Crítica | Monstros S.A.
Voltemos para 2001, quando nenhum espectador sequer sonhava com a possibilidade de lançarem um filme sobre monstros numa universidade. Esqueçamos essa que foi uma das piores produções recentes da Pixar – que bem provou não ter perdido o pique com o primoroso Divertida Mente. Voltemos para o início do século XXI, quando o mundo da animação passava por uma virada promovida pelas novas tecnologias que surgiam e pelo prestígio da Academia ao dedicar uma premiação para longas do gênero.
Como quarto longa dos estúdios Pixar, e com a velocidade com que avança a tecnologia, Monstros S.A. pode parecer visualmente, para olhos intolerantes, um pouco datado. Mas o que não falta ao filme é charme, especialmente no universo que constrói – tal qual o charme dos desenhos americanos antigos, cujos “defeitos” técnicos podem aparecer com mais facilidade hoje. Nos dois casos, no entanto, sobrevivem pela criatividade e pela capacidade de tocar o público. O fato é que temos aqui uma sequência brilhante para o que Toy Story e Vida de Inseto iniciaram: histórias que se constroem em mundo-espelho, distorcendo nossa "maturidade" com feições infantis.
Diferente de certas produções animadas em que a casca infantil é recheada com altas doses de ironia e brutalidade, que falam aos adultos e que relegam ao público infantil o pastelão (Ren & Stimpy como excelente exemplo de paroxismo), os filmes da Pixar seguem outro caminho. Nas melhores produções do estúdio, há sempre mais de um filme, que evolui desde a sociologia em Vida de Inseto, passando pela paternidade em Procurando Nemo, e que me parece atingir seu pico em Ratatouille. No caso de Monstros S.A., vemos essa mesma essência.
Acompanhamos os protagonistas monstruosos e carismáticos, o nanico ciclope Mike Wazowski e o peludo James P. Sullivan, que vivem em Monstrópolis, num mundo paralelo ao dos humanos e que trabalham dando sustos, aleatoriamente, em crianças à noite. O bicho-papão tem que sobreviver de alguma forma. Mas, de terror, não há nada. Depois que a garotinha Boo aparece em suas vidas, por um descuido, aí sim o terror aparece. Não pode existir nada de humano vivendo com os monstros. Daí, até o inesquecível último plano, caberá à dupla de amigos devolver a garota ao seu lar e lidar com as consequências da relação proibida que se forma entre os seres desse dois universos. Dessa inversão entre o mundo adulto do trabalho e o infantil da inocência apaixonada, desenrola-se uma deliciosa trama que dialoga com muita lucidez com quem por ela se aventurar.
Tudo embalado com muita textura e personalidade. Acima de tudo, figuras marcantes, situações hilárias. Encontramos a previsibilidade do enredo, uma outra piada deslocada. De resto, o timing é preciso, o que não fica tão difícil quando se tem as ótimas interpretações vocais de John Goodman como Sully, Billy Crystal como Mike e Steve Buscemi como o monstro camaleão Randall Boggs, rival do ciclope – escolhas mais do que perfeitas para dar o tom agridoce às personagens. Esse carisma se encontra também pela trilha sonora, já de cara, na abertura, que homenageia as animações dos filmes da Pantera Cor de Rosa, com diversas brincadeiras com os letreiros e as figuras na tela.
Em retrospectiva, talvez pareça que Sully e Mike não são tão marcantes quanto Woody e Buzz. E, realmente, fica difícil competir com a continuação de Toy Story – à época já nascia como um dos melhores filmes do final da década de 90, antes mesmo do nascimento de Monstros. Ainda assim é um belo trabalho, que dispensa a comparação com a flacidez juvenil do seu prequel lançado doze anos depois.
Monstros S.A. (Monsters, Inc; EUA – 2001)
Direção: Pete Docter, David Silverman e Lee Unkrich
Roteiro: Andrew Stanton e Daniel Gerson
Elenco: John Goodman, Billy Crystal, Mary Gibbs, Steve Buscemi e James Coburn
Gênero: Animação
Duração: 92 min
https://www.youtube.com/watch?v=iRh2kF-1X2E
Crítica | O Ladrão do Arco-Íris
Peter O’Toole, Omar Sharif e Christopher Lee. Essa é a razão pela qual você deveria assistir O Ladrão do Arco-Íris. Não se vira a cara quando um trio desses ocupa um mesmo filme. É a melhor obra da qual os três já participaram? Não. É a melhor performance deles? Não. Mas, ainda assim, são três colossos do cinema – na verdade, a única oportunidade que Alejandro Jodorowsky teve de dirigir três atores dessa envergadura. O fato de o resultado final não ser tão apoteótico quanto se esperaria não implica que este filme devesse ser abandonado – como seu próprio diretor o fez.
Na trama, nós conhecemos Rudolf Van Tannen (Lee), um excêntrico milionário que, após uma noite de excessos, sofre um ataque cardíaco e entra em coma. Enquanto seus familiares se debatem para saber quem irá ficar com a fortuna, o suposto favorito, seu sobrinho igualmente excêntrico Prince Meleagre (O’Tolle), decide de afastar da lúgubre disputa. No processo, acaba se tornando amigo de um pequeno ladrão chamado Dima (Sharif) e, com ele, discute os verdadeiros valores da existência, enquanto aguarda o desenlace da condição de seu tio.
Jodorowsky é um artista na acepção mais pura da palavra. Ele é incapaz de pensar objetivamente – seu trabalho é todo permeado por símbolos, cores e narrativas não-lineares. Isso tem seus prós e seus contras. Este colunista tem uma relação esquizofrênica com o diretor: acredita que, por conta de suas características inerentes e visões artísticas, os seus trabalhos nos quadrinhos são vastamente mais surpreendentes do que no cinema.
O Ladrão do Arco-Íris talvez seja o maior exemplo disso. A ele foi dada a missão de dirigir três atores que provocam reverências de cinéfilos à mera menção de seus nomes, com um roteiro que emula características dickenianas, com um orçamento razoável – sendo que, mesmo assim, o filme seria voltado primariamente ao público britânico, mais receptivo a narrativas elaboradas e cadenciadas. É como jogar com o Barcelona, no Playstation, no nível mais fácil, contra o XV de Piracicaba. Era entrar, dirigir, pegar sua grana e ouvir os elogios.
Não para Jodorowsky. Se o pilar fundamental da arte é a expressão – alguém quer dizer alguma coisa de alguma forma - então Jodorowsky é um artista. Mas, como dito anteriormente, isso é uma abstração que tem prós e contras. Em O Ladrão do Arco-Íris, todos aqueles que trabalharam com o diretor descobriram seus contras.
Ele sempre foi conhecido por mudar roteiros em cima da hora, por inserir símbolos e takes em suas filmagens que mesmo sua equipe era incapaz de compreender e, mais importante, por brigar com produtores e companhias que tentavam “cercear” sua criatividade. Mas é uma lógica irrefutável que qualquer grande artista, que possui uma identidade própria da qual ele não abre mão, tem que saber fazer também o básico. Quem quer esculpir sofisticadas e complexas esculturas em bronze tem que saber se virar com a argila da aulinha de educação artística.
E o que Jodorowsky demonstra em O Ladrão do Arco-Íris é que, quando lhe foi determinado – vide, determinado, não imposto, afinal, ninguém obrigou o diretor a trabalhar ali – que ele realizasse um filme com uma narrativa linear, sem a sua habitual ousadia visual e sem os excessos do seu conhecido experimentalismo – ou seja, que ele fizesse o básico como diretor, e deixasse seus atores brilharem em um roteiro relativamente comum, mas sólido – ele foi incapaz de cumprir sua missão, entregando uma obra que ainda destoa muito do cinema mainstream, mas que também não possui o impacto de um El Topo ou A Montanha Sagrada.
Esperamos ter deixado claro até aqui que o filme não é um total desperdício. Lee, O’Toole e Sharif dão ao filme um ar de legitimidade indelével – algo que nem todos as outras obras de Jodorowsky possuem – mas, sem o seu habitual controle criativo, O Ladrão do Arco-Íris parece seu filme menos “jodorowskiano”. E, para um autor que alegadamente depende da sua liberdade de expressão, isso é um problema e denuncia que o chileno poderia ser um samba de uma nota só. Esses fatores, associados às limitações impostas pelo estúdio, talvez expliquem porquê é um filme relativamente esquecido.
Isso fica muito claro quando tentamos isolar a performance do trio de protagonistas, que todos concordamos ser irrepreensível. As primeiras cenas com Lee e seu carisma magnético demonstram algum potencial do filme, com Jodorowsky trabalhando em cima de alguns de seus exageros habituais - a opulência de Rudolf é risível, ao mesmo tempo que a colorida cenografia enche os olhos. Entretanto, assim que o filme retorna às ruas, ele rapidamente degringola em um rip-off pouco inspirado e encaixotado de Fellini.
O’Toole e Sharif estão magníficos – como é de se esperar - mas eles são desesperadoramente subutilizados. Enquanto O’Toole muitas vezes permite que os excessos de Jodorowsky se transformem em um “overacting” – mascarando a mão pesada e ligeiramente perdida do diretor – Sharif cria uma figura jocosa como o seu amável ladrão, mas a ele não é dada a possibilidade de ir muito além disso, muitas vezes nos fazendo esquecer que estamos diante de um dos maiores atores da história humana. E quando nem Omar Sharif consegue sustentar plenamente seu filme, significa que você tem um problema.
Os méritos do filme – além de ter a oportunidade de ver o trio protagonista na mesma obra, mesmo que longe do seu melhor – está naquilo que Jodorowsky faz de melhor: o aspecto visual. O chileno tem um olho sublime para as cores vibrantes e as formas surrealistas, algo que fica explícito nas cenas da mansão de Rudolf e suas Rainbow Girls. Mesmo conceitualmente – a busca pelo “pote de ouro no fim do arco-íris” – evoca sua visão das cores como redentoras e libertadoras dos cismas e conservadorismo social: uma constante em seus filmes. Mas isso não exime o fato de que todo o resto do filme sofre com problemas relacionados a incapacidade de Jodorowsky fazer “apenas” o básico como diretor, em um filme que não era para ser necessariamente seu.
Talvez por esse aspecto, este colunista considere Alejandro Jodorowsky um artista mais bem-sucedido – em termos artísticos, ressalve-se – nos quadrinhos do que no cinema. O autor domina muito melhor as qualidades inefáveis da nona arte do que domina as necessidades técnicas da sétima. O cinema envolve uma dinâmica de produção objetiva que um artista que pensa de maneira quase que totalmente abstrata como Jodorowsky não consegue aceitar em sua plenitude – o que é um erro da parte dele como alguém que quer praticar cinema. Os quadrinhos são uma forma de arte cujo resultado final dependem muito mais da criatividade da equipe responsável, o que explica o sucesso dos trabalhos do chileno com Moebius, um dos poucos artistas que conseguiram capturar a genialidade das abstrações do autor e dar a elas formas e cores.
Muitos argumentarão que, se Jodorowsky tivesse o orçamento que teve para O Ladrão do Arco-Íris, com o mesmo elenco à disposição, mas sem as limitações impostas por estúdio e produtores, ele teria produzido uma obra-prima. Improvável. Seria mais fácil apostar na ideia de que o dinheiro teria sido torrado com todo tipo de maluquice, e o elenco teria sumido debaixo da megalomania do diretor. Isso não é bom nem ruim – as obras de Jodorowsky tem seus próprios méritos, e são geniais dentro dos seus próprios termos, mas não é o tamanho dos seus atores ou do seu orçamento que sustentam esse argumento, mas a conhecida influência do ego sobre a sua obra. Jodorowsky é um artista que expressa, sim; mas apenas a si mesmo. E o cinema, muito mais do que os quadrinhos, é um esforço coletivo.
Não foi dessa vez que ele encontrou o pote de ouro. Mas acho que pelo menos essa metáfora dá para entender.
