Crítica | Assassin's Creed: Renascença
A história da humanidade é um tanto quanto fascinante. Passando pela pré-história até aos dias de hoje, é um tanto curioso a evolução humana. Nesta linha do tempo aparentemente que se finda ao nosso presente, personalidades históricas carimbaram seus feitos, sangrentas batalhas épicas definiram o percurso de civilização, revoluções moldaram a política tal como conhecemos hoje. Nada disso é fruto da mente de um indivíduo, mas, sim, fatos que ocorreram neste pequeno planeta em que vivemos.
Neste sentido Assassin's Creed é uma franquia muito inteligente. Nos faz participar de importantes momentos, por vezes colocando o jogador como figura chave de algum acontecimento. Marcando os jogos eletrônicos, agora a franquia se expande para outras mídias, sendo uma delas a literatura. O resultado é formidável, mesmo com alguns "bugs" na narrativa.
Ezio Auditore é filho de um rico banqueiro em Florença, Itália. Jovem, se encontra em diversas aventuras com seu irmão, Mário. Correr sobre telhas, se envolver em brigas de rua com famílias rivais, etc. Seu pai, Giovanni Auditore, porém, não tinha uma situação muito adequada a vida dos filhos. Acusado de traição, é sentenciado à forca, dissolvendo toda a família. Nisso, Ezio vê-se pressionado ao amadurecimento, tornando-se, então, um Assassino.
A maior diferença com os games aqui e talvez o maior acerto, é justamente não termos nenhum deslumbre ou detalhe do presente. Os laboratórios e a máquina "Animus" são deixados de lado, dando lugar uma fantasia histórica épica, proporcionando um maior cuidado com personagens deste período.
Oliver Bowden, pseudônimo de Anton Gill, que é conhecido por ser um historiador, faz seu trabalho com eficácia ao retratar o Renascimento. As paisagens e o modo de vida do período são bem apresentados. A política da época torna-se clara, entendemos a economia do período e as ordens hierárquicas. Em figuras reais da época, como Leonardo da Vinci, o autor mantém sua síntese, mas utilizando de liberdade criativa, adéqua-os na trama imaginativa.
No entanto, se o cenário é eficaz, o autor erra no desenvolvimento da história e em seus personagens. As etapas da vida de Ezio são escritas de maneira apressada e preguiçosa, tornando o personagem por vezes artificial, prejudicando gravemente a experiência. O aprendizado de suas habilidades passam de forma quase batida. Porém, o autor consegue construir bem as camadas do personagem, tornando-o mais que um herói. Este ponto torna-se melhor desenvolvido no final. A princípio, sua narração se demonstra monótona, transparecendo a confusão do autor ao transferir-se de livros de não-ficção para ficção.
Mesmo que tenha esses defeitos, a leitura é por vezes empolgante, graças a riqueza da mitologia envolvendo a Ordem dos Assassinos. O modo "Stealth" aqui é bem usado, há uma sensação de perigo a todo instante e a imersão nas sombras é bem presente. Vale lembrar que a história não é nem um pouco infantil, ou juvenil. As cenas de violência são bem detalhadas e fortes, causando impacto no leitor (o mesmo vale para as de "romance"). Infelizmente, porém, muitas vezes a aflição em momentos emergentes é quebrada, devido a eficiência dos personagens nestes acontecimentos. Algumas subtramas também não são clichês, fugindo do famoso "final feliz".
O antagonismo dos Templários não é muito fascinante, mas as diferenças entre ambas as Ordens é interessante. Talvez o maior problema neste núcleo seja em seu líder. As passagens de tempo as quais comentei também foi prejudicial aqui. Não há nenhum vínculo do leitor com o vilão principal.
Outro acerto que funciona de maneira bem orgânica, é o uso de palavras em italiano. Os personagens usam diversos adjetivos ao chamar outros, deixando claro a sua nacionalidade. Há também o uso de gírias e título de alguns eventos. Caso o leitor tenha dúvida sobre o significado de alguma palavra, há um glossário bem montado nas páginas finais do livro - junto com um guia de personagens e suas biografias. Neste ponto é válido dar certo mérito a tradução.
Renascença é um livro decente. Se comparado com boa parte de seus sucessores você sairá daqui bem satisfeito com o conjunto da obra (já adiantando aqui uma opinião sobre o futuro da série). O resultado pode agradar tantos os jogadores do game quanto aqueles, assim como eu, fã de uma boa aventura.
PS: Este foi meu primeiro livro o qual resolvi comprar em edição econômica. Já de início me arrependi em gastar alguns reais a menos, tendo em vista o péssimo acabamento. A capa se desgasta facilmente, criando orelhas em suas pontas, e a qualidade de impressão é extremamente ruim - algumas páginas estavam praticamente em branco, quase ilegível.
Escrito por Kevin Castro
Crítica | La La Land: Cantando Estações
Através da Arte, é possível conhecer as pessoas, mesmo sem nunca tendo trocado uma única palavra com elas. Sua personalidade, estilo e até sonhos ficam evidentes graças a escolhas distintas na forma de expressar suas ideias, independente do meio canalizador. No cinema, isso fica claro através de posicionamentos de câmera, cores, figurinos e, principalmente, no tema de suas histórias. O pouco que conheço de Damien Chazelle por seus dois únicos filmes até então revelam uma paixão e afeto às Artes que são fortes por sua escrita e direção, primeiro em seu longa debutante Whiplash: Em Busca da Perfeição, que nos ofereceu o lado obsessivo da conquista do sucesso e seu carinho por Jazz, e agora em seu novo e grandioso musical, La La Land: Cantando Estações vai pelo caminho mais colorido e otimista para tratar de algo universal: sonhos.
A trama é ambientada na Los Angeles contemporânea, e nos apresenta à jovem Mia (Emma Stone), aspirante a atriz que passa seu tempo trabalhando no café de um estúdio e indo a diversos testes de elenco pela cidade. Paralelamente, temos o pianista Sebastian (Ryan Gosling), que retorna para L.A. a fim de alcançar o sonho de finalmente abrir um clube de jazz e manter o espírito desse gênero musical vivo. Quando o caminho dos dois se cruza, tem início uma saga romântica regada à sonhos, desilusões e muita música, claro.
Damien Chazelle é claramente um sonhador e um amante de jazz, isso fica claro aqui em La La Land. Com o sucesso inesperado de seu modesto filme anterior, evidentemente vemos um aumento na escala de produção e em virtualmente todos os aspectos técnicos. Se Whiplash tinha cara de filme indie, La La Land é a pura representação do filme de estúdio... Mas aquele comandado por um autor, e que utiliza de todos os infinitos recursos do audiovisual para uma narrativa simplesmente apaixonante e que funciona tanto como musical como filme "tradicional" - isso para minha grata surpresa, já que pessoalmente não sou grande admirador da ideia de termos a narrativa interrompida por números musicais e canções abruptas. Felizmente, Chazelle insere seus momentos de cantoria de forma orgânica e que complementem à trama central, e é até curioso observar que não temos tantas cenas do tipo como normalmente esperaríamos de uma produção do tipo.
