar alguém que possa leva-la até a terra prometida. E esse alguém é justamente John Walker, agora já adulto e cheio de rancor e mágoa com o lugar que já foi seu lar, além de ter ciência de um terror que afetará o mundo inteiro em pouco dias. Entretanto, Casey pode ser a peça que faltava para ajudar em sua redenção e livrar a Terra de um período sombrio.
O roteiro, do inconstante Damon Lindelof e Brad Bird – diretor do filme, é uma tristeza em diversos pontos. Primeiro, seguindo a tendência rasteira de muitos roteiristas de Hollywood, o desenvolvimento de personagem vai para o lixo – algo que a Disney não fazia. Segundo, o filme sofre com a famigerada síndrome do último ato – apressadíssimo, atropelando a lógica construída até então. Terceiro, quanto mais se pensa na história e suas conexões, mais se percebe que muitas coisas não fazem sentido. Quarto, a legitimação do antagonista já foi usada há um mês pelo vilão de Vingadores: Era de Ultron, filme que também pertence à Disney.
Infelizmente os personagens são rasos. Sem exceção. Os únicos que tem uma pitada de complexidade são o John Walker de George Clooney e a jovem Athena, interpretada por Raffey Cassidy. A relação entre os dois é algo difícil de lidar e até polêmico. Trata-se de um romance impossível por motivos que não posso revelar, pois pode comprometer a sua experiência caso queira se arriscar a ver o filme. Entretanto, eu senti, por mais justificado que o conflito amoroso seja dentro do roteiro, uma pedofilia velada, oculta ou suprimida durante algumas passagens do e principalmente no clímax do filme – a encenação não ajuda também. Como disse, esse arco do relacionamento é algo extremamente complicado e muita gente pode interpretar de maneira agravada. Simplesmente do modo que foi apresentado, não ficou legal. Passou bem longe, aliás.
Sim, Hollywood e o público clamam por um romance em seus filmes, mas não algo que possa abrir uma margem de interpretação como esta, afinal a sugestão da pedofilia é presente. O excelente e clássico O Homem Bicentenário explorou um romance que passava por diversas fases da vida sem cair nesse limbo moral e ético. Bastava um clichê para resolver a polêmica. Implorei para que alguma solução rasteira surgisse, porém, nada acontece. Me atenho a isto neste caso por se tratar de um filme da Disney – se fosse uma produção mais adulta com um gênero diferenciado e que tivesse função narrativa relevante, o julgamento seria bem diferente.
O problema reside justamente porque o estúdio é reconhecido por seus filmes família e animações infantis. Apostar em uma característica tão fora de contexto com o resto de suas produções é um erro crasso. Simplesmente não adiciona nada para o filme e pode virar uma mancha em sua história.
Resumindo, nunca vi a Disney errar tanto ao utilizar uma criança na narrativa de seus filmes como neste caso.
A protagonista Casey Newton, vivida pela efusiva Britt Robertson, torna a jornada mais enfadonha. A escolha da garota para ser a heroína nunca é satisfatoriamente justificada. Ela é apenas “especial”. Ponto. É isso que o roteirista martela diversas vezes em muitas cenas. Aliás, os diálogos são redundantes e repetitivos, característica de Lindelof. Você vai se deparar com muitas discussões parecidíssimas entre John e Casey durante a metade do filme para o final. Aliás, outro erro é apresentar George Clooney depois de mais de uma hora de projeção acompanhando outros personagens ou Casey que não conseguem sustentar seu interesse até lá. Quando finalmente Clooney aparece, o filme ganha algum vigor até ele cair no mesmo marasmo de desenvolvimento. Completando, Lindelof insiste nos clichês. Walker é o velho amargurado reclamão. Casey é a sonhadora utópica. E Athena é uma mistura de Hit-Girl com Pequenos Espiões.
Já preso com personagens que simplesmente não adicionam nada ou ajudam pouco para ganhar sua empatia, ainda recebemos de brinde um bolo de história que traz uma mensagem tirada diretamente dos livros O Segredo de Rhonda Byrne. Lindelof também pouco se importa em agregar algum conteúdo a mitologia desse filme. Tomorrowland é um lugar onde nada tem história. Nunca conhecemos de fato a utopia, como ela surgiu, sua cultura, sua política, o método de vida de seus habitantes, etc. Aliás, passamos mais tempo de tela fora da cidade do que dentro. Outra bola fora. Engraçado como um filme que se vende como inovador sustenta boa parte do segundo ato em uma típica perseguição de mcguffin boboca.
O filme também é meio esquizofrênico em relação ao seu didatismo. Por exemplo, em uma mesma cena, Walker reclama que não vai explicar nada para Casey. Um minuto depois, logo está ensinando tudo à garota. Isso é constante no longa. Explicar nada para depois soltar uma verborragia infinita.
O último ato é o que mais sofre com isso, pois ele não encaixa em diversas formas com o que foi apresentado até então. A Tomorrowland de outrora não corresponde com a cidade apresentada aqui por um motivo que não faz sentido dentro do universo da utopia, já que um diálogo deixa isso claro. Lindelof também não consegue achar alguma lógica para o conflito final. A resolução é totalmente estúpida e põe em cheque a escolha de Casey como heroína, afinal para que uma otimista quando um simples John Mclane poderia resolver a situação? Difícil aceitar que Walker, apresentado como um garoto pródigo, não teria sacado a solução do problema logo de cara. Por que a protagonista que não apresenta nada de extraordinário é convidada para a utopia de pessoas extraordinárias? Por que o epílogo do filme não é coerente com a proposta de reforma de Tomorrowland? Por que levantar algumas características interessantes e jogar tudo no lixo no final?
Se eu continuar me atendo ao roteiro, este texto não terá fim. A maior culpa de Tomorrowland ser um fracasso paira sobre o péssimo roteirista que Lindelof é. Brad Bird tenta ser péssimo, mas felizmente atinge a mediocridade em sua direção – algo inaceitável para alguém com tanto talento como ele.
Ele continua com sua câmera bem movimentada que conta os detalhes do cenário para o espectador – algo que valoriza muito o design de produção do longa. Além disso, ele também a usa como função narrativa. Exibe características que justificam conflitos posteriores. E trabalha muitíssimo bem a questão do ponto de vista e de escuta graças às criativas transições de cena geradas pelo broche. Entretanto, mesmo com esse trabalho genial de câmera e enquadramentos belíssimos, Bird não consegue tirar seu filme do marasmo. As sequencias de ação simplesmente não empolgam. Talvez por conta de muitas coreografias serem parecidas com às de filmes lançados há pouco ou que já possuem forte imaginário popular como Os Vingadores e Monstros S.A. – algo completamente estranho à Brad Bird porque ele já dirigiu filmes explosivos como Os Incríveis e Missão Impossível: Protocolo Fantasma.
Ou simplesmente porque é difícil ter empatia pelos personagens.
Bird consegue entregar pelo menos duas – talvez três, cenas que são sim extraordinárias. Uma foi prejudicada por conta da estratégia de marketing completamente tonta da Disney – foi exibida em diversos cinemas como uma prévia do filme, logo, acaba perdendo muita força quando é (re)exibida. Ela apresenta diversas bugigangas de Walker e torna o universo mais rico com as armadilhas a la Esqueceram de Mim. A outra é um plano sequência magnifico que apresenta Tomorrowland.
Outro ponto positivo é como o diretor consegue conciliar muito significado imagético dentro da sua encenação. Seja nos campos de trigo – representação máxima da prosperidade e alegria – que circundam Tomorrowland e no próprio design clean e futurista da cidade. Mas, por outro lado, ele também prefere prejudicar seu filme com escolhas estéticas que claramente estão fadadas ao envelhecimento da linguagem como o uso de drones, pixelização de imagens ou ao surrealismo de algumas quedas ou porradas que os personagens levam e, claro, ao já envelhecido Mickey mousing – quando a trilha musical se comporta como um efeito sonoro para a cena. Infelizmente, ele ainda consegue errar mais no clímax. Em um diálogo feito para comover o espectador, Bird insiste em quebrar a seriedade da cena com modulagens de voz e expressões faciais estúpidas – já não bastasse a cena abordar novamente o romance bizarríssimo de Walker e Athena.
Ainda em busca de Pasárgada
Tomorrowland é outro fracasso que acumula na cota das superproduções de verão da Disney. Foi assim com John Carter e também com O Cavaleiro Solitário – pelo menos esses não arriscaram nenhuma polêmica.
Além do evidente problema de marketing internacional que eles sofrem, os filmes também não são incríveis. Pior ainda é notar que O Cavaleiro Solitário é muito mais divertido e espetacular que Tomorrowland. Algo notavelmente grave já que um baseia seu espetáculo de ação em uma diegese de velho oeste enquanto esse se baseia num universo futurista repleto de possibilidades. Um filme família que não consegue divertir. Isso sim que é ironia.