O Ladrão do Arco-Íris (The Rainbow Thief, Reino Unido – 1990)
Direção: Alejandro Jodorowsky
Roteiro: Berta Dominguez D.
Elenco: Peter O'Toole, Omar Sharif, Christopher Lee, Ian Dury, Declan Mulholland, Ken Perry
Gênero: Drama/Fantasia
Duração: 87 min
Crítica | O Espetacular Homem-Aranha 2: A Ameaça de Electro
Depois de uma trilogia bem sucedida e um reboot irregular, chegamos a este O Espetacular Homem-Aranha 2: A Ameaça de Electro, nova investida da Sony em seu personagem mais lucrativo. E devo dizer que, sendo continuação de uma reimaginação pouco inspirada, comandada por um cineasta incapaz de lidar com espetáculos, uma versão de Peter Parker que não era a mais apropriada à criação de Stan Lee e Jack Kirby, e povoadas por três grandes vilões, o resultado poderia ser muito pior.
Mas merecia muito mais, e custou ao Homem-Aranha mais do que qualquer um poderia imaginar.
A trama se passa algum tempo depois do primeiro filme, onde encontramos Peter Parker (Andrew Garfield) confiante e se divertindo com seu alter-ego de Homem-Aranha, ainda que constantemente assombrado pela promessa que fizera ao Capitão Stacy (Denis Leary, em rápidas aparições) de ficar longe de sua filha, Gwen (Emma Stone). Ao mesmo tempo em que vai descobrindo mais pistas sobre seu passado, o herói é surpreendido pela chegada do antigo amigo, Harry Osborn (Dane DeHaan) e do vilão Electro (Jamie Foxx).
There will be Blood
Pelo breve sumário acima, já deu pra notar quantas linhas narrativas os roteiristas Roberto Orci, Alex Kurtzman (responsáveis pelo reboot de Star Trek, mas também pelos três primeiros Transformers) e Jeff Pinkner optaram por construir sua trama. Como a mania dos grandes estúdios agora é construir grandes universos expandidos no cinema (graças ao sucesso esmagador do Universo Cinematográfico da Marvel Studios), não espere que todas essas linhas saiam resolvidas; pelo contrário, este novo filme já prepara terreno para um inevitável terceiro filme e até futuros personagens do universo do Cabeça-de-Teia, nem que isso signifique puxar o fio da tomada em plena ação a fim de guardar seu desfecho para futuros longas. Como essa franquia acabou cancelada em virtude do acordo da Sony com a Marvel Studios, nenhum desses projetos ganhará a luz do dia, e o filme permanece eternamente incompleto. Um gigantesco tiro no pé.
Esses setups inconclusivos acabam por prejudicar elementos importantes no desenrolar da história. A relação entre Peter e Harry, por exemplo, é contada às pressas apenas para que o amigo do protagonista transforme-se em uma versão bizarra do Duende Verde, perdendo o impacto de um conflito entre dois amigos – algo muito melhor retratado, sem querer entrar muito no âmbito comparativo, na trilogia de Sam Raimi, principalmente por termos a relação dos dois sendo construída ao longo de três filmes diferentes - Webb literalmente gasta apenas três minutos em todo o estabelecimento, e com uma sequência musical e com elipses já temos que aceitar que os dois são grandes amigos, algo que nem o roteiro ou a química entre os dois é capaz de atingir.
Isso sem falar na subtrama dos pais de Parker e a Oscorp, que é enfiada no meio da projeção e fica lá por um bom tempo; fator que interrompe o ritmo favorável que o longa consegue obter aqui e ali. A decisão de transformar Peter em uma espécie de "experimento", com seu DNA já tendo sido alterado na infância para ser compatível às aranhas geneticamente modificadas também elimina muita graça e essência do personagem: Parker não é mais um cara qualquer que poderia ter se tornado um herói, ele já estava determinado desde criança. Quanto à Oscorp, é praticamente uma fábrica de vilões e que solta inúmeras referências a membros do grupo vilanesco Sexteto Sinistro, um dos projetos abortados do produtor Avi Arad após a fraca recepção deste longa.
Trinca de Vilões
E ainda que os três distintos vilões sejam bem distribuídos ao longo da narrativa, o roteiro do trio fracassa em garantir-lhes verossimilhança. Se até Sam Raimi que é um ótimo contador de histórias escorregou com a presença de três antagonistas em seu último filme com Tobey Maguire, que chances o pobre Marc Webb teria?
A começar por Electro, que parte de uma premissa interessante. De acordo com Webb e o ator Jamie Foxx, toda a obsessão de Max pelo Homem-Aranha foi feita de forma a refletir o excelente trabalho de Robert De Niro em O Rei da Comédia, de Martin Scorsese, explorando esse lado sombrio do fã e as ações extremas que podem levá-lo a cometer por isso. Alie-se ao fato de Max ser um solitário ignorado por todos, e temos o ponto de partida para um vilão com boas motivações e uma construção decente. Porém, Webb não é Scorsese e Foxx não é De Niro, e o resultado acaba sendo uma caricatura ridícula antes de sua transformação, com uma peruca óbvia e uma caracterização típica do trabalho de Joel Schumacher em seus filmes do Batman. Aliás, é curioso observar como o arco de Electro é praticamente idêntico ao do Charada de Jim Carrey em Batman Eternamente. Se inspirar em Scorsese pra cair em Schumacher é triste, para dizer o mínimo.
Após o bizarro acidente onde Max cai em um tanque de enguias, temos uma construção interessante desse Electro. A equipe de maquiagem merece créditos pela coloração azul e os "raios" em alto relevo no rosto de Jamie Foxx, que promovem uma boa interação com os efeitos visuais aplicados posteriormente, assim como os pontos de luz azul do fotógrafo Dan Mindel para a manifestação de seus poderes. Visualmente, tudo envolvendo o personagem é muito bonito, e nesse ponto é preciso dar algum valor estético a Marc Webb, que melhora consideravelmente desde sua condução fraca no primeiro filme, mas chegaremos a ele em alguns instantes. Foxx adota uma entonação mais lenta e suave após sua transformação, demonstrando sua óbvia dedicação e trabalho de construção ao personagem, mas nem mesmo o poderoso reverb elétrico aplicado em sua voz pode causar ameaça quando o roteiro lhe oferece frases como "É meu aniversário, hora de acender minhas velas!" em plena batalha contra o protagonista.
Por incrível que pareça, Electro talvez seja o "menos pior" dentre os múltiplos antagonistas do longa. Quando chegamos ao Duende Verde de Dane DeHaan, o trabalho aqui é tão porco e apressado quanto a introdução abrupta de Harry no primeiro ato, e o longa passa boa parte de suas cenas tentando apressar sua transformação no Duende. Surpreendido por uma doença em seu sangue, que acaba causando a morte de seu pai Norman (Chris Cooper, em aparição relâmpago), Harry aprofunda-se nos arquivos da Oscorp e descobre que o DNA do Homem-Aranha pode ser capaz de anular sua doença, o que motiva o jovem a matar o herói e conseguir seu sangue - quando este mesmo recusa após argumentar que os efeitos colaterais poderiam ser perigosos.
Sendo o bom ator que é, DeHaan convence ao exibir a raiva e frustração de Harry diante dessa situação, especialmente por seu timbre vocal ser um pouco mais frágil e esforçado durante suas cenas mais intensas, o que confere muito peso à sua performance, assim como os poucos momentos em que seu sarcasmo e ironia assumem o comando; vide sua negociação com Electro ou a chantagem ao CEO da Oscorp. Porém, quando ele de fato vira o Duende... Ok, pra começar que Harry simplesmente "encontra" o planador e o traje táctil no porão da Oscorp, rastejando até ele quando o sangue aracnídeo começa a provocar mutações em seu corpo. Sem qualquer explicação ou conhecimento do traje, ele rapidamente entra nele e sai voando com o planador, sem treinamento ou familiarizamento com a arma. E caso Harry realmente tivesse ciência do fator de cura do traje (algo que vemos quando ele já está vestido), por quê não usá-lo antes de injetar o sangue em si mesmo? E se elogiei o trabalho dos maquiadores em Electro, retiro o que disse ao ver o visual horroroso desse novo Duende. Nem me refiro a fidelidade aos quadrinhos, é simplesmente pura tosqueira, sendo difícil levar a sério o pobre DeHaan com uma cabeleira que o assemelha a um troll de jardim ou a coloração verde em sua pele.
Então temos... Bem, er... Isso é difícil. O Rino de Paul Giamatti. Tudo bem que já é no mínimo questionável a ideia de levar aos cinemas um homem vestido de rinocerontes, e o melhor exemplo que consigo pensar é a infame cena de Ace Ventura 2: Um Maluco na África, onde o detetive de Jim Carrey (olha ele novamente no texto) controla um rinoceronte mecânico. Aqui não é muito diferente, apenas trocando o formato mais animalesco por uma armadura que parece ter saído de um projeto abortado de Transformers, e que felizmente só aparece durante os minutos finais do filme, sem muita ligação com a já inchada trama central. E Giamatti está completamente surtado. Com um sotaque russo carregadíssimo e uma sucessão de caretas que deixaria Nicolas Cage com ciúmes, ainda me pergunto que tipo de direção o ator levou, e ver suas gargalhadas maléficas durante a perseguição de carros reforça minha teoria de que Webb estaria tentando emular Joel Schumacher.
Além desses oponentes mais diretos, o longa ainda planta pequenas sementes com personagens menores. O principal deles é a Felicia Hardy de uma Felicity Jones pré-Teoria de Tudo, que nos quadrinhos é o alter ego da vigilante Gata Negra, aqui ganhando um papel como secretária pessoal de Harry na Oscorp. Uma personagem subdesenvolvida e que aparece ali apenas para resolver algumas convenções e avançar a história, sendo um tremendo desperdício de potencial. Temos também B.J. Novaks como Alistair Smythe, que também é outro vilão das HQs, mas sua participação é inofensiva no filme, mais ou menos como Curt Connors também aparecia aqui e ali em Homem-Aranha 2 - ainda que o futuro Lagarto tivesse um papel integrado à narrativa, e não um mero fan service como o cientista de Novaks. Por fim, temos Marton Csokas disputando o posto de performance mais over com Giamatti, ao viver Dr. Ashley Kafka, um médico alemão que parece ter saído de uma sátira de Mel Brooks sobre o nazismo. Patético.
A Teia de Webb
Já o diretor Marc Webb, que não fazia ideia de como comandar uma sequência de ação no primeiro filme se sai consideravelmente melhor ao aumentar os riscos, os cenários e todo o feeling em tais momentos: a grandiosidade da cidade de Nova York é bem mais perceptível aqui. Claro, pesar de continuar sendo um amador no uso de efeitos visuais e revelar-se tarado por câmera lenta, que só é utilizada para reforçar poses marcantes e ações dinâmicas - vide o uso do sentido aranha do personagem. O sobreuso de efeitos também prejudica o ritmo e a condução da ação, especialmente durante a batalha final entre o Aranha e Electro, que não passa de dois bonecos de borracha se espatifando em meio a luzes azuladas, e a setpiece inteiramente digital torna a pancadaria um pouco monótona.
Logo no primeiro ato, temos uma boa perseguição de carros onde o humor do personagem é bem explorado pelas situações - ainda que seja questionável o fato de que essas piadinhas atrasam consideravelmente a ação, algo que é um tiro no pé considerando que Peter está correndo contra o tempo para parar os bandidos e chegar a tempo em sua formatura. Ainda que seja uma sequência um tanto problemática em sua montagem, que abusa da velocidade de cortes e ângulos durante os capotamentos, é uma evolução notável para Webb, que demonstra mais fôlego e grandiosidade do que em sua primeira incursão. De forma similar, a primeira batalha contra o Electro na Times Square é favorecida por esse senso de escala, principalmente pela simbólica imagem do vilão vendo seu rosto sendo projetado em todos os billboards e telões do centro de Manhattan, encontrando nessa grande set piece um valioso momento introspectivo para o antagonista azulado.