Mas quando temos, é quando vemos toda a maestria de Damien Chazelle na cadeira de diretor. Logo na cena de abertura, apropriadamente simbólica ao trazer um engarrafamento de carros e jovens que tentam chegar em Los Angeles, somos surpreendidos pelo elaborado número de "Another Day of Sun", que envolve dançarinos subindo em carros, fechando portas e interagindo uns com os outros; tudo capturado por um plano sequência impressionante e dinâmico - ainda que tenha os cortes disfarçados pela edição - e que já dita o tom energético e vibrante da produção. Aliás, é curioso como os números musicais podem ser notavelmente old schools e remanescentes da Era de Ouro de Hollywood, em meio a um cenário contemporâneo: iphones, carros modernos e ambientes contemporâneos vão dando espaço a figurinos coloridos, cenários marcantes e alterações marcantes na iluminação e fotografia. Há também a coreografia que evoca os grandes musicas de Gene Kelly e Fred Astaire, como a já icônica sequência onde Mia e Sebastian sapateiam no observatório Griffith, com a azulada vista de Los Angeles ao fundo.
Em Busca da Perfeição
De resto, não temos tanta cantoria. É quando Chazelle retoma sua paixão por jazz ao focar-se na trama de Sebastian, que volta a falar sobre como o gênero está morrendo e dando espaço à convenções modernas concentradas apenas no dinheiro e no que é fácil - ou discos de jazz do Starbucks, como diria o Terence Fletcher de Whiplash. Isso rende excelentes diálogos entre Gosling e Stone, além de uma trilha sonora original primorosa de Justin Hurwitz, que traz belas e evocativas peças sinfônicas regadas a piano. Vale também apontar a participação do cantor John Legend, interpretando um antigo colega de Sebastian que o convida para seu novo grupo; que visa oferecer elementos modernos à linguagem tradicional do jazz, o que já embala uma discussão interessante sobre o passado e o futuro, algo muito martelado pelos outdoors de filmes clássicos pelos quais os personagens constantemente passam na frente (a grandeza do cinemascope valoriza essa imagem simbólica) ou quando o palco completamente escuro onde vemos apenas a silhueta de Sebastian ao piano é revelado pela iminência das luzes como um grande show de pop e pirotecnia.
E como falei dos aspectos técnicos serem superiores lá em cima, vamos dar a ênfase apropriada. Fica a impressão de que toda tomada do filme recebeu um tratamento detalhista e atencioso, já que a paleta de cores da fotografia de Linus Sandgren e da direção de arte de Austin Gorg é absolutamente formidável, criando uma Los Angeles colorida e paradisíaca, mas não em um nível fantasioso. A vibrância dos figurinos da premiada Mary Zophres é importante para um contraste vívido e até nos passar informações sobre os personagens, como no revelador momento onde Mia sai de um teste fracassado, usando uma camisa branca manchada de café enquanto todas as demais mulheres esperando ali usam exatamente a mesma coisa - mas com um branco limpo e impecável, já pontuando a posição de Mia em relação às concorrentes. O modo como os ternos de Sebastian evoluem de um tecido de lã mais modesto para paletós esporte fino - e todos mais escuros - também é revelador sobre o arco de seu personagem.
Então chegamos ao maravilhoso trabalho de fotografia de Linus Sandgren, nome que ficarei muito surpreso e decepcionado se não estiver entre os indicados ao Oscar da categoria no próximo ano. Abraçando os tons coloridos descritos no parágrafo acima, Sandgren é eficiente ao criar uma atmosfera palpável e dinâmica, sobressaindo-se nos momentos em que a diegese é alterada. As luzes do cenário apagam-se lentamente para que uma nova key light seja acesa em algum dos personagens (normalmente durante o início de um número musical), e o resultado é plasticamente deslumbrante; e até tematicamente, vide a cena em que as luzes centrais ficam apenas em Sebastian e Mia, durante um show lotado com diversas pessoas ao redor. A estética fica ainda mais desafiadora quando o longa assume tons mais lúdicos, como quando os personagens "levitam" sobre um estrelado planetário e protagonizam uma dança magnífica toda em contra luz. Os flares marcam presença para cenas em que vemos a luz dos projetores do cinema (em dois pontos muito específicos) e até mesmo câmeras de 16mm podem ser identificadas a olho nu para uma sequência de montagem afetiva.
Sandgren e Chazelle também sabem alterar o jogo para uma variação de ritmo, como quando um jantar caloroso entre o casal acaba tornando-se uma discussão delicada sobre as dificuldades de suas respectivas carreiras. A luz é chapada e quase sem vida, e a câmera predominantemente estática transfigura-se na estética de câmera na mão, marcando com eficiência o primeiro ponto em que a jornada dos dois toma uma lombada. Em questão de movimentação de câmera, vale mencionar como Chazelle mostra-se muito mais sofisticado aqui do que em Whiplash, apostando em diversos planos longos durante a narrativa, e até na repetição de alguns para marcar um ponto de simetria ou alternativa - como a atriz que entra no café de Mia para tomar um café, movimento que é repetido posteriormente em um contexto diferente, mas com justificativa perfeita. Gosto também de como o diretor referencia a si mesmo com a série de pans rápidas da esquerda para a direita, que ocorre quando vemos Sebastian ao piano e Mia dançando - tal como o momento em Whiplash onde Fletcher conduz e Miles Teller toca bateria.
Outro colaborador de Chazelle que é uma de suas forças mais poderosas é o montador Tom Cross, premiado por seu trabalho irretocável em Whiplash. Aqui, temos um ritmo menos insano do que o longa anterior devido ao trabalho de câmera mais complexo de Chazelle, mas Cross aqui explora muito a técnica da transição em fusão. Mas é um uso mais elegante e discreto do que o habitual, já que a transição ocorre junto com as mudanças de iluminação e ajuda a transportar a ação de um período temporal para outro - toda a narrativa se desenrola ao longo das estações do ano, e é um período de tempo bem comportado e navegado pela montagem. Temos também os habituais cortes rápidos para explorar alguma ação, como Mia preparando seu café ou o fascínio de Chazelle por instrumentos musicais, e aqui o uso delicado e bem feito de repetição de eventos sobre diferentes pontos de vista, e até uma reviravolta profundamente emocional e que pega o espectador de surpresa nos minutos finais.
Casal 20
La La Land é absolutamente irretocável em todos os seus quesitos técnicos, mas de nada adiantaria se não tivéssemos as performances magnéticas de Emma Stone e Ryan Gosling para segurar tudo. Stone já vinha demonstrando seu carisma imenso (corram para ver A Mentira) e até seu potencial dramático na performance indicada ao Oscar em Birdman. Acho que a presença da atriz na premiação do ano que vem já é garantida, tendo em vista que Stone traz tudo o que sempre fez de melhor em sua carreira para um papel só, desde seu timing cômico/irônico perfeito que é bem aproveitado nas cenas em que conhece o personagem de Gosling até sua carga emocional forte para o momento mais tenso da jornada. As cenas de canto também lhe exigem muito, com atenção especial para um momento chave que envolve um pitching de roteiro muito importante, onde também presenciamos um uso orgânico e fundamental do número musical, marcado pela lindíssima "Audition (The Fools Who Dream)" - e Stone simplesmente destrói, mesmo desarmada pela câmera em 360 ao redor de seu rosto em close.
Já tendo compartilhado a tela como amantes em Amor a Toda Prova e Caça aos Gangsteres, facilita que Stone e Ryan Gosling tenham uma química tão explosiva e apaixonante em cena, e é impossível para o espectador não torcer pelo romance principal. Gosling se sai muito bem aqui ao desenvolver detalhes sutis que compõem a persona de Sebastian. Por exemplo, sua paixão por jazz e o repúdio pelos elementos que os prejudicam são bem representados pelas pequenas variações em sua voz (como quando reage ao fato de Mia não gostar de jazz) ou sua hesitação - presente no olhar - em tocar os dedos em um teclado ao ouvir o estilo de música do qual estava fazendo parte. Gosling surpreende também por protagonizar diversas cenas em que aparentemente toca piano de verdade, além de não fazer feio durante suas cenas de canto; a performance na canção tema "City of Stars" sendo o grande destaque, tanto solo quanto o dueto com Stone.