É triste notar o potencial que esse projeto tinha e compará-lo com o resultado final mediano. Acredito que até mesmo uma lapidada na montagem teria melhorado consideravelmente o filme. Entretanto, temos alguns vislumbres bons aqui. A boa atuação do elenco, a fotografia sempre maravilhosa de Claudio Miranda, a trilha instrumental belíssima de Michael Giacchino e o bom design de produção. Entretanto, tudo isso não sustenta um filme. Lindelof conseguiu minar uma produção inteira com sua escrita superestimada. E Brad Bird entregou algo aquém de seu potencial. Pode ser que as produções live action da Disney precisam de uma dose da criatividade de John Lasseter – ninguém mais que o responsável por reestruturar o departamento de animações da Disney devolvendo boa dose de respeito e dignidade que foi perdido pelo estúdio em meados e durante os anos 2000.
Realmente, Tomorrowland pode ser um lugar onde tudo é possível, mas não foi desta vez que o filme conseguiu cumprir a premissa de seu título. Melhor se ater ao parque de diversões.
Tomorrowland: Um Lugar Onde Nada é Possível (Tomorrowland, EUA - 2015)
Direção: Brad Bird
Roteiro: Damon Lindelof e Brad Bird
Elenco: Britt Roberston, George Clooney, Hugh Laurie, Raffey Cassidy, Tim McGraw, Kathryn Hahn, Keegan-Michael Key, Judy Greer
Gênero: Aventura
Duração: 130 min
https://www.youtube.com/watch?v=1k59gXTWf-A
Crítica | Noite Sem Fim
Não é de hoje que os filmes de ação carecem de substância. Uma narrativa mais profunda com personagens mais complexos. Filmes como Carga Explosiva, Velozes e Furiosos, Busca Implacável, Os Mercenários, Dredd são exemplos claros da predominância da ação e da circunstância em detrimento da narrativa e evolução de personagem.
Isso de forma alguma é algo ruim, mas certamente quando um filme nos oferece uma história mais elaborada, é algo gratificante.
O roteiro de Brad Ingelsby se concentra em Jimmy Conlon (Liam Neeson), um antigo membro da trupe mafiosa de seu amigo Shawn Maguire (Ed Harris). Seu filho, Danny Maguire (Boyd Holbrook), ambicioso, já pensa em assumir as responsabilidades de seu pai para gerir a gangue tentando trazer novas formas de enriquecimento ilícito para a família. Entretanto, Danny erra ao negociar uma nova estratégia e acaba assassinando outros mafiosos.
Em meio a isso tudo, Mike Conlon (Joel Kinnaman), motorista dos mafiosos e filho de Jimmy, testemunha o assassinato de seus clientes e foge. Danny o persegue para silenciá-lo. Enquanto isso, Jimmy descobre o ocorrido e corre para salvar seu filho. Chegando na casa de Mike, Jimmy se depara com o maior dilema de sua vida: o filho de seu melhor amigo está prestes a matar Mike.
Sem hesitar, Jimmy mata Danny. Agora, Shawn, antes seu melhor amigo, jura que vai exterminá-lo junto de toda a sua família. Agora cabe apenas a Jimmy proteger Mike e sua família durante uma noite sem fim.
Esse é o típico caso do filme de ação razoável que em meio a tantos outros ruins ou insatisfatórios do gênero, acaba se destacando. O escopo da história é muito familiar: o caso da relação problemática entre pai e filho. Entretanto, o roteirista não insere esse drama apenas nos personagens de Neeson e Kinnaman, mas também nos antagonistas Ed Harris e Holbrook.
Ele elabora uma crítica muito sútil a respeito da paternidade dessas duas figuras. Enquanto um se afastou da família, destruiu seu relacionamento com o filho e é incompreendido, o outro assume seu posto familiar e insere o filho na criminalidade do seu negócio durante a vida. Com isso, esse questionamento da ambiguidade moral, sobre quem realmente foi um verdadeiro pai para seus filhos, o longa ganha um aspecto mais sóbrio. Aliás, sobriedade é o que não falta. Este é um filme bem sério em seu teor e no drama sugerido.
O olhar do diretor Jaume Collet-Serra para essa questão é fundamental. Ele constrói muitas cenas competentes para mostrar a diferença de caráter entre Mike e Danny, o abandonado e o protegido. Claro que essa visão não foge do lugar comum que nós já vimos em diversas outras obras. Este é um filme que progride exatamente da forma que você espera, porém de modo muito divertido simplesmente porque ele é muito funcional.
Collet-Serra é conhecido por dirigir filmes de ação – Sem Escalas e Desconhecido, ambos estrelados por Liam Neeson. Ele também já dirigiu o excelente suspense A Orfã. Noite Sem Fim é uma conciliação de ação e suspense, este sempre bem explorado e correto no timing. O filme te cativa e mantém uma tensão crescente. O diretor também insere uma linguagem interessante para fazer a transição das cenas – planos sequência que rementem muito a um recurso mostrado no game Grand Theft Auto V. Toda vez que tem uma transição de cena que mudam os personagens, o diretor afasta a câmera – com auxílio da excelente computação gráfica, até o topo da cidade e o plano viaja até encontrar o personagem que protagonizará a próxima cena. Apesar de ser um efeito estranho para essa mídia, é algo bem atual e cinético. Uma nova forma para fazer transições de cena.
Além disso, o diretor sabe dosar muito bem o ritmo da montagem. Nada fica embolado em mil planos para descrever ações simples. Temos aqui um filme que é possível perfeitamente apreciar a ação das perseguições e lutas sem ficar confuso. Somente no início do filme que há um frenesi da montagem que não para de jogar planos muito rápidos em uma cena calma, algo que destoa completamente e incomoda.
Entretanto, apesar da boa condução do drama e das cenas de ação, o diretor desaponta em um dos momentos mais importantes do filme que é o confronto entre Harris e Nesson. A cena é muito genérica, não tem um elemento marcante e o roteirista não fornece nenhum diálogo sensível ou profundo. Isso é bem decepcionante pois passamos o filme inteiro esperando o desfecho dessa estranha amizade que funciona graças a química entre os dois atores.
Noite Sem Fim é um ótimo divertimento para quem procura um entretenimento que mistura ação e drama simples com boa produção. Até mesmo a fotografia de Martin Ruhe surpreende com a belíssima iluminação barroca bem sombreada. O filme possui poucos deslizes – a inserção apressada de um caçador de recompensas interpretado por Common e a trilha sonora genérica inspirada nas músicas de Hans Zimmer em O Cavaleiro das Trevas são alguns exemplos deles, entretanto o que pode tirar bastante o mérito dele é por conta de outro filme muito semelhante que estreou ano passado, De Volta ao Jogo com Keanu Reeves. Diversos pontos entre as duas histórias batem, infelizmente.
Enfim, nessa safra particularmente fraca de filmes no primeiro semestre de 2015, Noite Sem Fim é uma surpresa muito bem-vinda que justifica uma volta ao cinema para os que ainda estão em dúvida se vale a pena ver outro filme de ação com Liam Neeson.
Crítica | The Jinx: A Vida e Mortes de Robert Durst
A primeira reação que nós sentimos ao terminar de ver The Jinx é extremo desconforto. Uma repulsa que mexe com suas entranhas como se acabasse de levar um soco oportuno. É traumático. Depois, surge uma urgência para escrever sobre. A minha sorte é que pude acalmar meus demônios já que não havia uma crítica para esta obra aqui no site.
Após o “sucesso” de seu filme medíocre, Entre Segredos e Mentiras, baseado nos casos de violência que cercam Robert Durst, o diretor Andrew Jarecki recebeu um telefonema de ninguém menos que Robert Durst. A proposta era simples, Durst queria dar um depoimento em vídeo sobre sua versão dos acontecimentos da história. Esclarecer de uma vez por todas que ele não é e nunca foi um assassino em série. Completamente extasiado, Jarecki aceitou na hora.
Em algumas ocasiões nas artes, parece que o universo conspira para lhe tornar um grande realizador. Elaborar, de fato, sua obra máxima. E afirmo, com todas as propriedades, que este foi o caso de Jarecki. Tornou-se imortal pelo imponderável. De um filme regular pulou para um dos melhores documentários que já vi em minha vida, mas ainda tenho algumas ressalvas sobre o trabalho dele aqui.
Jarecki segue o bê a bá de direção de documentário para desenvolver a tenebrosa história de Robert Durst. Ou seja, temos encenações de segmentos importantes da história, entrevistas posadas e muito material de arquivo. Apenas foge do padrão ao optar por não usar um narrador. Aqui, são os entrevistados que contam as histórias e os relatos são tão fortes e emocionantes que o uso da técnica é completamente desnecessário.
Ao contrário de muitos diretores de documentário, Jarecki faz as perguntas certas. As perguntas que incomodam. Assim toda a vastidão de personagem torna-se mais complexa, mais humanas. O maior rol de entrevistados envolve o caso do desaparecimento da primeira esposa de Robert Durst, Kathleen Durst.
Nisso, como todos os grandes documentaristas fazem em casos que envolvem passados conturbados, Jarecki cutuca os piores fantasmas dessas pessoas permeando o tom triste de um luto que ronda a família da Kathleen. Seja pelos irmãos, pela mãe, pelos sobrinhos ou pelas amigas da desaparecida. Alguns sentem ódio de Robert, outros como a mãe de Kathleen, sentem pena e tristeza. Entretanto, todos concordam que foi Durst quem matou Kathleen.