Ajuda também ter a presença épica de Hans Zimmer – junto com um grupo de artistas composto por Pharell Williams, Michael Einziger, Junkie XL e Johnny Marr – na trilha sonora, que traz a genial decisão de apostar em ritmos de dubstep para um vilão cujo poder é eletricidade, além de conferir uma fanfare empolgante e alegre para um Homem-Aranha insanamente bem humorado, fazendo jus ao título de "Espetacular" e ganhando variações bem sutis ao longo da narrativa.
O maior mérito da produção sem dúvida é o acertadíssimo humor do personagem, que surge sempre carismático e com piadinhas inspiradas na hora de frustrar criminosos armados em uma perseguição impressionante e ao sair pelas ruas assoviando seu próprio tema, favorecendo a ótima performance de Andrew Garfield, que abandona aquele perfil mais introspectivo e gaguejeiro para algo mais leve e expansivo - algo refletido até mesmo em seu cabelo, que passa do oleoso caído na testa para um topete elaborado, até representando essa transição para "a luz". E, preservando aquele que foi o grande acerto do longa anterior, Webb dirige bem as cenas em que Garfield contracena com a maravilhosa Emma Stone, capturando novamente a radiante química do casal – e também levando-o para caminhos mais dramáticos, onde temos a melhor cena que Webb já filmou em sua passagem pelo Aranhaverso.
É uma decisão corajosa a de matar Gwen no segundo filme, especialmente pela recepção extremamente positiva do público e crítica após o primeiro filme; a química entre o casal é literalmente a melhor coisa que já saiu dessa breve duologia. Mesmo que povoada de efeitos visuais, a queda de Gwen Stacy é dramática e poderosa ao demonstrar a imperfeição do Homem-Aranha, que por um triz não consegue salvar sua amada da brutal batida no concreto do chão. Aqui o slow motion realmente agrega ao conceito, já que Gwen cai em meio às engrenagens de um relógio, simbolizando o congelamento do tempo durante esses segundos decisivos - além de ser um belo resgate de seu discurso no começo do filme, onde a personagem também discute sobre os efeitos do tempo.
O overacting de Garfield que afetou a dramática cena em que o Tio Ben é assassinado no anterior felizmente não se repete aqui, e o ator entrega uma reação mais controlada - mas igualmente afetiva - para quando segura o corpo de sua namorada, e naquele momento o espectador é realmente capaz de sentir sua dor. Só é uma pena que esse ótimo momento venha perdido no meio de um filme embolado de eventos e personagens
No fim, O Espetacular Homem-Aranha 2: A Ameaça de Electro é uma experiência mais divertida do que a de seu antecessor, mas que ainda sofre de problemas similares em sua estrutura e direção; sendo mais um conjunto de bons momentos em meio a uma narrativa bagunçada e marcada por elementos ridículos, além daquela velha preocupação em iniciar universos compartilhados.
Trocamos o Homem-Aranha 4 de Sam Raimi por isso?
O Espetacular Homem-Aranha 2: A Ameaça de Electro (The Amazing Spider-Man 2, EUA - 2014)
Direção: Marc Webb
Roteiro: Alex Kurtzman, Roberto Orcio e Jeff Pinkner
Elenco: Andrew Garfield, Emma Stone, Jamie Foxx, Dane DeHaan, Sally Field, Felicity Jones, Paul Giammati, Chris Cooper, B.J. Novaks, Marton Csokas
Gênero: Aventura
Duração: 142 min
https://www.youtube.com/watch?v=XH7tR6yae48
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Crítica | O Espetacular Homem-Aranha
Quando a Sony Pictures optou por descartar a produção de Homem-Aranha 4, projeto que Sam Raimi já vinha desenvolvendo a um tempo após o sucesso financeiro de seu terceiro filme, um reboot rapidamente foi anunciado. Mesmo com um intervalo de apenas 5 anos, a ideia de O Espetacular Homem-Aranha foi aprovada, o que nos levaria a mais uma origem de Peter Parker e uma abordagem que fosse diferente daquela contada tão brilhantemente por Raimi no primeiro filme do personagem, em 2002.
Assumindo inspiração na linha Ultimate dos quadrinhos, os produtores Avi Arad e Amy Pascal contratam Marc Webb, da comédia romântica hit 500 Dias com Ela, para tocar o barco e apresentar um novo tipo de Homem-Aranha aos cinemas, explorando alguns detalhes nebulosos da mitologia do personagem, principalmente a misteriosa relação com os pais. No fim, o longa de 2012 não tinha nada de espetacular, sendo uma cópia apressada e genérica dos filmes de Raimi, que pontualmente traz seus bons momentos.
A história começa com um prólogo que nos revela a fuga dos pais do jovem Peter Parker, que são perseguidos por alguém e forçados a abandonar uma pesquisa envolvendo a genética de aranhas, deixando seu filho com os tios Ben e May (Martin Sheen e Sally Field). Anos depois, já na forma de Andrew Garfield, Peter segue uma vida pacata no colégio, com uma queda pela colega Gwen Stacy (Emma Stone) e instigado em descobrir a verdade sobre seus pais. A investigação o leva até os laboratórios da Oscorp, onde conhece o Dr. Curt Connors (Rhys Ifans), um antigo colega de trabalho de seu pai, e acaba sendo picado por uma aranha geneticamente modificada, garantindo-lhe poderes que o transformam no Homem-Aranha.
História Nunca Contada... Desse Jeito
É praticamente a mesma coisa que já vimos antes, o que gera um inevitável senso de comparação com o trabalho feito por Raimi em seus longas excepcionais - e ao colocá-los lado a lado, O Espetacular Homem-Aranha leva uma surra homérica. A forma como o roteiro de James Vanderbilt, Alvin Sargent e Steve Kloves (inacreditável uma trinca tão eficiente ter errado) balanceia a investigação do passado dos pais com a origem do herói é defeituosa e acaba limitando ambas as narrativas, mas especialmente aquela que motiva Peter e se tornar um herói. Faz falta um "grandes poderes trazem grandes responsabilidades", já que Peter simplesmente se torna o Homem-Aranha... Porque o filme precisa que ele se torne, servindo apenas para seguir sua caçada pelo assassino de Tio Ben.
Não temos nada como aquelas incríveis sequências de montagem do primeiro filme, onde Peter desenha no caderno os primeiros rascunhos do uniforme ou quando a câmera nos leva para a rua, coletando depoimentos do público, dos cidadãos comuns, sobre o surgimento do Homem-Aranha. Aqui, é tudo muito rápido e limitado em um universo minúsculo, sendo difícil levar a sério ou se envolver quando personagens como o Capitão George Stacy (Denis Leary) e Peter discutem sobre as ações do herói durante um jantar, já que não vimos absolutamente nada que sirva para sustentar a ideia de que o Aranha é uma figura pública. Nem ao menos o Clarim Diário aparece, figurando apenas em um pequeno easter egg quando vemos uma pilha de jornais na rua. Pode parecer apenas um fã querendo service de ver a figura de J. Jonah Jameson, mas a verdade é que esse núcleo jornalístico é importantíssimo para criar uma interação forte entre o herói e o universo comum da cidade.
O grande diferencial vendido pelo marketing, a tal "história nunca contada" envolvendo os pais de Peter Parker é outra decepção. Temos a criação do mistério, pequenos macguffins como a maleta de Richard Parker, o símbolo riscado do projeto dos Cruzamentos de Espécies e um fio condutor que praticamente move todo o primeiro ato. Porém, tudo isso é deixado de lado assim que Peter transforma-se no Homem-Aranha, não oferecendo nenhum desfecho ou resolução para todo esse mistério estabelecido - uma das muitas pontas soltas para a continuação, claro. De maneira similar, o roteiro comete o mesmo erro ao explicar melhor a passagem de Peter como um mero vigilante caçando o assassino de seu tio para um herói propriamente dito. Há uma tentativa disso durante um diálogo com Gwen Stacy, onde Peter fala sobre como sente-se responsável por impedir o Lagarto, justamente por tê-lo criado, mas nunca temos uma transição abrupta entre essas duas personas de Peter, faltando uma interação mais demarcada entre o público e Peter.
E por falar em interação, talvez a mais crucial seja onde o longa mais falha: o protagonista. Sim, todos sabemos que Webb e os roteiristas desagradaram os fãs ao criar um Peter Parker mais moderno e longe da figura do nerd tímido de Tobey Maguire, conferindo a ele um visual hipster e até o hábito de andar de skate. É de se admirar que a equipe tenha optado por criar algo novo, e Garfield se sai bem ao trazer essas características um tanto awkward desse Peter - sendo um retrato apurado de algumas tribos sociais. O problema é que esse Peter Parker é difícil de se criar qualquer tipo de apego. Mesmo que Garfield tenha uma carga dramática notável, nunca torcemos por seu Peter, nunca sentimos seu amor por Gwen Stacy ou sua vontade de realmente fazer o bem; quando ele decide lutar contra o Lagarto e assumir responsabilidade por sua criação, falta a catarse e o crescimento emocional do personagem, que parece assumir o manto do Aranha "por obrigação".
Porém, as cenas em que Garfield contracena com a excelente Emma Stone trazem ótimos momentos onde Marc Webb faz o que sabe fazer melhor: dirigir atores. Sempre regadas com um notável improviso e muita naturalidade, vemos o casal interagir e conversar e o espectador pode sentir uma química explosiva entre os dois (os dois acabaram namorando na vida real após o filme), que transcende o roteiro ruim e os diálogos risíveis, do tipo "Eu fui picado...", "Eu também" ou o clássico "Você beija muito bem", entre outras abominações. Mesmo que a conquista de Peter seja muito "fácil", em relação ao platonismo incendiário de Tobey Maguire pela Mary Jane de Kirsten Dunst, Webb é hábil ao oferecer enquadramentos intimistas e um ritmo acertado em tais cenas - o mesmo se aplica à relação turbulenta de Peter com sua Tia May, vivida por uma eficaz Sally Field, e que garante um dos momentos mais inesperadamente dóceis do filme envolvendo ovos orgânicos.
Como falei de Sally Field, nada mais justo do que falar daquele que provavelmente é o melhor ator de todo o elenco: Martin Sheen. É difícil se equiparar ao trabalho magistral de Cliff Roberston na trilogia de Raimi, mas Sheen acerta ao fazer de seu Tio Ben um sujeito um pouco mais esquentado e irônico, chegando até mesmo a dar broncas rígidas à Peter, mas sempre buscando uma lição moral digna no meio da gritaria - mesmo que, novamente, o texto seja desajeitado nessa proposta, como se tentasse ao máximo evitar a frase "grandes poderes, grandes responsabilidades", oferecendo algo como "não é uma escolha, é responsabilidade". Linhas de diálogo confusas, mas Sheen definitivamente garante uma ótima presença em cena.
Nada de Espetacular
Já na condução das cenas de ação, infelizmente Webb não é o tipo de cara para esse serviço. Nenhuma das set pieces faz jus ao título do filme, com efeitos visuais borrachudos e com uso constante atrapalhando a imersão nos eventos, que ainda carecem de imaginação para golpes, saltos ou outras coisas que só o Homem-Aranha pode fazer; sempre que o herói entra em conflito com o monstruoso Lagarto, é só um festival de efeitos sem graça. Certamente influenciado pela onda sombrio e realista de Christopher Nolan em sua trilogia Cavaleiro das Trevas, Webb aposta em algumas poucas sequências onde o Aranha é vivido por dublês e acrobatas, rendendo a cena de balanceamento por teias mais sem graça e escura que poderíamos imaginar, um erro tremendo para um personagem tão colorido e fantástico quanto o Cabeça de Teia. Vale mencionar também como a música em tais cenas é tão sem imaginação quanto seu diretor, representando um dos trabalhos mais fracos de James Horner, que diversas vezes ecoa Titanic (nos momentos errados) e prefere optar por belas melodias quando deveríamos ter algo mais intenso, vide a luta entre o Aranha e Lagarto nos corredores da escola.