A química e interação dos dois nos ajuda a comprar a história, que realmente não é das mais originais, mas que em hipótese alguma é falha. É praticamente uma variação da jornada do herói de Joseph Campbell (há até um personagem roteirista que casualmente menciona a fórmula em certo momento), e uma história sobre sonhadores e seus esforços. Há reviravoltas esperadas, como a "corrupção" de um deles para o lado mais corporativo, as dificuldades de outro para conseguir se inserir no meio desejado e as esperadas desistências que precedem uma grande superação. Você conhece essa história, mas poucas vezes a viu contada com tanta paixão e esmero, e diálogos inteligentes e bem colocados sobre o clássico embate entre o velho e o novo, sonho e realidade e, nas palavras da canção que abre o filme, se mergulhar nessa jornada artística é "coragem ou loucura".
Com apenas dois filmes no currículo, Damien Chazelle estabelece-se desde já como um dos nomes mais fortes do atual cinema americano. La La Land: Cantando Estações é um filme absolutamente apaixonante e otimista, servindo como uma carta de amor aos musicais da Velha Hollywood e uma ode à incrível capacidade humana de perseguir seus sonhos. Em tempos tão sombrios, filmes como são esse são a rara joia que nos motivam a seguir em frente, e eu só consigo agradecer por existir.
La La Land: Cantando Estações (La La Land, 2016 - EUA)
Direção: Damien Chazelle
Roteiro: Damien Chazelle
Elenco: Ryan Gosling, Emma Stone, Rosemarie DeWitt, Amiée Conn, Terry Walters, J.K. Simmons, Jason Fuchs
Gênero: Musical, Romance, Drama, Comédia
Duração: 128 min.
https://www.youtube.com/watch?v=0KpWc-cwQtY
Review | Assassin's Creed Rogue
O que dizer sobre Assassin's Creed Rogue? Não, sério, o que dizer sobre Rogue? É talvez o episódio da série que menos se destaca, trazendo muito pouco que seja novo. E as poucas mudanças que traz, mesmo que notáveis em potencial, são apenas detalhes superficiais. A principal mudança: jogar como um assassino que se torna templário. O que praticamente só importa na história. Que é corrida e mal desenvolvida. Fora isso, o jogo é Black Flag 1.5. Ou, na verdade, Black Flag 0.5, pois além de ser pior, tem muito menos a oferecer que seu predecessor. Dito isso, Rogue é um bom jogo. Lançado junto com Unity em novembro de 2014, o título agradou certos fãs por não ser o desastre de bugs que foi seu companheiro e por ser tão parecido com o que o sucesso AC 4: Black Flag tinha sido um ano antes. Não arrisca, mas petisca. Uma experiência competente, que não tem nem um décimo da ambição de Unity. Para não simplesmente repetir a explicação das mecânicas de Black Flag, foco então no "diferencial" de Rogue, sua trama.
Você é Shay Patrick Cormac, um irlandês de sotaque forte que...que...ele é irlandês. Também é membro da Irmandade dos Assassinos, junto com seus amigos Liam e O'Duggan. Juntos trabalham para a Ordem, fazendo coisas de assassinos como: assassinar, pular em fenos e folhas, parkour, manejar barcos, enxergar o mundo através da cor azul. Só pra esclarecer, eu inventei o nome O'Duggan, o personagem não existe. Só queria ver se os personagens realmente importam (spoiler: não). Shay gosta de correr e...olha, vou simplesmente falar das etapas narrativas. Shay começa como assassino. Realiza algumas missões para a ordem. Após a busca irresponsável de um artefato em Lisboa resultar em uma catástrofe (o infame terremoto de Lisboa de 1755), Shay vê a Irmandade de maneira diferente, notando sua fome de poder e e violência desmedida. Após um conflito com seu superior, Achilles (de Assassin's Creed 3), Shay se torna um alvo da Irmandade. Foge, se acidenta, e acaba acolhido por um casal idoso (eu já vi esse filme, se chama X-Men Origens:Wolverine).
Se recuperando, Shay é eventualmente abordado e recrutado por Haytham Kenway, um templário (importante em AC3). Pelo resto da trama, vemos Shay caçando seus antigos "amigos", tentando chegar até Achilles, para impedir que outra busca a um artefato resulte na mesma catástrofe de antes. A ideia é boa, mas a frieza com que a trama é entregue rivaliza com seu cenário gelado do Atlântico Norte. Os personagens não possuem algum carisma ou até mesmo detalhes de personalidade. Não ajuda também a dublagem inglês extremamente sem força, onde o que mais marca é o sotaque monótono de Shay. Por outro lado, a dublagem em português brasileiro é ótima, mantendo o padrão de qualidade das localizações da Ubisoft. Alexandre Moreno, dublador de atores como Adam Sandler e personagens como o Gato de Botas de Shrek, traz muita expressão a Shay. O elenco coadjuvante é também muito bem trabalhado vocalmente. Nesse sentido, Rogue é como aquele filme meh que acaba ficando mais divertido dublado na sessão da tarde, como incontáveis filmes de Schwarzenegger e Stallone. A trilha sonora é competente, mas não possui o impacto da trilha de Unity ou qualquer outro da franquia. Disse ao início que o diferencial de Rogue é sua narrativa, mas seu destaque continua sendo sua jogabilidade.
Trazendo a mesma mescla de exploração a pé e naval de Black Flag, Rogue foca em agradar quem queria mais daquilo (honestamente, quase todo mundo). E nisso ele acerta. Black Flag realizou algo tão único e eficiente, que seria uma pena se a série nunca mais explorasse aquilo. Claro, Rogue não tem o mesmo nível de surpresa ou competência, mas seu saldo ainda é positivo. Não é a evolução ideal dessa fórmula naval apresentada por seu predecessor, também sendo limitado pelo fato de que foi lançado apenas nos consoles da geração passada, PS3 e 360 (PC também, mas posteriormente). Isso a franquia poderia resolver, se reconhecesse todo o grande espaço a ser explorado por essa jogabilidade naval. Imaginem um novo Assassin's Creed, para a geração atual de consoles, que se utilizasse de praticamente tudo de positivo que a série trouxe até agora. Não seria bacana? Um épico com carruagens, cavalos, navios, talvez a volta de uma das máquinas de Da Vinci. Essa variedade mecânica poderia ser melhor explorada pela franquia. O sucessor de Rogue e Unity, Syndicate, deu um passo nessa direção, mas disso falaremos depois.
Outro positivo de Rogue é a estrutura de sua história. Se por um lado apenas seis sequências principais tornam a duração da história mais curta (no máximo 7 horas de jogo), por outro lado temos um jogo mais focado, sem as terríveis missões de "eavesdropping"(onde você segue um alvo sorrateiramente e escuta suas conversas à certa distância) ou outras atividades banais e frustrantes. A jogabilidade "a pé" também tem certas mudanças, mesmo que poucas. Por ser um templário, por exemplo, certos assassinos inimigos podem estar esperando você na próxima esquina, monte de feno ou telhados, esperando para atacar com suas lâminas escondidas. E em certos momentos onde nos outros jogos você era o fugitivo, você aqui é o perseguidor. Fora isso, a jogabilidade é a mesma de Black Flag.