E de fato, o documentário é muito mais forte enquanto se concentra em apresentar, detalhadamente, todo o caso do desaparecimento da mulher. Jarecki então desenvolve uma linha investigativa seguindo os passos dos detetives que ficaram encarregados na época mesclando as entrevistas de Durst, dos policiais e dos familiares. Aliás, durante os capítulos, às vezes, Jarecki trabalha com uma narrativa não-linear transitando entre os assassinatos de Robert. Porém, é tudo tão bem encaixado que só agrega positivamente a obra, além de contribuir para o suspense caso o espectador não conheça a história.
É interessante como Jarecki não se impõe para manipular a narrativa sob um ponto de vista. Isso já é feito pelos relatos dos entrevistados. O melhor exemplo que posso dar é no conflito entre dois policiais que foram encarregados de casos diferentes. Enquanto um defende Durst para salvar sua própria pele e ficar em paz com sua consciência vide a completa inércia que teve no caso de Kathleen, outro, responsável pela captura de Durst após ele ter matado Morris Black, se sente impotente por conta do fracasso no julgamento de Durst em Galveston no qual ele foi declarado inocente.
No momento oportuno, os dois são confrontados com uma prova que Jarecki obteve durante a produção do documentário. A reação de cada um é impagável. Entretanto, ainda estamos falando de entrevistados normais. O choque verdadeiro acontece quando conhecemos Robert Durst e sua voz cavernosa.
Com pouca observação, é perfeitamente possível encarar Durst como um velhinho qualquer, mas assim que o homem se põe a falar, a coisa desanda totalmente: o personagem é uma figura perturbada. Ao decorrer das horas de entrevistas com Durst, notamos que ele é cheio de tiques nervosos, toda a sua linguagem corporal é refletida por gestos de alguém que tenta se defender ou se justificar mesmo quando não há ninguém contestando o que ele diz, até mesmo a pronuncia de suas falas dão a impressão de que nem ele acredita no que conta para nós, afinal todas as desculpas dele são esfarrapadas. Além da frieza que ele apresenta para discutir sobre o assunto –enquanto todos os outros entrevistados oferecem depoimentos emocionados.
Há uma atmosfera de cinismo que ronda a figura de Durst. É absolutamente assustador, pois vendo as evidencias mostradas no documentário, não há a menor dúvida que o homem é um assassino.
Jarecki acerta em praticamente tudo na direção do doc. A construção e síntese narrativa são ótimas, o uso de material de arquivo suplementa as deficiências do material captado para o filme – as entrevistas da atual esposa de Durst e de seu irmão, Douglas. Já as encenações são um espetáculo a parte. Todas têm uma cinematografia belíssima digna de Cronenweth, o diretor de fotografia de David Fincher. Fora serem muito bem enquadradas e esteticamente estonteantes, Jarecki opta por utilizar o slow motion em todas elas. O efeito é simbólico. Gera a impressão de ressuscitar um passado há muito tempo esquecido, congelado. Ao reviver isso, naturalmente as coisas caminham lentamente, são memorias ressurgidas após serem suprimidas há décadas. Seguindo o hábito das encenações, o diretor nunca revela a face dos personagens sempre fazendo a fotografia ocultar os rostos por penumbras ou enquadrá-los de modo que evite a revelação.
O motivo disso é simples: como até então nunca havia sido provada a identidade do assassino, não havia rosto para mostrar. Já dos outros personagens, serve para agregar suspense na atmosfera macabra que ele conferiu a todas essas passagens. O resultado é brilhante e muito eficiente demonstrando que Jarecki aprendeu bastante desde Segredos e Mentiras onde não conseguia formular uma história que fosse ao menos bem amarrada.
Fora isso, é inesperada a mudança de formato a partir do cliffhanger do quarto capítulo. No capítulo seguinte já percebemos que ele larga um pouco a técnica clássica do documentário para ficar algo mais próximo do cinema verdade. Pela primeira vez, vemos Jarecki se tornar um personagem pronunciado, com seus próprios dramas e demônios, dentro dessa história.
Nisso, ele realiza alguns experimentos com Durst ao colocá-lo para passear em Manhattan afim de observar como as pessoas reagem à presença dele. Como esperado, poucas pessoas reconhecem o idoso bizarro passando batido na maioria dos olhos dos transeuntes. Depois disso, quando tentam retomar o contato com Durst para finalizar o filme com a segunda entrevista – essa, substancial pois haveria o confronto com a prova definitiva que colocaria Durst como culpado da suspeita de seu segundo assassinato.
Jarecki se transforma no objeto de estudo do filme, pois passa a reconhecer que Durst já desconfia que eles descobriram algo. Dentro do contexto da série, fica bem claro que quem ameaça a liberdade de Durst acaba morto. Logo, a iminência do risco de vida do autor é transparecida pela expressão amedrontada de Jarecki e refletida nas piadas dos cinegrafistas e produtores. Fora isso, o cineasta lida com a decepção em descobrir que Durst estava mentindo. Os dois tiveram uma conexão no filme. Um foi seduzido pelo outro na busca estranha por uma figura paterna. Também há o questionamento ético que Jarecki passa: ele foi justo com Durst? É justo trair e destruir alguém que colaborou com a obra que definiria a vida dos dois? Pode parecer absurdo e óbvio, mas estar na pele do cineasta deve ter sido difícil para tomar essas escolhas. As escolhas certas.
Para notar como a mudança de técnica é brusca, basta perceber a transformação da fotografia. Antes era completamente sofisticada e controlada para virar desleixada e apressada – a urgência de terminar o filme é explicita.
Fechando com chave de ouro, o mais improvável acontece. Em um dos mais raros casos da História da Televisão e do Cinema, a arte atinge a vida de modo integral. Após ser confrontado com a prova que a produção conseguiu e terminar a entrevista, Durst pede para ir ao banheiro. Sem se dar conta que o microfone de lapela ainda está ligado, Durst resmunga como um esquizofrênico enquanto lava as mãos – assim como Pôncio Pilatos. Enquanto balbucia frases amaldiçoando a equipe, o homem se trai. Ele confessa todos os assassinatos para si mesmo. E, consequentemente, para o mundo.
No campo do filme, conseguir uma revelação avassaladora dessas torna sua obra histórica na hora. Entretanto, mesmo impecável na maioria da obra, Jarecki falha em não explorar mais as memórias que tangem o relacionamento de Robert com seu pai, um homem tão desprezível quanto. Eu senti muito a falta dessa parte, pois o diretor se preocupa em estabelecer cuidadosamente a infância traumática de Durst. Na base do meu conhecimento barato de psicologia, Jarecki nos leva a crer que o cerne da violência de Durst com os outros tem origem nos eventos horríveis de sua infância.
Agora no extracampo, depois da grande repercussão internacional que o documentário teve, Durst foi preso nas vésperas do último capítulo – o que levou a audiência nas alturas, e aguarda julgamento – pena de morte. Porém, o caminho até isso parece ter sido tortuoso segundo as entrevistas da produção do filme com a imprensa. As três entrevistas e um artigo revelador do New York Times revelam que a equipe não estava colaborando o tanto que deveria com a polícia afim de guardar provas para o grand finale do seriado, incluindo o áudio comprometedor. Segundo o artigo, há uma diferença de dois anos entre a captação do áudio para a revelação do mesmo.
Como a equipe não se pronuncia sobre a linha temporal dos fatos que ocorreram dentro da produção do filme, fica difícil defender Jarecki e seus produtores. Torna tudo ainda mais tenebroso e complexo acerca da produção desse filme. Se levarmos em conta o artigo jornalístico, a ética de Jarecki é tão repugnante quanto a de Durst – hoje todos os envolvidos com o documentário não se pronunciam com a imprensa.
Um caso absolutamente inacreditável no qual o cineasta comete atos dúbios para favorecer, única e exclusivamente, sua obra e não pela justiça dos mortos. Afinal é muito improvável que ele fosse entregar o material a polícia anos antes do seriado estar pronto. Também não acredito na alegação de Jarecki que a equipe foi descobrir o áudio “acidentalmente” no processo de montagem, afinal, durante o seriado, temos um momento que Durst fica sozinho em uma sala e confessa que mentiu no tribunal de Galveston. Na hora, um membro da equipe o avisa sobre o microfone que estava gravando tudo.
Ou seja, ao tomar conhecimento desse hábito bizarro de Durst, é muito improvável que eles não tenham escutado o que ele havia dito no banheiro assim que o criminoso se despede da equipe. Assim como Durst, Jarecki é um homem que tem seu testemunho traído pela própria obra.
Entretanto, mesmo agora que sabemos que Durst de fato é um psicopata, pelo menos para mim, tentei acreditar que ele, homem de história tão desgraçada e triste, era uma pessoa inocente. O assassinato é um crime tão horroroso que preferimos não acreditar que tal cidadão tenha cometido uma atrocidade sem tamanhos como essa. Para a minha sorte, nunca tive que lidar com a dor de um assassinato, mas a partir de tantos documentários com relatos desse tipo, é impossível não se confraternizar com a dor de quem você nem conhece. A mente aceita o fato, o coração pesa, os olhos ardem e a respiração falha.