Os únicos bons momentos nesse sentido são quando Webb busca algum intimismo nessas sequências, como quando o Homem-Aranha tira sua máscara para ajudar um garoto preso em um carro em chamas (ainda que Garfield torne-se aqui um Peter completamente diferente do resto da produção), com o diretor criando uma tensão palpável ao variar entre planos claustrofóbicos do interior do carro e alguns detalhes como o fogo crescendo ou o pára-choque que o herói segura lentamente se deteriorando. Essa tensão também está presente naquela que talvez seja a melhor setpiece do filme, quando o Homem-Aranha rastreia o Lagarto até os esgotos e confecciona uma gigantesca teia que atravessa todos os túneis do local, a fim de detectar os movimentos de seu inimigo com os toques em cada fio. A cena é curta, mas se estende bem quando diferentes movimentos vão ativando os "sensores" da teia, e aqui sim a trilha de Horner acerta ao apostar em instrumentos e elementos que capturem o fator animalesco do vilão, principalmente pela linha vocal sinistra.
E ainda que não seja exatamente uma cena de ação, a sequência onde Peter treina suas habilidades recém-descobertas com um skate, ao som da linda "Til Kingdom Come", do Coldplay, é também uma das cenas mais bem elaboradas de toda a projeção, especialmente pelas elipses sutis e a sensação crescente de que o personagem está se tornando mais poderoso, marcado pelos cortes precisos que vão revelando o aumento de altura dos obstáculos utilizados por Peter para saltar de skate. Mas, claro, Peter Parker não anda de skate.
Porém, é de se espantar que a mão de Webb falhe tanto naquele que é mais crucial momento dramático da produção: a morte do Tio Ben. Eu nem vou me dar ao trabalho de comparar com o trabalho de Sam Raimi novamente, pois todos nós já entendemos a superioridade absoluta daquele filme em relação ao reboot, mas é difícil prender a língua - ou, neste caso, o teclado. O assassinato de Ben Parker se dá da forma mais abrupta e fria possível, com o senhor tentando brigar com um assaltante para tomar sua arma. Mesmo. Não bastando a circunstância absurda do ato, Webb a filma como se fosse qualquer outra cena, apenas usando a óbvia câmera na mão para oferecer algum impacto - e também por um plano detalhe um pouco mais edgy por mostrar o sangue nas mãos de Peter, que só é um pouco exacerbado pela música mais delicada de Horner. E se as pessoas criticam Tobey Maguire, queria ver a defesa para o overacting pavoroso de Andrew Garfield ao chorar diante do corpo do tio.
Um recurso que acaba envelhecendo muito rápido e que só funcionara nos cinemas são as câmeras em primeira pessoa, inseridas abruptamente em algumas cenas apenas para que o 3D do filme marcasse algum efeito, já que Webb definitivamente não explora bem a profundidade de campo para criar imagens que façam valer a exibição do filme no formato. O problema nem é o uso desse recurso limitado e mais propício para atrações de parques de diversão, mas sim a maneira como são literalmente jogadas no meio das sequências, em uma decisão estranha dos montadores Pietro Scalia, Alan Edward Bell e Michael McCusker, mas que certamente fora uma exigência do estúdio a fim de "fazer valer o ingresso". Isso sem falar que a fotografia um tanto escura de John Schwartzman aposta demais em sombras e níveis de preto, o que rende uma péssima experiência com o formato 3D - e, convenhamos, não é a escolha mais apropriada ao se retratar o Homem-Aranha.
Por fim, e isto talvez seja a crítica mais inútil e imperceptível, mas... O Espetacular Homem-Aranha talvez tenha o pior elenco secundário/figurantes que já vi em uma produção do gênero. Basta lembrar do caixa no mercadinho onde Peter acaba encontrando o assaltante que acabaria por matar seu tio, que varia entre uma mistura bizarra de piadista com valentão; e nunca consigo deixar de reparar em como ele é uma versão mais jovem do Hurley de Lost. Mas o pior exemplo é a recepcionista da Oscorp, que conversa com Peter como se - literalmente - fosse um andróide, e não ajuda que a pobre coitada seja vítima de um diálogo horroroso, que "sutilmente" brinca com a moral do filme ao perguntar (não uma, mas duas vezes) se ele "está tendo problemas ao se encontrar", referindo-se a seu crachá de identificação. Não é do meu feitio ficar reparando na atuação de figurantes ou personagens secundários, mas o nível neste filme é tão deprimente que acabou realmente se destacando de forma negativa.
A Besta Opaca
Então, chegamos ao antagonista. Como os conhecedores de quadrinhos bem sabem, o Homem-Aranha talvez seja o herói com a melhor e mais variada galeria de vilões que há, perdendo somente para a igualmente rica coleção de vilões do Batman. Tendo isso em mente, a escolha do Lagarto como vilão poderia render uma história mais intimista e até voltada para o suspense, com uma inspiração no clássico O Médico e o Monstro. Infelizmente, graças a essa trama maior envolvendo a Oscorp e os pais de Peter, temos um Lagarto que é inteligente e megalomaníaco, com a absurda motivação de... transformar toda a população de Nova York em lagartos. Não, isso não é mentira. Não, não estamos falando do seriado do Batman dos anos 1960, mas sim de um longa que assumidamente é "sombrio e realista".
Como se não bastasse a ideia risível, as soluções visuais de Webb e sua equipe de efeitos especiais são ainda mais vergonhosas. O visual do Lagarto é defeituoso em sua tentativa de oferecer expressividade à criatura, principalmente nos movimentos duros e artificiais, quase como se renderizamento gráfico da animação não estivesse completo. Felizmente, Rhys Ifans é capaz de oferecer uma performance memorável como o lado humano do vilão, Curt Connors. A dicção do ator é quase shakesperiana, conferindo imponência e suavidade a todas as suas cenas com Peter, e também explorando um lado animalesco notável em seus momentos mais insanos - vide seu transe logo após se "destransformar" do Lagarto pela primeira vez, onde o ator fica ofegando rapidamente por um bom tempo com a câmera centrada em seu rosto.
Porém, por mais eficiente que Ifans seja em sua performance, também falta muito ao personagem de Connors. Sabemos apenas que é um cientista bem intencionado que visa recuperar seu braço perdido, além de ter a visionária ideia de eliminar deficiências e imperfeições da espécie humana, utilizando o DNA de lagartos para um cruzamento genético. E Connors não vai além dessa nota. Um personagem unidimensional e sem grande desenvolvimento, onde nem ao menos a velha carta de "pai substituto" é usada em sua relação com Peter, algo que tornaria suas cenas um pouquinho mais interessante - e traria mais risco para suas muitas cenas de briga. Vale mencionar que o filme teve diversas cenas cortadas, e algumas delas traziam um núcleo com o filho pequeno do personagem, e é uma pena que tenham acabado de fora do corte final, já que poderiam trazer uma merecida profundidade à Connors, e também às suas motivações pessoais.
No fim, este "espetacular" Homem-Aranha surge muito aquém de sua proposta, surgindo como uma versão mal feita e sem identidade da maravilhosa trilogia de Sam Raimi, e a impressão que fica é que era cedo demais para seguir os passos de um gigante. Andrew Garfield compõe um perfil interessante e diferente de Peter Parker, mas justamente por isso acaba criando um protagonista difícil de se afeiçoar ao público.
O Espetacular Homem-Aranha (The Amazing Spider-Man, EUA - 2012)
Direção: Marc Webb
Roteiro: Alan Sargent, James Vanderbilt, Steve Kloves
Elenco: Andrew Garfield, Emma Stone, Rhys Ifans, Sally Field, Martin Sheen, Denis Leary, Irrfan Khan, Campbell Scott
Gênero: Aventura
Duração: 136 min
https://www.youtube.com/watch?v=I7bbA0wBMDw
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Crítica | Santa Sangre
De toda a carreira de Alejandro Jodorowsky, é Santa Sangre, de 1989, o filme que mais conversa com um público cinéfilo, que muita vezes se espanta com a mão esotérica dos longas anteriores, e outro mais interessado nos símbolos e na sua potência iconoclasta. De fato, parece ser o filme em que o diretor chileno constrói uma história em um cenário regional e de grandiosidade mitológica, psicanalítica e não o contrário. É como se Jodorowsky, então, retornasse ao seu tão caro universo das construções simbólicas para procurar na sua cultura, numa história não original, mas repleta do que povoa o imaginário dos seus filmes, para fazer suas reflexões.
Em El Topo, Jodorowsky já partia de certos princípios do cinema western spaghetti para representar seu mundo banhado a Buñuel e Fellini, explodindo uma energia muito particular material e espiritualmente. Em Santa Sangre, a narrativa parece se constituir de maneira ainda mais simples, num burlesco à rédea curta.
Gostando dos seus filmes ou não, no mínimo, único é um adjetivo que cabe ao diretor. Ao apropriar-se de determinados estilos, é quase impossível que esse seu apelo não seja articulado com seus impulsos artísticos. Ainda bem que, no caso, as partes chegam em um acordo. O esoterismo faz parte da história e ela não é sua escrava, assim como a narrativa não poda as veredas místicas do imaginário representado.
Somos apresentados ao protagonista Fênix (Axel Jodorowsky), já adulto, internado em um hospício. A partir de um flashback, retornamos ao seu mundo na infância, numa das épocas mais conturbadas de sua vida, na Cidade do México, onde vive com sua mãe (, trapezista, e seu pai, atirador de facas e dono do circo. De um lado, o garoto recebe a influência da mãe, fanática de uma religião que cultua uma mártir que teve seus dois braços cortados após ser estuprada. Do outro, a brutalidade do pai, um sujeito grotesco, que além de marcar seu filho pelas atitudes reprováveis, também deixa a marca hereditária da tatuagem da águia no peito. A esse ambiente conturbado, soma-se a presença de outras figuras circenses curiosas, como palhaços, um anão, uma mulher tatuada e a garota surda-muda Alma (Sabrina Dennison). A segunda metade do filme acompanha uma outra realidade de Fênix, já “livre” da opressão do pai, mas agora subserviente à figura da mãe.
No cenário da pobreza da Cidade do México, acompanhamos uma história de construção, destruição e reconstrução de uma personagem (sem esse processo não seria fênix), pressionada por entre os laços da tradição e liberta pelo contato exterior, isto é, não familiar, nem sanguíneo. Há muito de sagrado no sangue, como se vê nas representações hiperbólicas da santa que preenche uma piscina com o seu sangue, na marcação da tatuagem, nos embates mortais. Santa Sangre é uma jornada de ruptura, que passeia de um melodrama particular, latino-americano só no sentido mais superficial, e ainda assim repleto das abstrações e interpretações psicanalíticas. Aproxima-se da “cultura de massa”, de uma unidade regionalista, folclórica, estereotipada, ao mesmo tempo que dá alguns passos para trás para manter sua almejada identidade. E dessa vez, Jodorowsky não apela para a quebra da ficção como faz na representação metalinguística do final de A Montanha Sagrada. No caso, somos seduzidos a cada passo, a cada quebra articulada em terreno mais palpável, o da realidade. E que cenário melhor para isso do que o das fascinantes estripulias dos artistas de circo? Tudo embalado a muito mambo e músicas que remetem à cultura latino-americana.
Dentre as cenas, merece destaque os gritos de prazer da mãe de Fênix e o suspiro mortal do elefante. Segue-se a força sintética do funeral do animal, que abre uma grande brecha como metáfora política, quando unida ao festejo promovido pela multidão das profundezas, mas também como signo do fim de uma das etapas da vida do protagonista. Esse momento se repete, antes do desfecho, quando Fênix consegue realmente se libertar pelo silêncio, quando não há outra escapatória, senão olhar para si mesmo. E enfim, o protagonista, reflexo de Jodorowsky, pode largar O Homem Invisível que vive dentro de si e entender o que quer dizer ser um “autor”.