Concluindo, Rogue é mais do mesmo, de um divertido e inovador mesmo. Porém, suas promessas de mudanças na narrativa são apenas isso, promessas. Isso impede, então, que tenhamos um capítulo marcante. Se você queria mais Black Flag, o jogo certamente irá te agradar. E se você não jogou Black Flag, Rogue talvez te surpreenda com sua exploração de mundo diferenciada. Mesmo que sua história não seja marcante e suas side missions não tenham nada da personalidade das atividades de AC2 (as tumbas) ou AC3 (as missões Pegleg), Rogue possui conteúdo competente e diverte, sendo então mais um produto positivo da franquia da Ubisoft.
Texto escrito por Júlio Vechiato
Crítica | Desventuras em Série - 1ª Temporada
Em certos textos, caro leitor, é preciso começar pelo apego tão defenestrado e, talvez, pouco sadio daquela nostalgia que acalora nosso corpo, faz os olhos lacrimejarem enquanto nosso coração praticamente pula para fora do tórax. Uma imagem grotesca de se imaginar, mas sentir nostalgia é algo profundamente mágico. Algo que edifica o caráter de alguém.
O sentimento efêmero é valioso. Pelo menos, eu mesmo nutro tremenda paixão quando ele surge inesperadamente com uma lembrança surpresa ou através do relançamento de um produto que amávamos muito em outra época da vida. Um amor que molda a imaculada lembrança.
Desventuras em Série, a franquia de livros muitíssimo bem-sucedida de Lemony Snicket, é uma das que me causa tal sentimento de uma infância nem muito distante na cronologia, mas que provoca a mais digna das saudades. Não posso dizer por todos, mas pelo menos para mim, esse terrível conto tão deliciosamente escrito, despertou o verdadeiro prazer pela literatura.
Foi justamente através dos diálogos cínicos, irônicos e, muitas vezes, cruéis, que nomes de autores importantes ou de peças literárias tão marcantes em nossa História chegaram até mim. Desventuras em Série foi, é e sempre será um grande abre-alas para jovens mentes sedentas por histórias tão peculiares como a dos irmãos Baudelaire.
Com tanto zelo por esses livros dos quais tive meu primeiro contato aos meus já longevos sete anos de idade, no fatídico ano de 2001, imaginem meu cinismo já influenciado pela leitura quando fiquei sabendo que haveria uma adaptação cinematográfica da tragédia Baudelaire. Embora não fosse a adaptação perfeita que queria, hoje, nutro estima pelo longa que demonstrou soluções inteligentes, criativas e parece ter entendido muito mais a proposta dos livros.
Mal sabia eu que era aquela versão que mais teria meu respeito, enquanto no campo audiovisual, apesar de ter aguardado com boas expectativas para o seriado ordenado pela queridinha da América e da internet, Netflix.
Pois bem, se chegou até aqui após relatos nada pertinentes na expectativa de uma recomendação entusiasmada, uma crítica açucara ou uma daquelas resenhas que apenas oferecem aquela sinopse que todos já estamos cansados de saber, pare de ler agora. Isto está longe de acontecer na experiência que encontrará nessa longa dissertação.
Jogue seu celular no asfalto, dê um murro na tela de seu notebook ou lance seu tablet aos pombos. Esse texto certamente não lhe trará nada além de profunda decepção caso já tenha assistido a essa peça audiovisual e tenha achado a última bolacha do pacote. Infelizmente, lhes informo que o mundo é uma tragédia ou glória graças a esta pluralidade de opiniões – claro que muitas vezes infundadas.
A que você lê nesse exato instante abordará as mazelas, más escolhas, vista grossa, cópias infelizes, mentes anestesiadas, o declínio de um gênio, atuações tiradas diretamente de desenhos Hannah-Barbera e da bizarríssima trilha musical. Por isso, lhes aviso novamente: nesta página só há infortúnio e perturbação caso tenha amado a citada obra. Poupe sua mente e preserve sua alegria. O cotidiano já insiste em afundar nosso espírito a níveis abissais nos jogando no poço do elevador Ersatz.
Há diversos portais, sites ou blogs com opiniões muito mais saltitantes que a minha. Posso lhes recomendar os colegas do Cinematecando ou até mesmo do Plano Crítico, que já fora mais crítico, na minha modesta opinião. Para os que preferem os estrangeiros, torrentes de alegria encontrarão na análise do Entertainment Weekly. Aqui, no Bastidores, há somente esta opinião ranzinza que, embora seja escrita por mim, reflete o sentimento geral de nossa equipe.
Bom, certamente você é insistente. Já que não olhará para longe e se atentará a esse infeliz relato, sem meias palavras. O texto é obviamente longo, afinal há 360 minutos de material para analisarmos!
Portanto, preparem-se. Partiremos para a desventura em série mais ordinária de uma história que celebrava o talento da criatividade inventiva, do gosto pela boa literatura e de alguns dialetos de uma mordedora.
O trabalho dos figurinos é satisfatório, embora o estilo princesa deveras colorido para Violet fuja da proposta original.
Bom Começo
Ironicamente, minha jornada por Desventuras em Série foi deveras agradável. Mais engraçado ainda são as parábolas de Snicket – muito bem interpretado por Patrick Warburton, que muitas vezes parecem ter autoconsciência. Tomemos de exemplo a principal que marca a adaptação de Mau Começo – “melhor do que nada”.
Infelizmente para a criação do seriado desta obra e para a Netflix, os espectadores já possuem algo melhor e mais interessante surgido em 2004 no audiovisual. O que certamente é um caroço no sapato da produtora, pois, em todo momento, as comparações surgem. E, quase sempre, a Netflix perde. Por longa margem.
Algo que é interessante, de primeiro momento, é a boa escolha em adaptar cada livro em dois episódios rendendo obras com durações cinematográficas, apesar de ficarem bem distantes da qualidade de um filme de médio porte de Hollywood. O roteiro é adaptado diretamente por Daniel Handler. Sim, o autor original dos livros disfarçado sob o pseudônimo de Lamony Snicket. É curioso notar que, por vezes, Handler quase atenta contra sua obra ao apostar em certos exageros que tornam sua escrita repetitiva – importante lembrar que o material original não possuía tantas tentativas fracassadas de comédia.
Talvez, o maior equívoco de Handler fique justamente em não saber dosar bem a comédia com drama, afinal Desventuras em Série é uma tragédia de humor negro.
Os episódios de Mau Começo já delineiam muitas coisas que irão se repetir na série inteira, além de dar o primeiro vislumbre do como essa versão se portará na caricatura. Em vez de algo mais original, o diretor Sonnenfeld aposta mesmo em retratos toscos sendo que alguns funcionam como os da Sunny. Já outros, transformam todo o núcleo antagonista em vilões Hannah-Barbera seja de Corrida Maluca ou Scooby-Doo.
A maquiagem em Neil Patrick Harris é um dos pontos mais altos! Ótima caracterização!
Definir se essa tosquice é prejudicial à obra é algo completamente subjetivo. Como este é um artigo de opinião, eu vejo que, sim, é algo que foge bastante de atmosfera proporcionada pelos livros, tanto mais sóbrios e menos ridículos. Quem não consumiu as obras anteriores, é capaz que adore a atmosfera leve do seriado, já quem experimentou outros pontos de vista, possivelmente nem tanto.
Mau Começo são os episódios com o menor dos males, na verdade, pois a dosagem está próxima do correto, ainda que raramente haja quaisquer impactos da perda súbita dos pais dos irmãos Baudelaire. É bizarro apontar isso, mas, estranhamente, os irmãos mal conversam entre si, já que praticamente estão sempre interagindo com outros personagens estúpidos demais como o senhor Poe e tia Josephine ou elaborando planos para escapar das garras de Olaf. Nisso, o drama sai prejudicado no seriado como um todo.