Talvez seja uma dessas forças invisíveis e imponderáveis que unem as pessoas contra o ódio, o medo e o terror.
O que testemunhamos é o efeito da senilidade de um homem. Também da falta de cautela constante de Robert. O assassino é arrogante. Acha que é intocável por ter se livrado de todos os homicídios (conhecidos) que tinha cometido até então. No fim, é traido pela sua grande boca e enorme vaidade.
Com The Jinx, enfim, o tiro de Robert Durst saiu pela culatra.
Crítica | Minions
Em um mercado tomado por um grupo seleto de estúdios e produtoras, a Illumination Entertainment teve uma concepção de sucesso estrondoso logo com seu primeiro longa, Meu Malvado Favorito. Entretanto, além da boa história de Gru com suas filhas adotivas, a produtora conseguiu emplacar muito bem outros personagens: os divertidos minions. A aceitação dos bichinhos foi tanta que eles logo ganharam um espaço maior no segundo filme. E tão logo, ganharam seu próprio longa-metragem. Entretanto, será que apenas o carisma é o suficiente para sustentar um filme inteiro?
Em Minions, o público conhece um pouco mais da história por trás destes simpáticos seres. O roteiro de Brian Lynch acerta logo no começo da projeção – apesar de uma narração over para lá de ultrapassada. O espectador é contemplado com um bom prólogo do propósito da existência dos minions e dos diversos mestres que eles serviram ao longo de sua existência. Porém, após ficarem anos perdidos, sem saber a quem servir, eles ficam deprimidos. É nesse instante que conhecemos o trio de personagens protagonistas: Kevin, Stuart e Bob. Com isso, os três se lançam em uma jornada quase impossível para encontrar um novo chefe.
Lynch trabalha bem durante o começo do filme. Obviamente que brincar com o passado dos personagens é um convite para a criatividade. Além disso, há muitas passagens que brincam com os eventos históricos de 1968 – a narrativa acontece nesse ano. Tirando isso, algumas boas piadas e a fofura dos personagens, Minions não tem muito a oferecer.
Os filmes da Illumination são bem despretensiosos. Suas histórias não têm muita complexidade e também pouco ousam com a mensagem de seus filmes – isso quando há alguma. Aqui ocorre a mesmíssima coisa. Lynch opta por deixar seus personagens em um marasmo criativo. Os três minions não têm algum tipo de conflito ou motivação além da simplicidade em encontrar um novo mestre. É nisso que o filme falha miseravelmente.
Infelizmente, Minions mais parece um longo episódio de um seriado animado do que verdadeiramente um filme. Isso acontece não somente por conta dos personagens simplórios e literais, mas também porque as piadas são repetitivas ao extremo. O humor varia muito entre o inteligente e o slapstick. As boas piadas geralmente envolvem inserir os personagens no contexto histórico dos acontecimentos de 1968, mas isso não edifica em nada o público mais jovem, pois muitos podem não captar a piada. Já o resto do humor se baseia sempre em slapstick. Entretanto, ele sempre é utilizado em cenas que são criativas, porém, como a essência do humor é a mesma, acaba cansando até pouco depois da metade do filme.
O que o roteirista e os diretores Kyle Balda e Pierre Coffin conseguem desenvolver muito bem é o senso de união entre os minions em geral e o trio principal. O sentimento paternal de Kevin com Bob é interessante. Outro bom acerto por parte da direção é a abrupta mudança de atmosfera que o filme sofre durante algumas cenas. A narrativa cessa completamente para dar lugar a um número musical bem coreografado dos bichinhos – exatamente como nos musicais oriundos da Hollywood Clássica. Entretanto, novamente, o filme peca pelo excesso.
Além da infeliz repetitividade, outros personagens coadjuvantes pouco ajudam a elevar a qualidade mediana. Scarlet Overkill é uma antagonista com motivações clichês e uma personalidade unidimensional. Pior ainda é seu marido/comparsa Herb. Sua existência não é mesmo justificada dentro da história. É apenas uma péssima alegoria para atingir a comédia, pois qualquer capanga genérico cumpriria sua função facilmente ou até superaria. Aliás, há uma piada estranhíssima envolvendo Scarlet e Herb que não cai bem em um filme infantil.
Minions falha em entregar uma história realmente relevante para os bichinhos. Infelizmente, o filme traz apenas uma trama fraca, bem previsível e clichê, mas, felizmente, livre de furos de roteiro. O carisma de seus personagens não consegue segurar tamanha repetitividade de piadas e falta de ação. O mais decepcionante de tudo isto é que em diversas passagens do longa, é perfeitamente possível criar sátiras ou paródias de outras produções animadas de Hollywood. No término do filme, fica a impressão de que foi feito apenas para vender ainda mais brinquedos e produtos licenciados. Ele não possui uma história relevante que justifique um longa-metragem inteiro, porém, de fato, possui boas piadas, além de ser impossível não se contagiar com a fofura dos pequenos – importante também citar a técnica espetacular do estúdio tanto em animação quanto o trabalho belíssimo em iluminação digital. Com certeza divertirá a família e as crianças, mesmo sendo um pouco cansativo.
Enfim, em tempos de retorno da Pixar, é uma pena observar que outras produtoras não se esforçam em praticamente nada ao escrever uma boa história, com algum envolvimento emocional, para os personagens mais queridos de suas franquias.
Crítica | Cada Um na Sua Casa
Cada Um na Sua Casa é a nova animação infantil da Dreamworks, um estúdio que ganhou muito respeito nesse gênero graças aos excelentes Shrek, Como Treinar Seu Dragão, Megamente e Kung Fu Panda, porém há um tempo o estúdio tem perdido força. Esse filme é a maior prova disso.
Oh é um alienígena da raça Boov, muito conhecida por fugir de seus inimigos mortais, os górgons. Em mais uma fuga desesperada, eles descobrem o planeta Terra, um lugar ideal para fixar residência. Em sua invasão, realocam todos os humanos juntos em um canto da Terra, enquanto se hospedam em todas as cidades do planeta. Porém, por causa de mais equívoco do atrapalhado Oh, a nova mudança dos boovs é ameaçada já que seus inimigos têm conhecimento de sua nova localização, retomando a caçada.
Com a sociedade boov em perigo, o líder dos alienígenas, Smek, ordena que Oh seja capturado. Em fuga, Oh encontra uma garota humana que não foi abduzida, Tipolina, e juntos partem em uma aventura, cada um com seus propósitos para firmar a inusitada aliança.
O roteiro de Tom Astle e Martin Ember, baseado no livro homônimo de Adam Rex, tem diversos problemas, mas o principal deles é a impressão de que você já viu esse filme antes – muitas e muitas vezes. A velha e boa história de um patinho feio que não consegue se enturmar entre seus iguais. Adicionando esse elemento, está o fator do alienígena que descobre o que é amor e amizade com o contato humano. Para citar alguns exemplos, lembre-se do clássico E.T. O Extraterrestre ou Lilo & Stitch. Se deixarmos de lado o fato de Oh ser um alienígena, mas mantendo sua principal essência – a busca pela amizade, reconhecimento ou família, temos mais outra gama de filmes: Ratatouille, Paddington, Wall-E, Como Treinar seu Dragão, Megamente, Meu Malvado Favorito, Uma Aventura Lego, Aviões, Universidade Monstros, Detona Ralph, Kung Fu Panda, Rango, etc.
Enfim, o problema não está em sua origem completamente clichê, mas não fazer bom uso deles. Diversos filmes que listei acima bebem da mesma fonte, mas se sobressaem e introduzem algo novo. Aqui, nada acontece. Tudo é previsível.
Os personagens são extremamente superficiais com conflitos básicos e resoluções mais simplórias ainda. A maior força dele está no fato que tanto Oh quanto Tipolina são dois renegados. Um porque é estabanado e só faz burradas e outra porque é imigrante. Isso é apresentado em uma cena e nunca mais retomado. Desistem de explorar e conferir maior profundidade aos dois. Outro fato que incomoda é a ambiguidade sobre o que Oh entende de amizade – se diz o maior amigo do mundo, mas não entende preceitos básicos sobre a aliança. Além disso, o texto não faz sentido em pontos-chave – principalmente no motivo dos górgons perseguirem os boovs, antes da reunião de paz com Smek e o líder górgon.
Muitos podem dizer que se trata apenas de um filme bobo de criança, porém esse pensamento não cabe mais quando outros estúdios como a Disney, Ghibli e a Pixar elaboram personagens complexos e carismáticos como Woody e Buzz de Toy Story, Remy de Ratatouille, Marlin de Procurando Dory, até mesmo o mudo Wall-E, entre outros.
A comédia do filme também não supera o básico. Nada de humor inteligente ou algumas piadas para os adultos. São piadas de cunho escatológico, slapstick ou com o uso inusitado de utensílios humanos. Aliás, o personagem dublado por Steve Martin, Capitão Smek, é extremamente parecido com o Rei Julien de Madagascar, também da Dreamworks.