Santa Sangre (Idem, Itália e México – 1989)
Direção: Alejandro Jodorowsky
Roteiro: Alejandro Jodorowsky, Roberto Leoni e Claudio Argento
Elenco: Axel Jodorowsky, Bianca Guerra, Guy Stockwell, Sabrina Dennison
Gênero: Drama/Suspense/Terror
Duração: 123 min
https://www.youtube.com/watch?v=Bx2vwzXF1B0
Crítica | Tusk
É difícil ser categórico em relação ao talento cinematográfico de alguns diretores. Às vezes, as obras do sujeito são experimentais demais para afirmar decisivamente sobre a sua capacidade. Em outros casos, trata-se um esteta desprovido de todo o resto. Porém, há uma maneira, quase sempre infalível, de resolver essa questão: basta ver como ele se sai dirigindo um filme mais narrativo. Afinal de contas, antes de propor uma revolução formal ou uma experiência inteiramente estética, o cineasta precisa dominar as ferramentas elementares de sua arte. No que diz respeito a Alejandro Jodorowsky, essa regra se aplica perfeitamente. Se os três longas-metragens iniciais de sua carreira deixam um ponto de interrogação na cabeça do espectador, Tusk oferece a resposta definitiva: ele é, na maior parte das vezes, um enganador.
E, como tal, para sair ileso do verdadeiro julgo crítico, se aproveita de seu "talento" para criar simbolismos óbvios e, principalmente, da relativização que afunda a arte num lamaçal onde os padrões objetivos de avaliação foram todos indevidamente eliminados. Assim, dizendo nada e gerando somente repugnância e ojeriza, consegue posar de artista genuíno. Era de se esperar que um homem chamado de genial em razão de suas primeiras incursões no Cinema fosse capaz de contar a simples jornada de escravidão e libertação de um elefante sem que houvesse muitos percalços no meio do caminho. Mero engano. Em seus três primeiros filmes, é quase impossível encontrar algo característico de um gênio. Dessa maneira, dificilmente, as coisas mudariam tão abruptamente no seu projeto seguinte.
No entanto, antes de afundar completamente, Tusk até tem um início promissor. Começando com um plano que dura vários minutos e é construído a partir de uma alteração complexa de zoom in para zoom out, Jodorowsky estabelece competentemente tanto o universo em que a história se desenrolará quanto o paralelo que une a inocência das crianças com a dos elefantes. Depois disso, através de uma comovente montagem alternada, ele também cria um elo entre o nascimento de Tusk (o elefante que dá nome ao filme) e o de Elise (Cyrielle Clair) - corretamente, são reforçados no restante da narrativa a ligação emocional entre os dois e o fato de não só a mulher, como também os animais, serem oprimidos. Por fim, ainda no primeiro ato, há uma precisa abordagem documental para relatar o cotidiano da Índia, e a generalização feita em cima dos personagens - John Morrison (Anton Diffring), vestindo branco e com cabelos e olhos claros, é o típico europeu colonizador, e Richard Cairn (Christopher Mitchum), o americano ganancioso e bélico - é bem realizada.
Porém, tudo o que foi mencionado acontece nos primeiros minutos de um filme que tem quase duas horas de duração. No desenrolar da história, torna-se evidente que Jodorowsky não conseguiu achar um meio termo entre a abordagem alegórica e uma trama linear. Todas as vezes que alguém trabalha com personagens cuja existência representa um conceito - no caso de Tusk, o elefante representa a liberdade do povo indiano, que estava sob o jugo dos britânicos, Elise é a encarnação da inocência e compreensão, e os papéis de Morrison e Cairn já foram mencionados -, é necessário que esses conceitos sejam aprofundados. Se isso não acontecer, o que se tem é a repetição vazia de ideias que já foram estabelecidas, numa sucessão insuportável de reiterações.
Infelizmente, o último caso é justamente o que acontece neste filme. Como Jodorowsky criou uma narrativa direta, porém, personagens conceituais, o público passa a acompanhar os seus dramas, mas nunca chegando a se importar com eles. Na tentativa de gerar um conteúdo intelectual e reflexivo, erroneamente, o diretor chileno apelou aos sentimentos e não às ideias. No fim, não atiçou o coração nem a mente. Pois, praticamente, por uma hora e meia, o espectador fica ouvindo falas sobre coisas que já foram suficientemente assimiladas e acompanhando personagens acerca dos quais nada de realmente profundo é conhecido. Sendo assim, não se recebe nada mais além da retórica "os ocidentais são maldosos e os nativos, bondosos" e a trajetória de seres cujos dramas ressoam muito pouco em nós.
Além disso, é adicionada à história geral uma subtrama composta por personagens que só existem para movimentar os trinta minutos finais, agindo sem motivações claras ou justificáveis; um relacionamento amoroso forçado e que, amadoristicamente, não é sequer vislumbrado na primeira hora de filme; e, no fim, personagens mudam de postura de uma maneira inverossímil e apressada. Já a condução de Jodorowsky, assim como a trilha sonora (idêntica às que eram usadas em produções da década de 1980) e a fotografia naturalista de Jean Jacques-Flori (embora a iluminação sem vida seja essencial para retratar a Índia como ela é e não exótica como os ocidentais a enxergam) não possuem muita personalidade.
Dessa maneira, se colocando na pele do espectador que só assistiu aos primeiros quatro longas-metragens de Jodorowsky, como há se de chegar a conclusão de que o diretor chileno merece, sim, ter as suas próximas obras conferidas? Quando se pretende experimental, entrega filmes esteticamente poderosos, mas vazios de conteúdo. E, no momento em que busca fazer um cinema mais clássico, não consegue contar uma simples história sem cometer inúmeros erros durante o processo. Será que errei em pensar que artistas geniais dominam a técnica de suas respectivas artes?
Obs: ainda em tempo, que estranha obsessão Jodorowsky parece ter com tortura de animais, não?
Tusk (Idem, França e Índia – 1980)
Direção: Alejandro Jodorowsky
Roteiro: Alejandro Jodorowsky, Nicholas Niciphor, Jeffrey O'Kelly (baseado num romance de Reginald Campbell)
Elenco: Cyrielle Clair, Anton Driffing, Serge Merlin, Christopher Mitchum, Michel Peyrelon, Sukumar Anhana
Gênero: Fantasia/Drama
Duração: 119 min
https://www.youtube.com/watch?v=vum6Ymho5TQ
Crítica | Vida de Inseto
Começar a balbuciar sobre o grande legado que a Pixar tem no mundo da animação no cinema nem chega mais a ser um irritante clichê hoje e sim apenas um atestamento de um fato! Eles, em pouco menos de uma década, já solidificavam seu nome como grandes criadores de perfeita arte da animação moderna até os dias atuais, não importando suas pequenas derrapadas aqui e ali, e que só vieram a inspirar vários outros de seus "concorrentes" ou admiradores. Com filmes que já fazem parte do subconsciente nostálgico de várias gerações, tanto quanto a Disney em seus tempos áureos.
E de todos os grandes filmes que a Pixar produziu até hoje, que os nomes nem preciso mencionar, onde Vida de Inseto se encaixa no gosto geral?
Este foi o segundo longa da Pixar e o segundo filme sob a direção do grande John Lasseter após seu estrondoso sucesso com o maravilhoso Toy Story, e que o fez antes de partir para o ainda melhor Toy Story 2, com a ajuda do jovem Andrew Staton no roteiro e co-dirigindo.
E mesmo tendo visto uma reação bem positiva da crítica, sinto reparar que poucos mencionam ou sequer valorizam o filme de Lasseter e Staton, muitas vezes sendo colocado como um dos “mais fracos” entre os filmes da Pixar. Talvez seja a sempre velha praga que venha assolar vários clássicos com o público de hoje, ou o mesmo que cresceu com esses filmes que é a desvalorização dos feitos passados, e afirmo que Vida de Inseto é um grande feito!
As Formigas Magníficas
Talvez seja pela infame fama do filme ser constantemente, até hoje, comparado com Formiguinhaz, outra bem conhecida animação lançada no mesmo ano envolvendo uma formiga operária querendo se provar perante sua colônia e salva-la de um iminente perigo, quase a mesma coisa que Vida de Inseto, com vários chamando um como cópia fajuta do outro e vice-versa. Mas uma comparação um tanto muito injusta eu diria, por conta das propostas claramente distintas.
Enquanto Formiguinhaz possui uma personalidade característica do seu universo das formigas muito... "humanizado”, com as personagens sempre dialogando em um calão adulto e sua colônia ter a estrutura de uma verdadeira cidade grande com empregos, lojas, etc...; já em Vida de Inseto temos formigas sendo verdadeiras formigas, enfileiradas colhendo seu alimento para sobreviver ao inverno, agindo como a natureza as criou. Uma conseguindo com uma narrativa um tanto adulta com sutis temas existencialistas (quase a versão animada de um filme de Woody Allen), enquanto Vida de Inseto cria sua história, bem familiar, para toda a família se entreter e relacionar.
A narrativa de Vida de Inseto parece ser inspirada na fábula "A Formiga e o Gafanhoto". Nela, um gafanhoto faminto exige comida de uma formiga conforme o inverno se aproxima. Praticamente, a mesma proposta é posta em pauta na narrativa da obra da Pixar. Aqui, Flik, uma formiga inventora desacreditada, procura ajuda fora da colônia para recrutar insetos a fim de combater a nuvem de gafanhotos liderados pelo tirânico Hopper.
É como sempre dizem (ou pelo menos eu digo), que se Sete Homens e um Destino de John Sturges é considerado a versão americana de os Sete Samurais de Akira Kurosawa no Velho-Oeste, Vida de Inseto com certeza (talvez) merece o status de sua versão em animação, e em todos bons sentidos da coisa!
Seguindo essa lógica, e lá vai eu atestando o talvez óbvio novamente, o filme se solidifica assim como uma verdadeira fábula moderna da lendária história da busca dos heróis sem redenção para salvar seu povo. Mas que segue o foco mais diferente, e deveras muito emocionalmente recompensador do mesmo.
Se Toy Story lidava com a vida ‘imaginativa’ e fantasiosa dos bonecos que possuem vida própria e assumem sua responsabilidade de sua existência que era trazer uma alegria para uma criança; Vida de Inseto é sobre as formigas assumindo e encontrando o real sentido em sua natureza de vida e existência muito maior do que podem pensar, o verdadeiro sentido da vida de um inseto!
"Só imagine que essa pedra é uma semente!"
Os heróis que o protagonista Flik parte para buscar em sua pequena jornada, o divertidíssimo e carismático grupo do circo de insetos, são seres perdidos no rumo de suas vidas tanto quanto ele é na sua busca de se provar de valor perante a colônia devido suas inconvenientes e desajeitadas invenções, e ao mesmo tempo salvá-la desse destino quase escravagista em que vivem sob o domínio opressor dos gafanhotos. E no final, através da sua forte união, conseguem triunfar e encontrar o lugar de cada um e a felicidade que tanto buscavam.
Uma situação da fábula que resume bem as lições morais sobre as virtudes do trabalho árduo e o planejamento para o futuro que vem exatamente do conto da Formiga e o Gafanhoto, só que de certa forma mais ampliada para os temas de união e amizade.
Pode se discutir que por essa perspectiva, o filme possui um certo teor político no que se refere ao tema do "união faz a força" que ecoa no desenvolvimento da trama, assim como Sete Samurais tocou no assunto do sofrido proletariado sendo explorado pela minoria opressora. E de certa forma lembra o que Hayao Miyazaki fizera em Princesa Mononoke com a natureza se unindo contra o domínio do homem, ou nesse caso as forças que os oprimem representado no pequeno bando de Hooper, só que tudo colocado em um tom mais ameno e sutil da leve e concisa narrativa que se constrói aqui.
E as comparações orientais não param por aí!