Handler tenta contornar a situação com as inserções da narração de Lemony que ainda permanecem muito criativas e até mesmo com direito a histórias inéditas. Snicket pontua, frisa a tristeza dos Baudelaire e pronto. Não há esse momento de luto, pesando o drama um pouco mais com tantas tragédias que acontecem com os irmãos. Não há lágrimas ou pesar em Desventuras em Série da Netflix – o que é uma verdadeira pena. Uma regra do showbiz que nunca deve ser ignorada: show, don't tell. Handler, por ser do meio literário, talvez ainda precise se adequar ao novo meio.
Já que o drama é falho aqui e na série como um todo, como se sai a comédia? Apesar de medíocre em grande parte graças à caricatura e falta de um texto mais ácido para a televisão, é um elemento que se sobressai. Algumas vezes, boas ideias como a de Sunny jogar pôquer são revertidas em péssimas soluções graças ao uso nefasto de CGI porco – Sunny é quem mais sofre com os péssimos efeitos injustificáveis.
Em suma, Handler ainda consegue nos arrancar boas risadas. O problema é: a cada boa piada, ele ressuscita uma esgotada. Por sorte, ela não tem muita chance de aparecer nos episódios de Serraria Baixo-Astral. Trata-se da inaptidão completa de fornecer tiradas mais interessantes para Olaf. Seja como Olaf, Stephano e ou Sham, Handler escreve o mesmo conceito de humor: o personagem que se trai a todo instante pelas próprias palavras. Isso sempre acontece quando Olaf conversa sobre os órfãos e, acidentalmente, revela seu real interesse neles: a fortuna.
A Sala da Netflix
Enquanto Mau Começo consegue pintar uma boa impressão, os pequenos problemas de outrora tornam-se mais evidentes pela repetição. A Sala dos Répteis ainda mantém um bom padrão de qualidade perto da deplorável adaptação de O Lago das Sanguessugas.
Aasif Mandiv consegue criar um tio Monty interessante e fascinado pelos répteis que cuida. Fez o básico, assim como a dupla Malina Waissman e Louis Hynes como Violet e Klaus – em Serraria Baixo-Astral, há uma nítida melhora na performance de ambos.
A graça da adaptação é que consegue contar de modo competente a história do livro. Nisso, Handler não desaponta no seu teleplay. Para o seriado, ele sabiamente já insere um mistério maior que sonda os Baudelaire e o Conde Olaf envolvendo, obviamente, C.S.C. que ainda não fora mencionada nominalmente. Esse mistério pode ser considerado uma boa faca de dois gumes, pois enquanto lhe mantém interessado sobre do que se trata esse conflito que assombra as narrativas, te provoca decepção por não chegar perto de oferecer algo mais sólido.
É algo para ser trabalhado no decorrer das três temporadas, mas sua inserção já na primeira é de causar estranhamento por alguns motivos. Primeiro, a conspiração maior remove o aspecto intimista de drama familiar, perseguição e abusos que os órfãos sofrem, já que é um elemento distrativo. Ao colocar C.S.C. na 1ª temporada faz com que seu impacto real na narrativa se perca consideravelmente – a sigla só surge no livro quinto e então passa a ser desenvolvida até o final.
Já colocar tio Monty como um membro ativo da sociedade e da inserção da personagem Jacquelyn é algo totalmente subjetivo. A história de Desventuras é forte o suficiente sem a necessidade dessas passagens que se comportam como fillers. Os problemas mais presentes nesses episódios estão concentrados na segunda parte.
É aqui que começamos a ver como Neil Patrick Harris, mesmo se esforçando, parece não conseguir captar bem a essência de conde Olaf – algo que Jim Carrey conseguiu ao modo dele. Desde Mau Começo, Harris praticamente não se movimenta em cena, apostando apenas em alguma variedade de expressões faciais para cada novo personagem que Olaf se disfarça. Harris quase nunca usa seu corpo para favorecer o disfarce como Stephano ou Sham, ficando imóvel em cenas que ele deveria brilhar elevando sua atuação.
Ironicamente, Harris atua como uma estátua um personagem que é ator - mesmo que Olaf seja um péssimo ator. Ser um ator ruim não tem nada a ver com imobilidade ou vozes engraçadinhas. Harris não entendeu isso por boa parte do seriado.
Enquanto há uma boa autonomia de texto entre os Baudelaire e Monty, é vergonhoso ver um diálogo tão escrachado e infantil aparecer durante o jantar entre os quatro e Stephano acerca de entretenimento: cinema vs. televisão. Era para ser piada, mas certamente o recado da Netflix foi dado com bastante soberba.
Um mau momento de solução de roteiro já aparece neste aqui e se repetirá na próxima adaptação: as fugas de conde Olaf.
A Janela Discreta
Definitivamente o ponto mais baixo do seriado se encontra na adaptação de O Lago das Sanguessugas. Embora a história seja basicamente transcrita com alterações que a diminuem, os episódios 5 e 6 são quase insuportáveis pelo exagero do “hannah-barberismo” ou pastiche que absurdamente foge do que havíamos visto até agora.
De supetão, temos o exagero forçado da atuação de Alfre Woodard. A direção deve ter ficado tão apreensiva de repetir o fenomenal desempenho de Meryl Streep que, basicamente, não filtrou as ideias ruins. É difícil elogiar qualquer ponto da atuação de Woodard como Josephine já que basicamente não o há. Fora os bizarríssimos gritos inseridos em momentos inoportunos, a essência da covardia de Josephine praticamente se esvai ao ela se assustar até mesmo com o próprio reflexo. Woodard também não trabalha bem com expressões de medo reforçada por gestos de seu corpo. Aliás, já é redundante afirmar: o elenco inteiro basicamente não se dedica em nada em explorar um pouco mais da teatralidade trazida pelo visual do seriado.
É linguagem básica para os diálogos no pior modelo de esquema televisivo: o de novelão. Os únicos atores que tentam sair desse vício de se portarem como manequins são os integrantes da trupe de Olaf, Don Johson como Senhor e Joan Cusack entregando a melhor atuação como Juíza Strauss. Um belo desperdício de bons nomes. Somente K. Todd Freeman se aproxima de um desempenho tão decepcionante quanto o de Woodard.
Novamente, Harris apenas modifica a voz, apresenta umas caretas novas e não aproveita a oportunidade de brincar mais com as fantasias de Olaf. Os problemas de O Lago das Sanguessugas permeiam bastante coisa, principalmente seu desfecho. Enquanto a dinâmica dos irmãos parece melhorar – principalmente no uso de suas habilidades, algumas alterações de Snicket e diversas barbeiragens visuais do diretor Sonnenfeld conseguem sempre piorar a experiência geral desses episódios.
Apesar de os dois episódios contarem com momentos péssimos, me limitarei a apenas três para ilustrar meu ponto de vista. O primeiro é a representação visual da biblioteca de Josephine que basicamente rasga um conceito originalíssimo da sala oval suspensa com uma enorme janela. No seriado, a wide window fica devendo e muito – basta comparar com as ilustrações originais ou com a concepção visual impecável proporcionada pelo filme de 2004.
A destruição da casa de Josephine é outro momento que eu gostaria de esquecer. No livro e no filme, o senso de urgência é implacável, além de fornecer outro trabalho em conjunto dos irmãos para se salvar do furacão e da queda da casa. Aqui, Klaus dá piruetas no mesmo lugar (?). É absolutamente brochante ver como o seriado não leva muito à sério as situações mais tensas da obra original. Até mesmo a péssima trilha musical de James Newton Howard atinge um patamar ridículo com melodias que acompanhariam os piores esquetes de galhofas clown - sim, estou falando de Lazytown.