A direção de Tim Johnson também não foge da mediocridade do roteiro. As sequências de ação são maçantes e pouco imaginativas – algumas inspiradas em Esqueceram de Mim. A “justificativa” do uso do 3D consegue ser mais boba. O veículo antropomorfizado de Tip solta bolhas de sabão enquanto flutua pelo ares. Entretanto, o efeito é interessante durante a sequência que se passa em Paris e em uma cena noturna que se passa no oceano atlântico. Ele também sugere uma crítica interessante ao efeito da tecnologia que afasta o contato físico entre os boovs, indicando um presságio para os humanos e seus smartphones – isso já foi melhor explorado em Wall-E.
Outro ponto que incomoda bastante é a repetição de músicas durante o filme. Seja na composição da trilha original que deve tocar umas quatro vezes e a canção original “Feel the Light” cantada por Jennifer Lopez – melodia e arranjo muito bonitos que perdem seu impacto devido a repetição. As outras canções que compõe o repertório do filme são, em sua maioria, hits musicais da Rihanna que dubla Tipolina na versão original. Muitas vezes, essas músicas destoam completamente das cenas conferindo a forte impressão que se trata apenas de merchandising barato para a cantora. Aliás, o departamento de som para grandes efeitos deixa muito a desejar. Além dos diálogos e alguns efeitos de foley, a mixagem do som parece estar abaixo do normal. Os efeitos soam baixos, impotentes, mesmo com explosões e destruição em massa.
Em suma, Cada Um na Sua Casa decepciona muito e expõe que o departamento de animação da Dreamworks está perdendo força ante a concorrência – uma lástima, visto que o estúdio é um dos mais imaginativos de Hollywood. Utiliza recursos baratos para forçar o riso, como a fala errada de Oh. A animação continua soberba e o design de produção é bom. Os alienígenas são fofinhos, mas muito derivados – claramente inspirados nos minions de Meu Malvado Favorito. Incluindo os cenários das naves que os seres viajam – completamente vazias e sem vida. Porém, um acerto é a mudança de cor que acomete os boovs quando expressam sentimento, ainda que o efeito seja muito literal.
Enfim, a animação diverte durante o tempo de projeção, mas não justifica o preço do ingresso. Talvez, crianças bem pequenas apreciem o filme, mas para as mais velhas, que já viram filmes mais interessantes, a experiência pode ser completamente enfadonha.
Assim como os boovs exclamam “Ohhh” quando veem o hiperativo protagonista, o espectador exclamará “meh” quando o filme acabar.
Cada um na sua casa (Home, EUA – 2015)
Direção: Tim Johnson
Roteiro: Tom J. Astle, Matt Ember (com base em obra de Adam Rex)
Elenco: Jim Parsons, Rihanna, Steve Martin, Jennifer Lopez, Matt Jones, Brian Stepanek, April Lawrence, Stephen Kearin, Lisa Stewart, April Winchell
Duração: 94 min
Crítica | Chappie
A premissa do novo filme do cineasta sensação Neill Bloomkamp tange uma promessa de futuro que se encontra próxima da nossa realidade. Trata-se de mais um filme sobe a criação de inteligência artificial. Porém, praticamente nada funciona nesse desastre que aparenta ser apenas uma desculpa de 120 minutos para venderem os rappers da banda Die Antwoord.
Deon Wilson é um engenheiro mecatrônico na maior indústria bélica da África do Sul que revolucionou toda a segurança pública de Johannesburgo graças à invenção de seus Guardas – unidades robóticas de patrulhamento policial. Os robôs praticamente substituem a força policial da cidade por conta da segurança da tecnologia de ponta. Entretanto, mesmo alcançando o sucesso de uma vida, Deon conclui um projeto paralelo. Cria, enfim, a primeira unidade de inteligência artificial semelhante à uma consciência humana da história.
Conseguindo pedaços de sucata de um robô Guarda condenado, Deon tem sua chance testar a funcionalidade de seu invento. Porém, tudo começa a dar errado quando dois criminosos o sequestram e obrigam a usar seu invento para cometer delitos, afim de salvar-lhes de uma dívida milionária.
O roteiro de Bloomkamp e Terri Tatchell simplesmente não consegue se ater a nada. Atira para todos os lados visando tecer alguma crítica deformada sobre a sociedade e ao status quo, mas na prática, simplesmente não funciona porque o texto é ruim – o pior do ano até agora.
Para quem não conhece, Bloomkamp, desde seu excelente Distrito 9, constrói sua marca de autor no gênero da ficção cientifica. Ele sempre trabalha com a marginalidade, com personagens “injustiçados”, transformações corporais definitivas, mudanças morais, tecnológicas, além de reformas sociais que abalam todas as estruturas da sociedade. De novo, assim como em Distrito 9 e Elysium, isso acontece em Chappie.
O principal problema é como a narrativa se comporta. O espectador é forçado a acompanhar Chappie convivendo com os personagens mais insuportáveis e histéricos que tive o desgosto de conhecer. Não há exceção, tanto o mocinho Deon, interpretado por Dev Patel, quanto o casal criminoso Ninja e Yolandi ou o antagonista megalomaníaco Vincent Moore encarnado por Hugh Jackman.
Os roteiristas tentam explorar esse viés da inteligência artificial de um modo fora do convencional. Chappie, quando ativado, é igual a um bebê. Desconhece praticamente tudo, não sabe falar, não entende leis, códigos, éticas e a moral da sociedade ocidental humana. Uma folha em branco pronta para ser preenchida pelos valores de quem for escrever nela. No caso, os criminosos, que, após enxotarem Deon de seu esconderijo, tentam ensinar Chappie a se comportar como um gangster, um super bandido para assaltar um carro-forte. Logo, os valores que o robô recebe são completamente deturpados.
O filme tenderia a ganhar muito caso os criminosos agissem como anti-heróis, tivessem algum carisma ou maior complexidade. Praticamente todos os personagens são mal desenvolvidos e o mais prejudicado é Chappie.
Deon consegue, algumas vezes, passar alguma lição para Chappie discernir entre o certo e o errado. Entre a violência/crime e a paz/diplomacia.
Porém, ao contrário do que seu criador fala – que é a máquina mais inteligente que já existiu, Chappie sempre age erroneamente mesmo quando aprende a distinguir os valores humanos – até mesmo depois de acessar todo o repertório de nossa História quando acessa a internet. Não há nenhuma base que sustente os valores do robô. Ele, como indivíduo, é irrelevante já que nunca deixa de ser um instrumento para as finalidades inidôneas de Ninja e Yolandi. Chappie nunca pensa por si próprio. É uma inteligência artificial que é capaz de sentir e criar, mas raciocinar de forma verossímil é algo impossível para este protagonista.
Um exemplo claro disto ocorre ao fim do longa quando Chappie praticamente destrói um lugar enquanto grita que nada se resolve com violência. A cena não se comporta ironicamente, pois seu tom é sombrio e importante para a narrativa.
Entretanto, em meio a esses problemas, Chappie é o maior trunfo do filme, já que o robô tem carisma e isso se deve muito ao trabalho excelente de dublagem de Sharlto Copley. A respeito dos outros personagens, nada se salva.
Ninja e Yolandi são praticamente a mesma coisa entre os personagens e quem são na realidade. Os dois, fora das telas, são rappers da banda sul-africana Die Antwoord que valorizam o estilo ostentação gangster com o freak colorido cheio de simbologias. No filme, é basicamente a mesma coisa. O figurino, design de produção, maquiagem, cortes de cabelo, linguagem, os gestos, enfim, tudo é igual ao estilo que os dois apresentam publicamente em seus shows, entrevistas e videoclipes. Obviamente, graças a isso, o filme parece mais um vídeo promocional para a banda do que algo realmente relevante para o audiovisual. Isso é reforçado quando das onze canções que tocam durante a projeção, oito são da Die Antwoord – para piorar, quase nunca casam com a cena destoando completamente o espectador com a atmosfera diegética. Isso porque nem entrei no mérito se o conteúdo musical dos dois é de fato de qualidade.
O texto tenta conseguir alguma profundidade para os dois personagens, mas falha. De novo. Primeiro porque Yolandi é controversa. De bad girl violenta e independente vira uma figura materna para Chappie, além de submissa a Ninja. Tudo isso acontece de uma cena para outra. Nada é justificado, não há catarse, nada. Ninja é mais raso ainda. Apenas um trombadinha, mentiroso e imediatista.
Já Deon é mais surreal. Chega a ser risível. Logo na introdução vemos uma das maiores incoerências do filme – mesmo depois dele ter revolucionado a indústria com a criação dos Guardas, ainda trabalha em um cubículo de escritório. Diversas passagens pedem muito da suspensão de crença do espectador. O personagem simplesmente não pede ajuda para a polícia (principal cliente de sua empresa) quando os criminosos o assediam ou roubam Chappie – mesmo que isso traga problemas menores para ele. Aliás, a própria escolha do corpo para Chappie é controversa, afinal, Deon, tem diversos robozinhos com inteligências artificiais mais primitivas que poderiam servir de testes piloto sem que ele infringisse regras da empresa.
Enfim, se eu listar todos os problemas que este roteiro possui, o texto não teria fim. O problema é que Bloomkamp não erra somente na história, substância e diálogos do roteiro, mas também na direção do filme. Ele teima em glamourizar os bandidos em detrimento aos “mocinhos” – isso se dá muito pelo departamento de arte, supostas redenções “heroicas” durante o clímax e a enquadramentos onipotentes. Outros vícios como o péssimo uso do slow motion visto em Elysium se repete aqui.