Uma força da Natureza!
Não é de hoje que Lasseter é um fã confesso de Miyazaki e de como o seu trabalho no Studio Ghibli o fortemente lhe influenciou na Pixar, e aos outros grandes diretores que a consistem. Sua capacidade de contar suas invocativas e fantasiosas histórias de forma tão madura e de mente aberta para tanto o público infantil quanto o adulto. Marca essa que se encontra na maioria dos filmes da Pixar e muito aqui!
Vida de Inseto é, literalmente, um filme pequeno. Sutil. Sem altas pretensões e muito focado na construção da pequena história do desafio que se apresenta à pequena colônia de formigas. E essa talvez seja a grande especialidade de Lassester em sua direção de animações: os pequenos ambientes, as pequenas histórias, explorar o foco de sua trama em uma escala tão pequena e sutil, e assim dessa forma, ressoando sua verdadeira magnitude na essência dramática da história. Basta olharem para as grandiloquências gritantes de Carros 2 onde ele falhou, e na soberba escala tão intima que ele construiu em seus Toy Story pra reparar essa disparidade e do quanto estou certo!
E ao abordar essa pequena escala, o seu Vida de Inseto assume uma vertente de narrativa visual que muitos poucos reparam, algo que ele tira exatamente de Miyazaki e este que já se inspirava nisso em Kurosawa. Contando boa parte da história sim nos diálogos bem estruturados e escritos recheados de um humor afiado e certeiro junto do drama maduro bem elaborado, mas também na sua composição visual e a forma que ele usa e abusa da ambientação desse mundo das formigas aqui.
Com a própria natureza aqui sendo muito usada de forma narrativa em pequenas, mas bem relevantes doses ao longo do filme: irônico que a pequena cidade dos insetos que Flik inicia sua busca pelos heróis se localiza bem perto de um pequeno resquício de civilização humana, um trailer no meio do nada (imagina a quantidade de insetos numa cidade grande); a fuga da pequena Dot no meio do filme, em pleno campo gramado coberto de neblina parece algo tirado de um filme de Kurosawa (como se a natureza estivesse no lado das formigas em seu embate contra os gafanhotos); e no clímax tem o pequeno incêndio indicando o conflito, logo seguido da grande chuva indicando a lavagem do mal e a renovação, assim como um certo Sete Samurais teve em seu icônico clímax não é mesmo?! (e meio que tirado do clímax de Rei Leão também, mas a metáfora tá ali e funciona!).
Sem falar na excelente concepção do passarinho na história. Ao nosso olhar humano um ser tão fofo e puro, mas na perspectiva das formigas um verdadeiro monstrengo faminto e muito intimidador. Que de inicio parece um iminente perigo a vida e no final um salvador ala Deus Ex Machina.
É inventivo, original e inteligentes composições como essas que tanto consagraram Lassester, e que ele só veio a inspirar os seus aprendizes nos futuros filmes do estúdio. E nisso ele só é ajudado e beneficiado mais ainda pelo visual ESTONTEANTE do filme!
Um pitéu de animação!
É apenas embasbacante assistir ao filme hoje e ver como o visual da animação POUQUÍSSIMO se datou, quase ao efeito de nulo. As cores ainda estão tão vibrantes e vivas quanto estavam no final do século passado, e a movimentação 3D dos personagens é apenas perfeita, e o nível de imersão nos ambientes é quase instantânea.
Ver o pequeno mundo das formigas criado aqui, uma pequena ilhazinha em volta de um pequeno lago no meio de um campo esverdeado, se torna aos nossos olhos um mundo gigantesco quando a direção tão exímia de Lasseter consegue nos colocar tão perto dos personagens em um nível tão intimista, ainda mais do que em Toy Story ouso dizer!
Até nas breves, mas excelentes sequências de ação Lasseter mostra um domínio de ritmo, escala e energia que poucos diretores de animação hoje conseguem evocar com tanta sutileza clareza sem seus planos. A perseguição do passarinho final do 1º ato é um exemplo perfeito disso e um verdadeiro manjar visual, sem falar de tão excitante que consegue ser com boa dose de suspense e ameaça.
Onde falha talvez seja nos cenários de grau fundo onde nota-se o efeito desenhado mal acabado e sem a profundidade de campo que podemos ver em animações de hoje, mas isso também acontece em pouquíssimas cenas e apenas são mero pitaco em um trabalho que merece se definir como perfeito.
Outro trabalho a se destacar aqui é a trilha sonora de Randy Newman, com o compositor desde cedo desde sempre, realizando aqui uma trilha vibrante, grandiosa, que evoca o espetáculo e a escala de grandiosidade da pequena história das pequenas formigas. Destaque para o seu belo pequeno single "The Time of Your Life" que merecia ser tão bem lembrada quanto seu “You've Got a Friend in Me” de Toy Story, ou pelo menos para mim que vivia ouvindo ambas quase que diariamente de tão nostálgicas que conseguem ser até hoje.
Exatamente o que Vida de Inseto é, um de muitos espécimes de excelentes, inteligentes, divertidas e entretidas animações que a Pixar nos deu e nos dá até hoje com louvor, e que não merece ser esquecida ou desapreciada como é (foquem essa negatividade em Carros 2 povo). E que deixa uma certa saudade de ver John Lassester mexendo nessas histórias em pequenas escalas tão intimistas, bom, vamos ver o que saí de Toy Story 4 vindo num futuro não tão distante. E que crie mais histórias tão profundas, evocativas e nostálgicas como essa.
Vida de Inseto (A Bug’s Life, EUA – 1998)
Direção: John Lassester e Andrew Staton
Roteiro: Andrew Stanton, Don McEnery e Bob Shaw
Elenco: Dave Foley, Kevin Spacey, Julia Louis-Dreyfus, Hayden Panettiere, Phyllis Diller, Richard Kind, David Hyde Pierce, Joe Ranft, Denis Leary, Jonathan Harris, Madeline Kahn, Bonnie Hunt, Michael McShane, John Ratzenberger, Brad Garrett, Roddy McDowall, Edie McClurg, Alex Rocco e David Ossman
Gênero: Aventura, Animação
Duração: 95 min
Crítica | Toy Story
Como começar a difícil tarefa de explicar um filme que transformou a história do cinema? 1995 foi repleto de marcos tecnológicos importantíssimos –a popularização da internet, a criação do Windows 95 e dos DVDs entre eles – e a première de Toy Story, em novembro do mesmo ano, revelou ao mundo o primeiro longa de animação computadorizada em 3D.
O filme também deu início à parceria duradoura entre a Pixar, uma empresa que à época ainda era ligada à Apple Inc. de Steve Jobs, e o Walt Disney Studios. O acordo firmado entre as empresas garantia quase 30 milhões de dólares por parte da Disney para a produção de três longas animados, o primeiro deles sendo Toy Story. O futuro da Pixar, portanto, sempre esteve nas mãos desta animação: se ela fracassasse, o lar de Mickey Mouse provavelmente cancelaria o acordo de produção e o cinema animado como conhecemos hoje não existiria. Ainda bem que deu tudo certo, não é?
Para que o filme funcionasse, a Pixar usou softwares desenvolvidos por eles mesmos, praticamente criando um novo tipo cinematográfico. Olhando para trás, as animações parecem um tanto cruas – principalmente quando as comparamos com o filme mais recente da franquia -, mas para a época a técnica era extraordinária.
Um fator de sorte para a equipe gráfica foi que sua primeira empreitada envolvia a animação majoritária de brinquedos – a narrativa é focada nos brinquedos do menino Andy, que ganham vida quando ninguém está olhando. Já reparou como no primeiro filme as faces dos personagens humanos são evitadas? Na cena inicial vemos as mãos, braços e pernas de Andy muito antes de vermos o seu rosto. O 3D ainda possuía um efeito muito distante do natural, com pouca versatilidade de texturas.
Exatamente por isso, também, que Toy Story tem muito mérito. Com as limitações que tinham, a equipe se esforçou para trabalhar diversos aspectos simples, como as orelhas de couro do cãozinho Slinky e até o tecido da colcha da cama de Andy. O próprio chão, de madeira, possui uma certa qualidade reflexiva além das sombras dos personagens, dando a impressão de estar encerado.
A atenção aos detalhes não se limita ao campo visual e tecnológico. A história quase se sobressai em relação à arte – e é isso que torna Toy Story tão atemporal. O roteiro combina perfeitamente trechos cômicos – basicamente qualquer cena com o Sr. Cabeça de Batatas – à jornada de Woody, um boneco xerife do velho oeste com uma história carregada de emoções. Sentimentos simples como ciúme, presentes em todos desde a infância até a vida adulta, são bem trabalhados por meio dos diversos brinquedos de Andy, tornando-os mais reais do que quando eles se movimentam.
O primeiro susto que levam é durante o aniversário do menino, quando se esforçam para descobrir o que há dentro das caixas de presentes recebidos. “Será que é um outro dinossauro? ”, se desespera Rex, o tiranossauro ansioso. Quando descobrem que ele não ganhou brinquedos parecidos aos que já tinha, todos vibram aliviados sabendo que não serão substituídos.
Até a chegada de Buzz Lightyear. O capitão interestelar é a febre entre as crianças, e pouco a pouco, em uma montagem simples e sensacional, vemos o quarto de Andy se transformar: primeiro o próprio menino tira o chapéu de cowboy para vestir um traje espacial feito de caixas de papelão; depois, trocam-se os pôsteres e os desenhos da criança, para no fim até a roupa de cama que antes era do velho oeste receber a temática espacial e Buzz tomar o lugar de Woody, sentado no travesseiro. Tudo isso enquanto o boneco de pano observa, desolado, fazendo caras e bocas.
Woody Pride – seu sobrenome é uma brincadeira com sua personalidade e significa orgulho - fica cada vez mais rabugento. O momento em que resolve colocar Buzz em uma emboscada para poder ser escolhido por Andy para brincar fora de casa é quando seu ciúme e inveja culminam e ele, por acidente, manda o brinquedo voando pela janela. Na vida real isso poderia bem ser uma tentativa de homicídio – e é assim que a ocasião é encarada pelos outros brinquedos, com o hilário Sr. Cabeça de Batata prestes a linchar o cowboy. Para as crianças – e admito, muitos dos adultos que conheço - a progressão da narrativa sobre ciúme ensina muito. Nesse momento, ainda que saibamos de suas motivações, Woody é um boneco muito difícil de se gostar. Ainda que não seja um vilão, ele é um verdadeiro anti-herói que parece longe de se redimir, um exemplo de como ciúme e raiva não compensam.
Por outro lado, a ingenuidade de Buzz resulta em um contraste de personalidades explícito. O boneco, que ainda acredita ser um patrulheiro espacial original e na necessidade de reportar ao comando estelar, fica paralisado como todos quando há humanos por perto – provavelmente um instinto natural dos brinquedos -, mas conquista os companheiros do quarto de Andy rapidamente ao ficarem sozinhos. Sua tentativa de voar, um sucesso devido à muita sorte, faz com que ele seja instantaneamente admirado.
As mudanças de humor e personalidade em Woody são explícitas, enquanto a transformação de Buzz é levada com certa sutileza. Ao sair da caixa, ele ainda está “fresco” na mentalidade de patrulheiro – seguidor de regras, cheio de habilidades especiais, racional, não passional. Apesar de sua bondade, resultado de um forte senso de justiça, seu compromisso é com o Comando Estelar, não com sentimentos como é o de Woody.
Esse compromisso resulta, quando os dois protagonistas vão parar em uma pizzaria e fliperama, no patrulheiro espacial entrando em uma máquina de garra em formato de nave repleta de pequenos alienígenas de plástico. O cowboy, preocupado com a retaliação dos outros brinquedos se voltar à casa sem Buzz, vai atrás para recuperá-lo. Essa é uma cena difícil de não amar, com a fofura dos bonequinhos verdes e sua adoração pela garra, que a qualquer momento pode se mover e procurar um novo “escolhido”. Ela de fato se move, controlada pelo vizinho cruel de Andy, Sid – e tanto Buzz quanto Woody e um alien vão parar na casa do garoto.