(SPOILER)
O terceiro e o pior momento desse conjunto de episódios, infelizmente é o ataque das sanguessugas e do resgate de Olaf. A morte completamente patética de Josephine perde totalmente a penumbra de incertezas que configura a tragédia da mulher no livro. Handler, numa decisão ruim, também muda a essência da personagem ao fazê-la ter um desenvolvimento desnecessário ao confrontar Olaf. A potência dramática da “tia” dos Baudelaire implorar por sua vida e oferecendo as crianças ao vilão é aterradora. Mostra que os verdadeiros monstros estão por todos os lados.
(FIM DO SPOILER)
Aqui, novamente ocorre a suspensão de descrença enorme exigida pela fuga de Olaf, mais se assemelhando a Scooby-Doo em má fase do que com Desventuras em Série. Handler insiste em usar toda a trupe do Olaf desnecessariamente em A Sala dos Répteis e aqui também. Quando Poe finalmente é confrontado pela verdade de que Sham é Olaf, fica difícil crer que todos os vilões preferem dar no pé em vez de simplesmente matarem o banqueiro e sequestrarem as crianças.
A direção acerta em "pausar" as cenas para inserir os monólogos de Snicket. Ponto alto do seriado.
Seriado Alto-Astral
Após essa queda abissal de qualidade com O Lago das Sanguessugas, o seriado se fortalece com Serraria Baixo-Astral. Talvez justamente por se livrar das inevitáveis comparações com o filme que era infinitamente mais criativo que o seriado. Ou simplesmente porque seria difícil superar a "qualidade" dos anteriores.
Chegado este momento da crítica, é hora de analisar o trabalho geral dos diretores Barry Sonnenfeld, Bo Welch e Mark Palansky. Como Sonnenfeld e Welch são os mais presentes, a maioria das responsabilidades recaem em seus ombros.
Em termos de originalidade, o seriado é uma profunda decepção. Os diretores decidiram copiar o estilo cinematográfico de Wes Anderson a um nível absurdo. Enquanto na estética, há semelhança, Desventuras em Série não possui o menor brilho das obras de Anderson justamente por conta do diretor entender melhor de encenação e atuação que os do seriado.
Enquanto há essa linguagem cinematográfica, a teatralidade da série é morta graças as atuações pálidas e sem graça que não injetam vida ou dinamismo de cena. É subjetivo, mas o seriado tem um ritmo muito chato justamente por conta dessa completa inoperância da direção que parece ter medo de ousar um movimento de câmera mais interessante ou de quebrar um pouco a lógica dos enquadramentos centralizados.
Graças aos enquadramentos similares na obra inteira e na completa falta de contraste da cinematografia pálida de Bernard Couture, Desventuras em Série é uma mesmice visual que só quebrada pela riqueza de detalhes de alguns cenários interessantes como a casa de Olaf e tio Monty, do cinema, dos dormitórios da serraria e do restaurante Palhaço Ansioso. Lembrando que a falta de contraste é algo grave. Mesmo em filmes que se baseiam com esquemas de cores mais monocromáticos, há sim contraste. Basta ver o filme dessa mesma obra que foi tão bem fotografado por Emmanuel Lubezki.
Fora isso, dificilmente dá para comentar mais elementos da direção do trio. Quando tentam inventar algo na encenação, acabam errando e criando um efeito tosco vide os péssimos momentos de O Lago das Sanguessugas. O melhor do trabalho dos diretores está restrito justamente quando não inventam nada e seguem a receita do bolo pré-definida na decupagem. O esquema de cores também sai a la Tim Burton, com leve influência nos enquadramentos. Sonnenfeld também incorpora elementos de Pushing Daisies, uma das séries que dirigiu.
Mas como havia dito, Serraria Baixo-Astral apresenta melhoras significativas e ainda consegue resolver uma ideia que teria sido ruim caso se concretizasse – a boa reviravolta que marca o destino dos personagens de Cobbie Smulders e Wil Arnett. Neil Patrick Harris finalmente passa a utilizar melhor seu corpo ao se travestir de Shirley oferecendo outra gama inexplorada de humor até então. Os irmãos finalmente entram em conflitos que podem destruir o laço familiar entre eles através da hipnose de Georgina Orwell. Apenas um comparsa acompanha Olaf, conferindo o ar original dos livros, além de toda a resolução da relação vilão vs. herói ser mais crível ao conseguir injetar mais tensão no clímax.
Os novos personagens como Senhor, Charles e Georgina Orwell interpretada muito bem por Catherine O’Hara, passam a ser menos paródias dos originais da literatura se comportando de maneira mais realista com um quê de absurda – exatamente como deve ser. Há mais integridade narrativa nesses episódios como um todo os colocando diretamente no rol dos melhores do seriado, além do humor ser mais funcional e inteligente. Os únicos poréns continua mesmo com o uso péssimo de CGI em Sunny que te remove da imersão proposta e da trilha musical de James Newton Howard.
Desventuras em Série
Enfim, caro leitor, termina o relato de alguém que sempre acompanhou com fidelidade cada lançamento dos livros e, agora, das obras variadas deles. Pela minha introdução, realmente achei que ficariam horrorizados, mas creio que consegui desatar esse nó górdio apresentado pela Netflix de modo balanceado.
Apesar de eu não ter gostado de praticamente ¾ da experiência que a série me proporcionou, não afirmo de modo algum que é algo abismal, mas sim desperdiçado. A criatividade ficou restrita à muitas ideias ruins que tentaram fugir da comparação das boas ideias e soluções visuais que o filme empregou em 2004. Em seus pontos altos, estão as participações de Snicket, das diversas referências a elementos dos livros e também da adaptação mais pura da história que tivemos até agora, apesar das derrapadas que mais conferem ar de paródia do que de verdadeiras adaptações.
A jornada dos órfãos Baudelaire sempre fica cada vez mais trágica e injusta ao decorrer dos livros então torço muito para que a produção não tente limitar tanto o drama da tragédia do modo que aconteceu aqui.
É justamente pela tragédia que o autor demonstra o quão poderoso é o espírito de seus personagens diante da corrupção ética e moral, da negligência e da morte violenta de quem mais amam. Por isso que Snicket/Handler tinham conquistado tanto minha atenção na infância. A mensagem edificava e era valiosa cheia de nuances culturais inteligentes de ótimo vocabulário e tons acinzentados de seus personagens. Ver como os Baudelaire não resignavam diante de tanta injustiça e perversidade certamente influenciaram o caráter de quem leu essas desventuras.
Há essa esperança de que os produtores da Netflix pesem menos a mão no pastiche e não entreguem mais um produto tão efêmero, bobo e estéril de fortes mensagens. É de bom tom entender que é possível criar produtos infantis que tocam todas as idades como Handler criou em 1999. Aqui, a Netflix não entendeu isso. É sim um bom seriado para crianças bastante novas nascidas em uma era repleta de blindagens, onde até mesmo a tragédia da perda paterna não é minimamente mensurada apropriadamente em um produto cultural destinado a elas. Diversão, comédia, letargia.
Infelizes de nossos tempos.
Crítica | Manchester à Beira-Mar
“Pai, não vês que eu estou queimando?”