Além disso, o teor de violência desse filme é completamente inconstante. Em sua maioria é um filme ameno e sem sangue, porém no clímax tudo muda de tom rapidamente. Algo completamente bipolar. Fora que o clímax é outro fato inverossímil que o filme carrega por causa do modo que Vincent age para provar que seu invento é melhor que o de Deon.
Enfim, Chappie é praticamente o pior filme do ano e talvez um dos piores filmes que já na minha vida. Escrevo isso com tristeza, pois vi a estreia de Bloomkamp com o maravilhoso Distrito 9 e apostava muito que ele seria um dos melhores diretores do cinema contemporâneo. Mas não é isso que vem acontecendo. Seu segundo filme, Elysium, já é péssimo, mas este consegue ser pior. Nunca vi um caso tão grave de um diretor conseguir piorar a forma e conteúdo significativamente a cada novo filme.
Ele simplesmente não se recicla. Seus três filmes parecem iguais em diversos pontos e Chappie propõe uma discussão sobre consciência que outros dois longas, também deploráveis e preguiçosos, já exploraram no ano passado – Lucy e Transcendence.
Está na hora de Neill Bloomkamp parar de bancar o espertinho ao propor temas e discussões importantes que nunca tem a chance de serem desenvolvidos, pois, coincidentemente, sempre surgem no minuto final de seus filmes.
Somente assim veremos o quão relevante é este cineasta para o cenário cinematográfico contemporâneo. Quando ele realmente der, de fato, a cara a tapa.
Crítica | Onde os Fracos não têm Vez
Estranhamente, por mais incrível que pareça, os irmãos Coen não são os únicos artistas em destaque nessa magnífica obra. Tudo se desdobra de um homem só, um mestre da literatura contemporânea: Cormac McCarthy. Ele já é considerado um gênio em vida ao lado de Thomas Pynchon e Philip Roth. Com obras muito sólidas e distintas, McCarthy emplacou sucessos de crítica com O Filho de Deus, A Estrada, Nas Trevas Exteriores e A Travessia. Muito por acaso, uma de suas maiores obras, Onde os Velhos não Têm Vez, chegou nas mãos dos Coen, então já considerados diretores de alto escalão em Hollywood.
Ao contrário de outras obras nas quais os irmãos adaptaram um texto original para o cinema como Bravura Indômita, Invencível ou Ponte dos Espiões, optaram por seguir muito à risca o que Cormac havia escrito no livro. Algo a se louvar, pois a estrutura da história é simples e magnética. Um texto tão impecável, único como o qual o autor já havia escrito só contribuiu para os irmãos capricharem na forma do filme, em sua plena perfeição plástica.
A narrativa acompanha três personagens em uma perseguição “desconstruída”. Llewelyn Moss fracassa em sua caçada rotineira, porém tem um enorme sucesso ao se deparar com os resultados de clássico impasse de uma negociação de tráfico de drogas que deu errado no ermo selvagem texano. Após descobrir que um dos homens sobreviveu à matança e negar a ela seu último pedido em vida, Moss nota que as drogas ainda permanecem no local. Então passa a procurar a maleta cheia de dinheiro que possivelmente estaria nessa negociação. Com pouco esforço, ele encontra os seus dois milhões de dólares junto à um cadáver mais afastado.
Ao chegar em simples trailer, com a consciência pesada por ter negado o último desejo a um moribundo, Moss larga sua mulher e volta ao local do impasse. Porém, ao chegar lá, descobre que o mexicano foi executado e que está em maus lençóis pois mais alguns traficantes chegaram ao local. Fugindo desesperadamente, Moss consegue se livrar dos homens, porém o terror de sua vida havia apenas começado. Moss não terá que fugir somente dos assassinos do cartel, mas também do obstinado psicopata contratado, Anton Chigurh – um cara com pouco senso de humor.
O que mais gosto dentre todas as qualidades do roteiro dos Coen e do texto de McCarthy é a subversão e transcendência dos gêneros cinematográficos e da literatura. Inicia-se na velha máxima que permeia tantos filmes, o clássico jargão “na hora e no lugar errado”. Porém a ironia da narrativa é a subversão desta mesmo na primeira cena com Moss. Naquele momento, ele está na hora e no lugar certo, afinal ele já teria uma enorme vantagem em relação aos seus prováveis perseguidores caso não tivesse voltado ao local da tragédia. Aí, já temos outra grande ironia dada inclusive pelo impecável título nacional: Onde os Fracos não Têm Vez.
Para entender isso, temos que analisar Moss e a atuação exemplar de Josh Brolin. O protagonista é um bronco, um cara independente, veterano de guerra e, logo, um sobrevivente. Brolin mantém sempre uma figura cisuda, de uma personalidade que tem prazeres simples e amargores complexos vindos de seu passado nebuloso. McCarthy pouco traz do passado do personagem e os Coen também não arriscam em inventar – algo ideal que tange, na verdade, todo o rol de figuras que movem o filme. Sabendo então que o cidadão é um personagem forte fisicamente e intelectualmente – diversas vezes há um embate da estratégia de sobrevivência de Moss com os planos de Chigurh para encontra-lo e matá-lo, seu pior erro reside em ser fraco, talvez pela primeira vez na vida.
Retornar ao local para dar água ao mexicano moribundo é o pior erro de sua vida, afinal a partir dessa decisão que o inferno de sua vida começa de fato. Para este mundo duro, seco e implacável de McCarthy, a compaixão é uma sentença de morte. Dito e feito, a fraqueza de Moss é o que causa sua morte, mesmo que sua jornada tenha sido tão árdua, exaustiva e perigosa. Entretanto, não é somente a fraqueza de Moss que o acaba levando ao caixão, afinal o filme constrói muito bem como ele sempre supera os obstáculos inerentes à caçada.
Na verdade, a fraqueza que assina a sentença de morte do protagonista é vinda da sogra, mãe de Carla Jean, que revela o paradeiro de Moss para um mexicano que a ajuda carregar as malas quando ambas se dirigem à rodoviária – ela mesma diz que é velha e cansada quando o integrante do cartel oferece ajuda e começa a fazer as perguntas certas. Novamente, pouco é mostrado ou explorado no que tange o relacionamento de Moss e sua esposa. É um filme de poucas palavras.
O que atrai bastante ainda no roteiro tão bem adaptado é a figura do herói. Nitidamente aqui não temos uma história de herói vs vilão como moldada na narrativa clássica de outros filmes western, noir ou de perseguição policial. Moss, apesar de ser o “protagonista” desta história, é somente um homem comum dentro da perseguição maior. Afinal temos um jogo onde o xerife, Ed Tom Bell, persegue Chigurh que por sua vez caça Moss.
Porém apesar de serem personagens tão ligados dentro da narrativa por conta da perseguição, raríssimas vezes que há um contato direto entre eles. Moss e Chigurh se enfrentam somente duas vezes enquanto Tom Bell só “encontra” o psicopata uma vez na jornada. Esse jogo de conexões ganha aspectos visuais muito relevantes através do cenário do trailer onde Moss vive, pois, todos os três se sentam no mesmo lugar no sofá que preenche a apertada saleta com um intervalo muito pequeno entre cada visita. Eles veem os seus reflexos na mesma televisão. Algo de essência simples, mas de forte simbologia que os Coen inferem tão bem nos enquadramentos certeiros.
O trunfo desta grande história é a natureza de seus personagens. Moss como já dito é um belo exercício de desconstrução da figura do herói, mas seu algoz, Chigurh é um espetáculo à parte. Em contraponto ao protagonista, a construção é o foco dos roteiristas para tratar sobre o antagonista. A cada nova cena, novos detalhes são revelados. Descobrimos como o psicopata é orgulhoso e ciumento no que tange ao seu trabalho assassino. Ele tem aversão a pessoas covardes, enxeridas ou fracas – isso é muito bem apontado quando ele recua ao ser confrontado pela mulher dona do estacionamento dos trailers, possivelmente a única que sobrevive ao encontro com ele, além de Moss.
Porém sua característica que define completamente o personagem é a forte crença que ele tem com o destino, ainda que isso seja explorado em apenas duas cenas. No jogo psicótico de definir as pessoas através da sorte da moeda, no cara ou coroa. O estranho é que isso não vale para todos, pois a maioria das pessoas que cruzam seu caminho acabam mortas sem qualquer chance. Aliás, seu desprezo pleno para com a vida humana é explicitado pela sua pistola de pressão – arma de abate visada à gados, que o auxilia a executar tantos coadjuvantes.
Para trazer tudo isso às telas, há o trabalho que rendeu o primeiro Oscar a Javier Bardem, impecável. Sempre impassível, com pouquíssimas cenas onde esboça um sorriso doentio, Bardem faz seu personagem virar um dos maiores assassinos da História do Cinema. Sua atuação é realmente algo que eleva toda a ameaça que ronda o personagem, o transformando na pura encarnação do mal. Se o Diabo tivesse nome, certamente seria Chigurh. O ator torna o ato de matar algo tão natural ao personagem que assusta, pois ele sempre caminha com calma, não altera a respiração, não esboça o menor nervosismo. Há apenas a carnificina e sua estranha serenidade, pois o personagem não gosta de masoquismo e sadismo. O serviço é sempre feito rapidamente, mas não da maneira mais limpa. Ele já é introduzido ao filme em uma das cenas mais chocantes ao estrangular um guarda na delegacia. Nasce diretamente da morte.