Sid se torna o verdadeiro vilão, dando espaço para o início da jornada de redenção de Woody. O jovem destrói brinquedos por diversão, fazendo operações bizarras até mesmo nas bonecas da irmã mais na nova. A maldade intrínseca no garoto é demonstrada não só pela sua atitude, como também pelo que há ao seu redor. Em comparação com a casa de Andy, que carrega uma atmosfera alegre em tons claros e pastel, o lar de Sid é sombrio. Seu quarto é tingido por sombras arroxeadas e ali temos as cenas mais escuras do filme. Os ares de calabouço – até a porta arredondada da casa parece a entrada de uma masmorra - ficam ainda mais óbvios quando conhecemos o quarto de sua irmã, uma overdose de tons de rosa salpicados de branco.
É tentando escapar da casa do menino que Buzz tem seu choque de realidade: ele se depara com um comercial dos bonecos de Buzz Lightyear na TV e percebe, depois de tanto tempo, que não passa de um brinquedo. Em negação, vai para o patamar da escada e tenta voar novamente em direção à janela, dizendo seu icônico “ao infinito e além”. O boneco falha na tentativa, quebrando seu braço – uma cena melancólica cuja música certeira (I Will Go Sailing No More de Randy Newman, em português Voar Eu Não Vou Mais, de Zé da Viola) ajuda a superar a plasticidade do 3D e trazer a devida emoção.
A confiança do boneco astronauta só é restaurada após um discurso de Woody sobre como ele não é qualquer brinquedo. Ele é o brinquedo de Andy, O brinquedo, e por isso ele é importante. O personagem antes tão ciumento finalmente demonstra sua vulnerabilidade e insegurança abertamente. Quando Buzz é levado por Sid para uma sessão de tortura, Woody admite: “ele é meu amigo. Talvez meu único amigo”. Finalmente é possível sentir compaixão pelo cowboy.
Sobreviventes aos experimentos de Sid, os brinquedos mutantes do menino fizeram Woody literalmente tremer na base ao vê-los, e instigaram os instintos de luta de Buzz. Eles não deveriam julgar o livro pela capa: são os experimentos, liderados por uma cabeça de boneca bebê acoplada a pernas metálicas de aranha, que os ajudam na escapada e fazem com que eles cheguem ao carro a tempo para a mudança de casa.
A carismática Amigo, Estou Aqui (You've Got a Friend in Me), música que fez tanto sucesso que se tornou tema de toda a franquia, dá início aos créditos com uma surpresa: antes um solo, ela agora é um dueto, reflexo do novo companheirismo entre Woody e Buzz.
Desafio quem lê essa crítica a achar uma animação que supere essa para nossa geração. Algumas vezes me peguei tentando espiar os bichinhos de pelúcia pela fresta da porta, e essa com certeza foi uma herança do filme que nasceu no mesmo ano que eu. Quem nunca, por pelo menos um momento, imaginou que seus brinquedos realmente tinham vida? Toy Story mescla o simples ao complexo e atende aos sonhos das crianças – essa é a fórmula infalível do primeiro grande sucesso da Pixar.
Toy Story - Um mundo de aventuras (Toy Story, EUA – 1995)
Direção: John Lasseter
Roteiro: John Lasseter, Pete Docter, Andrew Stanton, Joe Ranft, Joss Whedon, Joel Cohen, Alec Sokolow
Elenco (vozes no original): Tom Hanks, Tim Allen, Don Rickles, Jim Varney, Wallace Shawn, John Ratzenberger, Annie Potts, Jon Morris, Erik von Detten
Gênero: Animação, Aventura, Comédia
Duração: 81 min.
Lista | As 15 Melhores HQs do Homem-Aranha
Convenhamos, falar de Homem-Aranha é sempre um prazer em qualquer época do ano. O maior herói da Marvel não precisa do lançamento de um novo filme para ter material publicado sobre sua vasta história nos quadrinhos, televisão e no cinema. Entretanto, com a ajudinha do hype de Homem-Aranha: De Volta ao Lar, o momento é mais que propício para relembrar a gloriosa história do personagem nas HQs.
Pelo montante absurdo de histórias excelentes que marcam toda a jornada do Homem-Aranha nos quadrinhos, tivemos o árduo trabalho de selecionar as 15 mais impactantes, as 15 histórias icônicas do herói que são adaptadas e readaptadas em tantas outras mídias.
15 – Homem-Aranha Superior (2013)
Ok, por essa pouca gente esperava. Mas na verdade, após eu perder um baita preconceito com toda a ideia proposta pelo corajoso Dan Slott, acabei encontrando uma excelente fase que durou 31 edições. Para quem desconhece a proposta insana dessa HQ, prepare-se. Slott teve a ideia de chutar o vespeiro com aquela bicuda de trivela do Tsubasa de Super Campeões ao decidir que o Homem-Aranha não seria mais Peter Parker, mas sim Otto Octavius – sim, o nosso querido Doc Ock.
Em uma de suas parafernalhas tecnológicas insanas, Dr. Octopus consegue atrair Peter para uma armadilha, aprisionando seu corpo. Notando que sua saúde está péssima e que a morte se aproxima, Octavius decide transferir sua consciência para o corpo saudável de Parker, jogando a mente do herói para o seu. Porém, mesmo com as consciências trocadas, Peter consegue acompanhar todas as ações de Otto que, obviamente, acaba gostando muito da ideia de ser um Homem-Aranha... Superior.
Slott conduz toda a fase com muita coragem propondo mudanças drásticas no modus operandi do amigão da vizinhança. Isso inclui matar inimigos que voltarão a causar problemas, delegar tarefas para assistentes tecnológicos, terminar com Mary Jane para protegê-la do perigo e ser muito mais obstinado em acabar com o Sexteto Sinistro. Os debates que Slott desenvolve são excelentes mostrando esses contrastes de diferenças entre a violência que Otto age, gerando até uma crescente popularidade do Aranha enquanto conhecemos ainda mais sobre o passado traumático do vilão. Abandone o preconceito e dê uma chance para essa fase inteira. Garanto que em poucas edições, estará completamente envolvido pela insanidade do autor.
14 – O Nascimento de Venom (1988)
Não restam dúvidas da importância infernal que Venom possui para Peter Parker. O simbionte maldito que veio do Espaço tentou seduzir Peter e, a muito custo, o herói conseguiu se desfazer da união venenosa da criatura com seu uniforme, voltando ao normal. Mas claro que essa presença retornaria para se vingar de Parker.
Nisso, entra a sacada de David Michelinie e do artista Todd McFarlane em criar Venom. O simbionte se une a outra pessoa que detesta Peter Parker, Eddie Brock (após os eventos que contemplam o arco de A Morte Jean DeWolfe). Com os dois sedentos por vingança, Peter terá que enfrentar a força bestial da criatura.
13 – Homem-Aranha: O Reino (2006)
Eis aqui o nosso Logan de Peter Parker. Situado em um futuro distópico, O Reino bebe na fonte de O Caveleiro das Trevas de Frank Miller, inclusive copiando propostas vitais. Mas nada disso realmente importa quando começamos a ler essa perturbadora história. Com Nova Iorque totalmente segura e sem liberdade, Parker aposenta o Homem-Aranha. Já consideravelmente velho, vive o resto dos seus dias como florista no Queens.
Sofrendo pela morte prematura de Mary Jane, não há muita coisa para Peter comemorar. Porém sua vida muda quando J. Jonah Jameson surge com o antigo uniforme do herói, clamando por mudança. O restante é pesado e devastador. Uma história emocionante sobre a última luta de Peter Parker contra o sistema.
12 – Homem-Aranha: De Volta ao Lar (2001)
Apesar de ter o mesmo nome do novo filme do Cabeça-de-Teia, poucas semelhanças são compartilhadas nos roteiros da HQ com nova produção da Sony. O Aranha vinha de uma fase beeeem sem-graça dos anos 1990. A Marvel queria ressuscitar a importância do herói para o novo milênio e o homem responsável para isso foi ninguém menos que J. Michael Straczynski em parceria com Romitinha na arte.
Apesar da Marvel também ter conseguido implodir o trabalho de Straczynski na metade de sua fase, o primeiro arco batizado de De Volta ao Lar é muito eficiente. Aqui, Parker é confrontado por um homem chamado Ezekiel que também possui os mesmíssimos poderes do Aranha. Ele subverte toda a mística radioativa da aranha que o picou indicando que existem razões sobrenaturais para Peter ter recebido esses poderes.
Nesse arco, o autor também deixa a vida profissional de Peter menos conturbada ao virar professor de Ciências de seu colégio. Mas toda a calmaria é cancelada com a chegada do vilão Morlun, um ser implacável que drena toda a força vital de suas vítimas. O personagem é quase indestrutível gerando uma das melhores lutas da história do Aracnídeo.
11 – Best of Enemies: Espetacular Homem-Aranha #200 (1993)
O embate final mítico entre o Duende Verde de Harry Osborn contra o Homem-Aranha. A edição praticamente contempla a luta inteira dos dois, mas em uma reviravolta surpreendente, Harry salva a vida de Peter ao atirá-lo para longe de uma explosão.
Porém, já muito debilitado e com a mente destruída, Harry encontra seu fim. É justamente nesse pequeno segmento de roteiro que a tradicional emoção que domina as histórias do Aranha surge com força. No último diálogo, com Peter segurando as mãos de Harry enquanto a ambulância parte para o hospital, o herói pergunta por que o vilão salvou sua vida. E a resposta final, devastadora, esclarece tudo: “Porque você é meu melhor amigo. ”.
10 – Amazing Fantasy #15 (1962)
Uma das melhores, se não a melhor, história de origem de um super-herói da Marvel. Em estado de gênio, Lee e Ditko criaram a memorável origem do Homem-Aranha que já estamos bastante cansados de saber. Até hoje é intocada pelo nível de excelência. A história da luta livre, do bandido e da morte de tio Bem. Tudo está aqui, impulsionando a motivação genuína de Parker e sua eterna lição de moral: Com grandes poderes, vem grandes responsabilidades.
9 – A Morte do Capitão Stacy (1970)
Outro arco triste e trágico do Homem-Aranha. Ninguém esperava que o pai de Gwen Stacy morreria durante uma perseguição do herói contra Dr. Octopus. Com o vilão jogando entulho de prédios para baixo, Stacy se joga para proteger uma criança desatenta. O ato heroico, infelizmente, lhe custa a vida. Com o Homem-Aranha chegando logo depois, Lee cria um dos diálogos mais ternos que a revistinha já havia visto até então. Stacy revela que sabia desde sempre que Parker era o vigilante mascarado e clama para proteger Gwen, pois ela o ama muito. Palavras finais que marcam e assombram Peter pelo resto de sua vida por conta de eventos posteriores.
8 – A Morte de Jean DeWolff (1985)
A fase sombria e violenta que marca o período do Uniforme Negro do Aranha rendeu histórias sublimes. Uma delas é A Morte de Jean DeWolff. Sem nenhuma cerimônia, a amiga policial de Peter é assassinada rapidamente pelo maníaco Sin Eater. Quando descobre do assassinato, o herói perde o controle emocional e parte para uma jornada de vingança e violência.
Para ajudá-lo no caminho e, também servindo de contraponto, o autor Peter David sabiamente insere a presença de Demolidor que faz de tudo para impedir Parker de cruzar a linha que nenhum herói deve flertar: a morte dos seus oponentes. Ao longo da narrativa assustadora com a disposição doentia do Aranha, David consegue mostrar muitas camadas de cinza no custo da vida de vigilante e do heroísmo em si. História imprescindível.