“We are such stuff
As dreams are made on,
and our little life
Is rounded with a sleep”
– William Shakespeare, A Tempestade
Ao estudar um sonho em que um filho toma o braço do pai e lhe sussurra: “Pai, não vês que eu estou queimando?”, Freud não teve problemas em desvendar seus significados, pensando no contexto do sonho. O pai passara noites à fio cuidando do filho que estava muito doente e que acabou morrendo. Após seu falecimento, o pai foi descansar em um quarto contíguo, e deixou a porta aberta, de maneira que pudesse ver de onde estava o aposento em que jazia o cadáver do filho, com velas a seu redor. Um senhor estava encarregado de velá-lo e se sentou ao lado do corpo, e fez diversas preces. Nesse repouso, o pai adormeceu e teve o sonho supracitado. Ao ouvir a frase lancinante do filho vivo, ele acordou e notou um clarão no quarto ao lado. Foi até lá e percebeu que o vigia caíra no sono e que a mortalha e um dos braços do filho tinham sido queimados por uma vela acesa que tombara.
Em termos de estrutura, o sonho é facilmente decifrável na metodologia freudiana. No entanto, trata-se de um caso especial, uma exceção à teoria de que os sonhos realizam desejos e guardam o sono. Se o sonho poderia aplicar-se à essa teoria, uma vez que o filho vivo é um desejo do pai, ele é capaz de evidenciar a culpa do sujeito por ter abandonado seu filho por um momento, despertando-o. O sonho queima.
De fato, a breve referência a esse caso não poderia ser tão passageira ou puramente dramática em Manchester à Beira-Mar, novo filme de Kenneth Lonergan. Através de seu terceiro filme como diretor, Lonergan traz mais uma vez muito da sua experiência como dramaturgo para auxiliar em seu projeto cinematográfico. Chamo de projeto cinematográfico o que um próximo filme pode interromper. Porém, Manchester, analisado frente a Conte Comigo, de 2000, e à Margaret, de 2011, segue uma linha bem definida das histórias que Lonergan pretende contar.
Já em Conte Comigo, as habilidades de Lonergan como roteirista estavam bem evidentes. Destaque para seus diálogos, sempre carregados da vivência dos seus personagens. Foi em Margaret que Lonergan evoluiu em termos de direção, apresentando uma pérola única, que ficou muitos anos na pós-produção, devido a processos e conflitos com os produtores. Seu segundo longa é um filme cuja complexidade se desdobra na versão estendida de três horas. Percebe-se, nos dois filmes, uma carga muito teatral e que não é interrompida pela linguagem cinematográfica. Na verdade, é quando esses caminhos se cruzam e trocam o calor de suas essências que o diretor consegue mostrar seu diferencial.
Manchester à Beira-Mar abre com a câmera captando o mar e o céu como espelho-reflexo de cada um, apresentando, em seguida, a cidade título onde a trama vai se passar a partir de uma visão em sentido natureza-homem. Move-se até Boston, onde o personagem de Casey Affleck, Lee Chandler, sobrevive como zelador de um par de prédios. O inverno é forte, cobre a cidade com uma neve espessa. A paleta de tons lavados neste lugar e a predominância do azul naquele, aliada à trilha sonora, recheada de corais e composições clássicas, com um ou outro momento de jazz (exatamente como são as trilhas dos dois filmes anteriores de Lonergan), une esses polos monótonos e dá o tom do resto do filme: melancolia e tristeza. As escolhas visuais funcionam como a precipitação gelada, impondo uma barreira entre o espectador e o personagem. Em oposição, o filme possui muito bom humor, inclusive pela apatia exalada pela interpretação central de Affleck.
A rotina é quebrada quando Lee recebe a notícia da morte de seu irmão mais velho, Joe, fazendo com que ele tenha que voltar para sua cidade natal. Pode-se crer, ao ver as reações de Affleck, que seu personagem é próximo ao Meursault de Albert Camus, ou ao Murau de Thomas Bernhard. Entretanto, não se trata aqui de ódio ou indiferença à família, como se vê quando Lee encontra o cadáver de Joe, mas uma distância fruto de uma experiência traumática com a própria cidade de Manchester-by-the-Sea pela qual ele mesmo é culpado. Ainda assim, Lee guarda traços semelhantes desse estrangeirismo. Vários personagens, inclusive, quando sabem do seu retorno, referem-se a ele com surpresa. “Aquele é o Lee Chandler?” Os seus casacos, as mãos no bolso, o olhar cabisbaixo são os elementos da sua literal casca grossa.
A graça dos diálogos de Margaret era uma constante mudança de posição dos personagens. Uma curta conversa entre mãe e filha tornava-se sempre um combate entre frases agressivas e defensivas, de indecisão, signo de crescimento e autodescoberta. Em Manchester, Lee vê-se obrigado a sair da retaguarda quando descobre que seu irmão o designou como tutor de seu filho, Patrick. Sua mãe está há muito longe dele por causa do álcool, e o adolescente nem pensa em se mudar com o tio para Boston: quer cuidar do barco e da casa que o pai deixou para ele, joga num time de hóquei, além de tocar em uma banda e de ter duas namoradas. Além disso, Joe não pode ser enterrado no jazigo que comprou devido ao frio e à rigidez da terra.
Não resta opção para Lee senão lidar com essa situação com calma, o que significa permanecer na cidade por um tempo e, consequentemente, enfrentar os traumas que causaram seu exílio. E o filme prossegue, de momento em momento, da mesma forma como Lee aceita a indigestão dos dias na cidade, tentando criar laços com seu sobrinho. Essa indigestão manifesta-se também nos flashbacks bruscos, quando acompanhamos um outro Lee/Affleck, com esposa e filhos. Aqui, indigestão pode ser entendida como falta de jeito e de harmonia entre as partes, grande companheira da infelicidade explorada – especialmente à mesa, seja na cena do café da manhã, ou num almoço em que Matthew Broderick faz a sua ponta (ele está sendo para Lonergan o que Bill Murray é para Wes Anderson).
Os filmes do diretor parecem construir seus núcleos em uma sequência de tríades. Em Conte Comigo, o pequeno Rudy, filho de Sammy e sobrinho de Terry; em Margaret, Lisa, sua mãe Joan, e Emily; em Manchester, Lee, Patrick e o pai morto, Joe – apesar de ter muito pouco tempo de tela, sua influência se manifesta nos outros dois personagens. É uma estrutura (pai-filho-tutor) que Lonergan soube elaborar de maneira bem diferente nesses três momentos de sua carreira.
Lonergan refina aqui ainda algumas opções estéticas que conferem grande parte de eficiência do filme. As elipses (totais, quando uma cena é simplesmente cortada pela sua obviedade, ou apenas sonora, quando as falas e o som diegético são suprimidos) potencializam o roteiro. Algumas cenas, como uma que envolve alimentos congelados, saem um pouco da curva da dramaturgia comum de Lonergan. Porém, outra cena, que envolve Lee e sua ex-mulher, vivida por Michelle Williams, é outro exemplo de momento que chega à flor-da-pele. E é um dos momentos mais belos, difíceis e angustiantes de se ver na telona que o cinema americano desta década conseguiu produzir.
Além desse aspecto, algumas sequências esporádicas mostram como o filme é planejado. A câmera sisuda e parcimoniosa parece ter ensaiado por meses para conseguir se movimentar no tempo certo e alcançar planos tão belos e tão bem costurados – sobretudo, um exercício de olhar. Um típico “cinema indie” americano partiria logo para a improvisação (a desnecessária câmera na mão do recente Capitão Fantástico é prova desse desgoverno). Os defeitos do filme são compensados, em sua maior parte, com atuações centradas e pela complexidade do roteiro, mascarada sob a sutileza dos gestos, pelo carisma ora apático, ora aflitivo de seus personagens.
A turbulência para Lonergan é convertida em ironia, quer na cena muda na igreja, em slow-motion leve, quer quando toca-se ópera em cenas sérias (o melodrama sonoro é estranho à melancolia dos corpos deslocados na tela), quer, ainda, no final pouco otimista. Filmes como esse são raros no cinema americano de hoje. Logo, mesmo não sendo único, possui qualidades que dispensam a pasteurização das premiações que virão a seguir.