Com o último personagem de destaque, o casting é perfeito com Tommy Lee Jones, porém o consagrado ator consegue fugir do clichê de suas atuações carrancudas. A jornada de Ed Tom Bell talvez seja a mais sofrida psicologicamente, pois desmonta toda a fé que ele tem dentro de sua capacidade como xerife e representante da lei já que ele falha em salvar Moss e capturar Chigurh. Aliás, isso é outro ponto interessante da narrativa. Os três personagens falham com seus objetivos: Moss morre e o dinheiro tem o destino incerto e Chigurh não mata seu alvo. Com esse grande sentimento de impotência, Tom Bell acaba completamente derrotado.
Entretanto, outra jogada astuta que os Coen têm é deixar em evidência algumas características que os personagens compartilham entre si sendo o principal deles, o niilismo. Porém duas cenas conectam a personalidade de Chigurh com Moss, além da metodologia de ambos sobre sobrevivência e caça. Quando ambos necessitam de uma peça de roupa de um desconhecido, já ofertam com dinheiro, nunca apostando na gentileza de outrem. Isso evoca muito da natureza humana retratada no filme quando os personagens estão enfraquecidos fisicamente. A vulnerabilidade é compensada pela persuasão do dinheiro. Ao contrário do que ocorre com Chigurh em diversas passagens do filme quando ele está saudável. Diversas pessoas são prestativas voluntariamente e acabam mortas. Como disse, o discurso é claro: a compaixão é vista como fraqueza e punida com morte e desgraça.
Em deixar o texto praticamente intacto em sua adaptação, os Coen brilham na direção do filme, talvez a melhor de suas carreiras. A presença autoral se dá logo no contraste no começo. Eles exploram as belíssimas paisagens naturais do oeste texano que evocam paz e tranquilidade. Poucos minutos depois já há o primeiro dos diversos assassinatos sendo este o mais brutal. O estrangulamento que corta a jugular do policial jorrando sangue na tela. O teor então já é apresentado. O festim de violência irrestrita é algo que pertence ao universo extremamente crível que eles criaram para representar a história de McCarthy.
A técnica dos Coen, acredito, estava em seu auge. Assumiram a câmera e os enquadramentos de forma tão clássica que chega a emocionar quem aprecia a arte da forma fílmica. Chegaram até mesmo a desprezar as famigeradas objetivas zoom. Tudo é feito meticulosamente e o resultado não foge do espetacular. Plasticamente, Onde os Fracos não Têm Vez é um filme perfeito. Antes das filmagens, os Coen e o designer de produção, Jess Gonchor, passaram meses desenhando os enquadramentos do longa inteiro. Tudo foi planejado para não dar margem a qualquer imprevisto ou perda de tempo com discussões em set.
De alguma forma isso é passado para nós, pois a decupagem segue uma lógica de sequenciamento visual muito própria. Ao mesmo tempo que é simples, é genial. Vejamos a antológica cena onde Chigurh confronta um homem na loja de conveniência, apostando a vida dele na moeda. A cena tem um poder enorme, gera a tensão do suspense tão desconfortável presente na obra inteira. Ela toda possui apenas cinco enquadramentos difundidos em sessenta e cinco planos contando apenas com um travelling in no momento decisivo da escolha da face da moeda. Todo o dispotivo é, de fato, clássico, simples, já explorado, mas ganha essa força exemplar na mão dos dois diretores, do diálogo inteligente, da atuação e da ambiência sonora.
Logo, a direção deles na câmera é quase matemática a partir do momento que paramos para pensar no planejamento de decupagem que eles fizeram de modo tão apropriado. Ainda assim, seus grandes trunfos residem nas ótimas simbologias que eles costumam trabalhar. Antes de encontrar o local do impasse do tráfico, Moss caça alguns antílopes. Em um grandioso plano geral, nota-se uma enorme nuvem que projeta sua sombra a poucos metros do local iluminado que os antílopes se encontram. Após acertar o tiro, todos os bichos correm para a parte sombria do terreno. No caso, trata-se de um belo foreshadowing de representação de símbolos clássicos. Refletindo Moss nos antílopes, se depreende que sua jornada seguirá para territórios mais sombrios, além de ter uma inversão no papel de caça e caçador.
Já em outra cena, Chigurh está dirigindo e repara em um corvo descansando no corrimão de uma ponte. Enquanto faz a travessia, ele tenta matar a ave, um dos símbolos mais clássicos da morte. Depois, com Moss ferido fugindo para o México, ele é encontrado e salvo por um grupo de mariachis, também representação clássica da alegria e calor do povo mexicano. Porém, levando em conta o contexto histórico do tempo diegético dos anos 1980, quando havia uma imigração em massa e o auge dos grupos mariachi nos EUA, nada mais irônico do que a inversão dos papeis entre migrantes, além de tocar uma fina ironia sobre hospitalidade entre os dois países que é evocada quando Moss retorna ao Texas e passa pela guarda da fronteira.
A presença autoral mais marcante ainda é vinda através da iluminação de Roger Deakins, um dos maiores diretores de fotografia da atualidade. Trabalhando com os Coen desde Barton Fink, Deakins já sabia do grande amor dos diretores pelos filmes noir. Com as mentes sintonizadas, ele conseguiu criar o visual do noir contemporâneo que ainda possui muitas características da cinematografia original dos filmes de 1950, porém com toques difusos, sombras mais delicadas e tratamento barroco expressivo para a iluminação principal. As altas luzes da contraluz permanecem intocadas.
Além desse tratamento noir para a iluminação geral, Deakins já insere suas marcas autorais na cinematografia com diversos trabalhos de silhuetas e contraluzes mais delineadas. Isso tudo aliado a uma experimentação com projeções de sombras tornam a atmosfera verdadeiramente única. É algo belíssimo, sem a menor dúvida. A cor também é pensada para evocar o calor daquele deserto. Médio contraste, saturação intensa e tons pastéis bem vivos retratam à época dos anos 1980. Muitas vezes os personagens refletem com clareza os pontos de iluminação para transmitir as altas temperaturas texanas. Muito do trabalho que ele realizou aqui pode ser conferido em Sicario, outro longa de tema similar onde a forma supera o conteúdo.
Outro ponto crucial e muito inusitado da direção de Ethan e Joel é o uso da trilha musical. Ela é praticamente ausente o filme inteiro. Em pouquíssimas cenas há alguma melodia. Em outras, para criar tensão, o compositor Carter Burwell aposta somente em sons de uma nota frequência específica e desconfortável. Com isso, a sugestão do suspense não vem da música ou é potencializada por ela como acontece em tantos outros filmes. Os Coen priorizam a encenação, a edição e a mixagem de som para conferir o efeito desejado. Nos dá a liberdade para apreciar o ótimo trabalho que o departamento sonoro realizou para o filme sem muitas distrações. Nisso, há cenas memoráveis que funcionam somente pela ambiência. Como a que acompanhamos Chigurh procurando Moss através do rastreador de proximidade ou então com a intuitiva montagem interpolada que explora os dois quartos geminados que Moss se esconde do hitman.
Meu único porém se encontra na pressa em amarrar o filme após a morte de Moss – aliás é interessante como os diretores deixam esse episódio marcante restrito ao ponto de vista de Ed Tom Bell. Entretanto, isso é compensado com mais uma sequência excelente para encerrar o núcleo de Chigurh, além deles arranharem novamente o surrealismo com o monólogo dos sonhos impotentes do ex-policial e finalizarem o filme de modo tão pessimista.
Onde Os Fracos não Têm Vez é uma daquelas obras que acontecem uma vez em milhares de filmes medíocres. Em 2008, a justiça foi feita na premiação do Oscar com o longa vencendo quatro categorias sendo elas Melhor Filme e Melhor Direção, algo totalmente apropriado para uma obra tão meticulosamente construída aqui. Além de ser uma realização audiovisual extremamente relevante para o estudo cinematográfico, os Coen conseguem apresentar também uma peça que traz, indiretamente ou não, os terrores e consequências da já fracassada guerra contra as drogas inauguradas por Nixon nos anos 1970. Um filme que se sustenta como arte, entretenimento e peça histórica apenas com uma história simples e forma clássica. Da simplicidade e coesão dos irmãos Coen, podemos ter o prazer de provar mais uma vez uma obra genial na sétima arte.