7 – Homem-Aranha: Se Esse for o Meu Destino (1965)
Uma das partes mais famosas da fase Lee-Ditko. Foi adaptada em diversas animações e até mesmo recebe uma bela homenagem no novo longa De Volta ao Lar. Aqui, Peter segue em busca de um remédio para tia May sobreviver a uma grave doença, mas logo é confrontado por Dr. Octopus que acaba destroçando todo o lugar onde está o que o herói busca.
Aprisionado pelos pesados destroços e preocupado em alcançar o remédio para salvar tia May, Peter precisa buscar forças que vão além do poder físico para se livrar do concreto que o esmaga enquanto mantém a calma para não se afogar na água que inunda todo o lugar. Em uma das sequências visuais mais célebres das História da Nona Arte, Ditko realiza um trabalho magistral para mostrar o herói conseguindo se livrar da morte certa e afirmando sua vontade como Homem-Aranha. É histórico, é brilhante.
6 – Homem-Aranha: Nada Pode Deter o Fanático (1982)
O nêmese mutante chega para abalar as fundações heroicas de Peter Parker. Não é carregada de emoção, mas contém doses cavalares de ação que tornam essa uma sensacional história de super-herói. A mando de outro vilão, Fanático é enviado para capturar Madame Teia com o intuito de usar seus poderes psíquicos para deter os X-Men.
Obviamente que o Homem-Aranha não deixará isso acontecer, mas acaba descobrindo que parar o Fanático é um dos desafios mais difíceis que já encarou em sua carreira de vigilante. Todos nós sabemos como essa história acaba, mas traz um dos retratos mais vulneráveis do Cabeça-de-Teia até então, além de conferir real senso de ameaça e perigo mortal nas lutas entre os dois.
5 – Homem-Aranha Nunca Mais (1967)
Adaptada com primor para as telas em Homem-Aranha 2, ainda uma obra-prima insuperável do gênero de super-heróis, Homem-Aranha Nunca Mais traz debates valorosos sobre a ação que a vida de vigilante inflige nas relações pessoais de Peter Parker. Após receber duas notícias péssimas: tia May está ficando mais doente e suas notas na faculdade estão péssimas.
Percebendo que ser o Homem-Aranha só faz sua vida pior, Peter Parker desiste de vez da sua vida como super-herói mascarado. No clássico desenho de John Romita, sentimos o impacto da decisão de Peter ao jogar o amado uniforme no lixo. Aqui, há a epítome da genialidade de Stan Lee em demonizar a vida de suas criações. Um arco existencial importantíssimo para compreender Peter Parker.
4 – O Garoto que Colecionava Homem-Aranha (1984)
Essa é uma história simples, sem ação e de escopo intimista. Peter descobre a existência de seu maior fã, segundo o Clarim Diário, Timmy Harrison. Descobrindo onde o menino está, o Aranha resolve fazer uma pequena visita ao menino, contando a história da origem de seus poderes, sobre o tio Bem e, em momento raríssimo na história das HQs, retira sua máscara revelando que é Peter Parker para o garoto.
Tudo isso tem um motivo nobre. Na mais triste das reviravoltas, é revelado para o leitor que Timmy tem leucemia e não sobreviverá por muito tempo. Fechando com a frustração de Parker ao perceber que nunca vencerá o câncer, a historinha virou um marco dentro da editora pela sensibilidade ímpar que separa o Aracnídeo de tantos outros heróis.
3 – Homem-Aranha: Azul (2002-2003)
Na melhor fase da dupla Jeph Loeb e Tim Salle, verdadeiras obras-primas surgiram da “trilogia das cores” da Marvel. Azul é uma delas. Toda a narrativa se concentra em explorar a fundo o amor dos sonhos que Parker viveu com Gwen Stacy ao recordar da falecida namorada no Dia dos Namorados. Igual a todas as grandes histórias do herói, a melancolia e a beleza do engrandecimento moral e ético, marcam profundamente a história de Azul. Para quem adora esse aspecto íntimo da vida de Peter, é imperdível.
2 – A Última Caçada de Kraven (1987)
Pessoalmente, essa é a minha história favorita de todos os tempos do herói. A Última Caçada é uma daquelas histórias que já te prende nas primeiras páginas te obrigando a concluir tudo em apenas uma lida. Marcando o ponto mais alto e tenebroso da relação de Peter com o traje negro, J.M. DeMatteis e Mike Zeck atingem a genialidade com a história sombria favorita dos fãs do herói.
A história marca o limite da paciência de Kraven em não conseguir derrotar o Aracnídeo. Nisso, o vilão decide capturar o herói, droga-lo com diversos tranquilizantes e enterrá-lo vivo. Com Parker fora de ação, Kraven decide se tornar um Homem-Aranha melhor do que Peter jamais sonhou. Mas obviamente o herói não morre tão fácil e, tão logo, caça Kraven. Aqui, a genialidade se concentra em subverter papéis ao explorar a fundo as motivações de Kraven e na retratação de um Aranha maligno.
1 – A Morte de Gwen Stacy (1973)
Mesmo com A Última Caçada sendo fantástica, há de se reconhecer a importância dessa história corajosa que afetou a vida de Peter Parker para sempre. Marcando seu maior fracasso, A Morte de Gwen Stacy elenca a máxima “grandes poderes, grandes responsabilidades” ao limite.
Sequestrada pelo Duende Verde, Gwen é jogada durante a luta do vilão contra o Cabeça-de-Teia, mas as coisas dão terrivelmente mal no resgate da amada. Combinando N fatores, o efeito chicote causado pela parada abrupta de Gwen em atingir a água, o pescoço dela se fratura, levando ao óbito da amada. A ambiguidade do desenho força o leitor a considerar que foi Peter quem matou a namorada ao segurá-la no meio de uma queda brusca através da teia.
A decisão de matar Gwen não foi impensada. Tudo caminhava para um casamento e os editores não queriam aposentar o herói de maior sucesso da Casa das Ideias com tanta facilidade. Logo, optaram pela maior tragédia da vida do personagem para mantê-lo na ativa. Essa HQ é revolucionaria por dar origem a tantas histórias violentas, chocantes e corajosas que marcariam as décadas de 1970 e 1980 em quadrinhos posteriores de Frank Miller.
Bom, essa é a nossa lista. Gostaram? Qual é a sua HQ favorita do Aranha? Diga nos comentários!
Leia mais sobre Homem-Aranha
Crítica | A Montanha Sagrada
Depois de ter chamado a atenção de Jean Cocteau com o curta-metragem A Gravata e de Roman Polanski com o longa Fando e Lis, Alejandro Jodorowsky impressionou John Lennon com o seu filme seguinte, El Topo, uma mistura estranha de faroeste e misticismo. Tendo visto a obra numa das famosas sessões da meia noite que aconteciam nos cinemas underground de Nova York, o ex-beatle ficou tão maravilhado com a capacidade visual do diretor chileno e os temas abordados nos seus filmes que, juntamente com a sua esposa, Yoko Ono, optou por financiar o próximo projeto do cineasta, o repugnante A Montanha Sagrada.
Escrito pelo próprio Jodorowsky (ele também é responsável por vários departamentos técnicos e artísticos), o roteiro, inicialmente, é centrado nas andanças de um bandido (Horácio Salinas) por um México fascista e imoral. Posteriormente, após se deparar com uma torre gigantesca, no topo desta, ele encontra um alquimista (interpretado pelo próprio diretor) que, depois de introduzi-lo numa espécie de rito iniciático, realiza uma sessão de taró, na qual vários personagens surgem e revelam a sua identidade. Finalmente, juntos, todos eles caminham em direção a uma montanha sagrada onde nove sábios vivem e guardam o segredo definitivo sobre a imortalidade.
Em A Montanha Sagrada, durante o primeiro ato (partindo do pressuposto de que é possível comentar deste filme e falar sobre atos), além de narrar uma série de eventos que se mostram completamente desnecessários para o desenrolar da história, Jodorowsky emula constantemente a estrutura e os temas que apareceram em Fando e Lis. Assim como o filme de 1968, este longa de 1973 também aposta numa sequência fortuita de acontecimentos e símbolos que, sempre criticando algo, como o fascismo, a Igreja Católica, a arte contemporânea, a colonização européia e outros, são vistos pelos olhos de um personagem parcialmente alheio à realidade circundante e que caminha pela devastação como um possível representante da esperança.
Há somente duas diferenças reais separando Fando e Lis do primeiro ato de A Montanha Sagrada: a evidente evolução do apuro técnico e estético de Jodorowsky e o contexto em que foram lançados. O cineasta não só revela ter um pleno domínio do impacto que as imagens e cores têm no espectador (o contraste de tons nas paletas adotadas pelo design de produção e figurino é perfeitamente captado pelas lentes do diretor de fotografia), como lança o seu filme no mesmo ano em que a ditadura de Pinochet se instala no Chile. Embora mantenha uma crítica mais generalizada sobre uma variedade de assuntos, a representação de um estado autoritário, especificamente, vai ao encontro do que estava acontecendo no seu país natal.
No entanto, o segundo ato chega e, apesar de Jodorowsky manter parte da temática inicial ao continuar emitindo comentários sobre um leque de questões, que vão desde a indústria cosmética, até a produção de armas, passando pela fabricação de brinquedos, ele muda completamente a estrutura anterior. Antes, o que era caótico e simplesmente jogado na narrativa se transforma num medley abjeto, assustadoramente mal montado (primeiramente, ele estabelece um padrão para, logo depois, quebrá-lo através de cortes amadores) e cuja profundidade pode ser encontrada em qualquer panfleto político feito por universitários. Dizer que A Montanha Sagrada produz inúmeras reflexões é um comentário pueril impossível de ser justificado.
Porém, nada disso supera parte do conteúdo que é transmitido nessa segunda parte. Às vezes, o anti-cristianismo de Jodorowsky é nojento e profundamente mal fundamentado. Ele chega ao cúmulo de retratar o bandido como se fosse Jesus (isso é feito através de uma imagética óbvia) somente para fazê-lo se despersonalizar em certo momento e colocá-lo ao lado de meras figuras representativas, indicando que, talvez, ele seja uma das forças destrutivas do Mundo. Na tentativa de pintar o Cristo, pintou o Barrabás.
Atingindo um ponto tão baixo, não restava nada ao diretor senão continuar explorando o subsolo do poço. Assim, como se não bastasse o fato de o público ter sido submetido a símbolos satânicos, órgãos sexuais e cenas de animais sendo torturados desde o início, no final, ainda é obrigado a ouvir discursos vazios sobre espiritualidade e psicologia. Pegar conceitos junguianos, filosofias orientais e colocá-los em falas inócuas não é alta intelectualidade. Na verdade, é puro lixo descartável. Além disso, temos de aguentar um final anti-climático e vergonhoso, em que o próprio diretor zomba de seu filme e de sua arte. Se nem ele se leva a sério, por que temos nós de fazê-lo?
Com pouquíssimos méritos, A Montanha Sagrada é um dos filmes mais abomináveis já feitos. É certo que alguns verão no longa um conteúdo de rara profundidade, uma junção bombástica de sadismo, sátira e genialidade, mas isso é resultado de desdobramentos históricos, ironicamente, narrados no próprio filme. A geração retratada pela história e que é, ao que tudo indica, tão desprezada por Jodorowsky, é a mesma que o louva por seus filmes. Para piorar, em certo momento, o diretor mostra fezes e faz uma crítica severa ao estado da arte. No entanto, numa esquizofrenia patética, ele não percebe que aquilo que mostra não só é a imagem que melhor define o seu filme, como o seu longa também é um exemplo perfeito do momento artístico que ele tanto odeia. Como é possível ouvir alguém que se contradiz a esse ponto?
A Montanha Sagrada (The Holy Mountain, Estados Unidos e México – 1973)
Direção: Alejandro Jodorowsky
Roteiro: Alejandro Jodorowsky
Elenco: Alejandro Jodorowsky, Horácio Salinas, Zamira Saunders, Juan Ferrera, Adriana Page
Gênero: Fantasia
Duração: 113 min