Onde Os Fracos Não Tem Vez (No Country For Old Men – EUA, 2007)
Direção: Joel Coen e Ethan Coen
Roteiro: Cormac McCarthy, Joel Coen e Ethan Coen
Elenco: Tommy Lee Jones, Javier Bardem, Josh Brolin, Woody Harrelson, Kelly Macdonald, Garret Dillahunt, Tess Harper, Barry Corbin
Duração: 122 minutos
Crítica | Enrolados
Em 1937, a Disney lançou “Branca de Neve e os Sete Anões” inspirado no conto dos irmãos Grimm. Este foi o primeiro filme animado norte-americano, totalmente colorido, sonoro e falado – um marco histórico para a época. Isso causou o boom criativo na Disney que massacrava qualquer outra empresa concorrente. Com isso surgiram inúmeras animações que conquistaram o público do mundo todo graças à grande qualidade técnica, as histórias simples e, claro, as infinitas canções. Em 2011, a Disney exibe orgulhosamente seu 50º filme animado.
Agora a princesa da vez é Rapunzel que, logo recém-nascida, foi raptada pela malvada Mother Gothel por causa dos poderes mágicos de seus cabelos – estes com capacidade de rejuvenescer a velha vaidosa. Para impedir que todos chegassem até Rapunzel, Gothel trancafiou-a em uma alta torre, privando os poderes mágicos dos cabelos da garota só para si. Após 18 anos presa na torre, Rapunzel recebe a visita de um convidado incomum – o ladrão mais esperto do reino, Flynn Rider. Este firma um trato com a princesa que sempre sonhou: descobrir de onde vem as luzes flutuantes que sempre acontecem na noite de seu aniversário em troca da coroa que ele havia roubado, agora escondida na torre. Esta aventura transformará o mundo de Rapunzel de cabeça para baixo e sua “mãe” não gostou nem um pouco e está determinada a sequestra-la novamente.
Nem um pouco enrolado
O roteiro ousado de Dan Fogelman adapta de forma muito interessante o conto pesado dos Irmãos Grimm. O maior mérito de seu trabalho foram os personagens, um mais original que o outro. Rapunzel é a ovelha negra das princesas da Disney: ela é estabanada, é carismática, tem conflitos, não é elegante, não tem postura, tem um réptil como animal de estimação e certamente não é tonta como Aurora de “A Bela Adormecida” ou indefesa como Branca de Neve. Muitas vezes, ela salva o “príncipe” da morte certa com manobras de seu cabelo que dariam inveja ao chicote de Indiana Jones.
Já o príncipe da história deixa de ser super afeminado como vários outros anteriores e vira o ladrão malandro Flynn Rider. E a vilã do momento, Mother Gothel é uma mulher de coração mais frio e cruel que o da Madastra de Cinderela. O mais interessante desta personagem é sua relação mórbida de amor e terror psicológico com Rapunzel e, quando esta a pergunta o que existe no mundo de fora, ela sempre responde com hipocrisia e se faz de coitada. Porém, nem de longe Gothel chega perto da maldade da vilã de “A Bela Adormecida”, Malévola – a personificação da maldade feminina, essa mulher é tão ruim que até sua pele é verde.
A história é bem arquitetada e explica o porquê dos cabelos de Rapunzel nunca poderem ser cortados ao contrário do conto dos Grimm, onde ela tem aquela cabeleira sem motivo aparente a não ser servir de elevador para a bruxa. O roteiro não esquece o conto e homenageia com a clássica frase “Rapunzel! Jogue seus cabelos!”, adaptada do original “Jogue suas tranças!”. Ele também possui passagens que lembram até demais outros filmes da Disney, como a cena que se passa no barco quase igual a da “Pequena Sereia”.
Nem tudo, entrentando, é um mar de rosas, o roteiro pode ser bom demais, mas mesmo assim não escapa da vilania de alguns críticos. Uma de suas falhas é a falta do desenvolvimento do cavalo com espírito de cachorro Maximus, sempre emburrado e caçando Flynn, muito diferente de Pascal, o camaleão boa praça que diverte o público a todo instante. Fora isso o desfecho de cada ato é bem previsível.
Os opostos não se atraem
Tive a oportunidade de assistir a versão com a dublagem original e a dublada do Brasil. Antes as dublagens brasileiras dos filmes da Disney eram simplesmente incríveis, agora parece que o encanto acabou. A diferença das duas versões são gritantes, afinal comparar Luciano Huck com Zachary Levi (famoso pelo seriado “Chuck”) é “loucura, loucura” como diria o caldeiroso.
Em algumas partes da versão brasileira, Luciano parecia que estava lendo uma pauta do quadro “Lar Doce Lar” de seu programa e além do mais, sua voz esganiçada e nasal não combina com a cara de Rider. Já Sylvia Salustti e Mandy Moore não diferem tanto, a voz das duas é igualmente agradável fora que Moore também não é tão boa atriz assim e Salustti já trabalhou bastante com dublagens. Gottsha faz a voz de Gothel na versão brasileira e tem uma mania irritante de terminar as frases cantarolando, coisa que Donna Murphy faz raramente. Aliás, quem realmente rouba a cena é Murphy, sua voz afinada deu as músicas no original outra cara, fora a dublagem magnífica. Ron Perlman também empresta sua voz cavernosa aos Irmãos Sttabington na versão original.
A nova aposta da Disney
A computação gráfica ou CG está ganhando força na empresa do Mickey. Antes a Disney tinha um comportamento relutante a respeito de filme em CG e deixava o trabalho nas mãos dos estúdios da Pixar, mas parece que agora tudo mudou e a maior prova disto é este filme. A animação inteiramente feita por computadores não poderia sair melhor: os níveis de detalhamento do longa são incríveis e fazem jus ao seu orçamento milionário.
O maior destaque ficar por conta do cabelo louro de Rapunze – repare que ele fica mais ralo enquanto ela o fica penteando e torna-se mais espesso enquanto parado ou molhado –, tudo feito com um cuidado incrível, fora a movimentação dele enquanto a princesa anda, pula ou o joga para o alto. É interessante citar que não foi somente o cabelo dela que é bem cuidado, o de Rider e Gothel também são muito bem animados e reagem a vento e aos gestos a todo instante. Fora a cabeleira dos personagens, as sobrancelhas, cílios e barbas – quando aparecem são detalhadas de pêlo a pêlo.
A física da água também é apresentada de maneira esmagadora, se a de “Megamente” era soberba, essa é simplesmente dez vezes melhor. Na cena em que a represa desaba, toda aquela quantidade de água reage com os elementos do cenário, transformando-se em espetáculo para os olhos. Falando em olhos, esses são um dos melhores que já vi, com direito até a contração de pupilas e de ficarem vermelhos quando os personagens choram.
Pegando as paletas
Outra vez a direção de arte da Disney dá o brilho de sua existência. Todos os cenários do filme têm um design inspirado assim como os personagens. Em cada cenário predomina uma cor. No início do filme, assim que Rapunzel sai da torre, tudo fica verde vivo; nas suas crises de existência, as cores ficam num tom verde musgo para contrastar a infelicidade da garota; já no covil dos bandidos predomina um tom avermelhado. Logo depois tudo torna-se bege claro misturado com o azul vivo da água.
Destaque para as entradas e saídas dramáticas de Gothel, com direito a nevoeiros e escuridão e as sempre ótimas cenas coreografadas. A cena mais bonita do filme é a do barco onde a criatividade dos artistas surpreendem até o espectador mais exigente: as lanternas e seus reflexos na água misturadas com o efeito 3D e uma fotografia inteligente resultam na melhor utilização da “nova” tecnologia até agora.
A caminho do 9º Oscar
Que Alan Menken é um gênio não é novidade. Afinal o cara compôs trilhas clássicas como as de “A Bela e a Fera”, “A Pequena Sereia”, “Aladdin” e vários outros. Durante o filme existe uma música de fundo que é incessante, ou seja, o tempo todo o filme tem alguma música. Para não perder o costume, suas músicas possuem todas alegorias possíveis: cheias de sininhos ou ritmos animados de piano dignas de Broadway.
Mas o melhor fica por conta das canções, todas são boas e tiveram uma adaptação interessante para o português, mas novamente a versão original é melhor que a dublada. As melhores músicas são “Mother Knows Best” e sua reprise, “I See The Light” e “Kingdom Dance” – esta última têm um toque irlandês muito legal.
Os efeitos sonoros também são competentes, sendo o melhor deles os barulhos que o cabelo de Rapunzel faz enquanto esfregam no chão ou se enroscam em alguma coisa.
Duas cabeças pensam melhor do que uma
O diferencial dos filmes da Disney era a dupla direção – dois diretores trabalhavam juntos, o que resultava em uma explosão de criatividade se ambos entrassem em um consenso. Fora a participação, neste caso, do produtor executivo John Lasseter proprietário do toque de Midas (tudo em que ele está envolvido transforma-se em obra de arte). Para ter uma idéia de sua competência, foi ele que desafogou a Disney durante sua época nem um pouco criativa: “Tarzan 2”, “Pocahontas 2” e vários outros filmes “2”.
Desta vez a direção ficou por conta de Nathan Greno e Byron Howard, cada um com seus méritos e toques especiais. Por exemplo, desconstruir a princesa modelo da Disney, humanizar os bandidos com seus respectivos sonhos, as crises de culpa de Rapunzel, etc.
Os dois fizeram um trabalho exímio deixando o filme com uma narrativa simples de fácil entendimento para as crianças e tirando o tabu de “filmes para meninas” com as inúmeras sequencias de ação que agradam todos meninos também.