Manchester À Beira Mar (Manchester by the Sea, 2016 - EUA)
Direção: Kenneth Lonergan
Roteiro: Kenneth Lonergan
Elenco: Casey Affleck, Lucas Hedges, Michelle Williams, Kyle Chandler, Gretchen Mol, Matthew Broderick, Heather Burns, Kara Hayward, Anna Baryshnikov
Gênero: Drama
Duração: 137 min
Crítica | Desventuras em Série
É de se gerar imensa curiosidade e um divertido respeito por uma obra que constantemente clama para que seu interlocutor abandone-a, seja através de livro ou obra audiovisual. Tal niilismo em relação a si mesmo é um dos maiores charmes da série de livros Desventuras em Série de Lemony Snicket, pseudônimo de Daniel Handler, que fez um trabalho literário tão bom que seria apenas uma questão de tempo até que Hollywood tomasse nota. Com isso, em 2004 tivemos a adaptação cinematográfica de Desventuras em Série, onde Brad Silberling entregou um dos filmes mais subestimados da década passada.
A trama se concentra nos três primeiros livros da série: Mau Começo, A Sala dos Répteis e O Lago das Sanguessugas, nos apresentando aos irmãos Violet (Emilly Browning), Klaus (Liam Aiken) e Sunny (Shelby e Kara Hoffman) Baudelaire, que subitamente perdem seus pais em um misterioso incêndio que destruiu toda a sua mansão. Auxiliados pelo banqueiro Sr. Poe (Timothy Spall), as crianças são enviadas para viver com seu novo tutor legal, o maligno Conde Olaf (Jim Carrey), que secretamente planeja roubar a exorbitante fortuna que aguarda os Baudelaire em sua herança.
Ainda que a ideia de se adaptar três livros em uma narrativa de duas horas pareça insanidade, é a melhor opção possível para a história, que torna-se fluida e envolvente graças à boa adaptação do próprio Handler. É uma estrutura assumidamente episódica, onde os órfãos escapam do Conde Olaf e tentam convencer seus subsequentes tutores (aliás, que gigantesca conexão os Baudelaire tinham) de que o Conde está disfarçado de alguém próximo a eles e planeja matá-los. É algo que pode tornar-se repetitivo, mas que também sempre dá fôlego para as crianças e suas histórias, ao passo em que boa parte dos adultos são ignorantes e desacreditados, e o envolvimento com os personagens é forte o bastante para que o espectador tenha vontade de gritar em seus ouvidos para que escutem as crianças.
É uma história que habilidosamente balanceia sua natureza sombria com um senso de humor peculiar, o estilo difícil que Tim Burton simplesmente desaprendeu como fazer em seus últimos filmes. É preciso talento para ter, na mesma história, um adulto covardemente estapear uma criança após ela lhe preparar um jantar e uma piada recorrente com o medo irracional de corretores de imóveis; e o fato de que ambas as cenas funcionam em seus respectivos contextos é a prova de que Handler e Silberling acertaram o tom da adaptação. Ajuda também que tenhamos protagonistas absolutamente carismáticos e inteligentes, do que tipo que oferecem soluções engenhosas e evitam cair nos clichês típicos desse tipo de narrativa.
E,claro, a charmosa narração em over de Lemony Snicket, que surge com a voz e silhueta de Jude Law. Na melhor tradição desse dispositivo narrativo, temos um narrador que participa da história e oferece os melhores comentários e complementos possíveis, e é ainda mais fascinante quando temos conhecimento de que o próprio Snicket é um personagem que segue os Baudelaire e sua trágica desventura. Tal execução é tão metalinguística e segura, que o filme sofre uma brusca interrupção quando a fita do datilógrafo de Snicket emperra, tornando a imersão ainda mais verossímil e divertida.
Já para a direção de Brad Silberling, novamente trago a comparação com o estilo perdido de Tim Burton. O universo visual de Desventuras é estilístico e peculiar, ainda que mantenha um pé no realismo. Parece ser contemporâneo, mas constantemente temos influências de uma Londres vitoriana nos cenários, na paleta de cores e nos figurinos estranhamente retrógrados dos personagens. Há um aspecto gótico e sombrio que marca a fotografia espetacular de Emmanuel Lubezki, sempre mantendo a escala sombria e o céu predominantemente cinzento: mesmo quando os órfãos têm um breve momento de felicidade (marcado por um flare da luz do sol), logo são engolidos de volta às trevas quando Olaf retorna em suas vidas.
Além dos maravilhosos cenários desenhados pelo designer Rick Heinrichs, Silberling é muito eficiente na construção de sequências elaboradas que envolvem tensão. A cena em que os órfãos estão presos dentro de um carro estacionado aos trilhos de um trem que se aproxima é uma aula de enquadramento e montagem (assinada por ninguém menos do que Michael Kahn, o escudeiro de Steven Spielberg), que agilizam as tentativas dos personagens de terem uma ideia e efetuá-la antes de serem despedaçados - e a fantástica trilha sonora de Thomas Newman aumenta a percussão para deixar o espectador no limite. De maneira similar, a fuga de uma casa em colapso durante um furacão e a tentativa de resgatar um bebê de uma gaiola são igualmente intensas e bem construídas, seguindo essa brilhante combinação de direção, montagem e música.
Outro elemento acertadíssimo da produção é seu elenco. Antes de estrelar filmes como Sucker Punch: Mundo Surreal e Beleza Adormecida, Emily Browning despontou como a inteligente Violet Baudelaire, a mais madura e sensata do grupo, ao passo em que Liam Aiken acerta o tom sóbrio e quase apático de Klaus, ainda que ele perigosamente beire a inexpressividade em certos momentos - como sua reação ao quase ser atacado por uma serpente. A bebê Sunny é um alívio cômico dos mais divertidos, e o desempenho das gêmeas Kara e Shelby Hoffman é engraçadíssimo.
Mas claro, quem definitivamente rouba todas as cenas em que aparece é Jim Carrey. Raramente vemos o maior comediante da década de 90 assumindo um papel antagonista, e Carrey não se entrega completamente às sombras sob a maquiagem caricata de Olaf; o que é uma decisão sábia considerando a persona charlatona e trapaceira do personagem. Seu timing cômigo e as caretas icônicas estão ali, com o ator aproveitando os elementos teatrais do personagem e abraçando o cartunesco sem medo durante os dois disfarces de Olaf: Stefano e o Capitão Sham, onde temos expressivas mudanças no seu timbre de voz e na expressão do olhar. E ainda que seja uma figura engraçada, Carrey é eficaz ao trazer os momentos assustadores de Olaf, como a já mencionada agressão e a cena em que sussurra aceleradamente uma ameaça para os órfãos.
E com um elenco protagonista já muito forte, é de se espantar com a quantidade de talento encontrada nos papéis coadjuvantes. Meryl Streep está perfeita como a medrosa e hipocondríaca tia Josephine, enquanto Billy Connolly transforma o tio Monthy em uma figura calorosa e simpática, ao mesmo tempo em que preserva suas excentricidades (em particular o cavanhaque). Mais contido, Timothy Spall oferece ao Sr. Poe as melhores intenções do mundo, mas preserva seu caráter burocrata e robotizado, enquanto Catherine O'Hara surge excepcional na pele da bondosa juíza Strauss. E vale destacar que todos o elenco segue um método de atuação consciente de que este não é um universo realista. É a perfeita linha do cartunesco.
Desventuras em Série é um filme que implora para ser redescoberto. Seja pelos personagens inteligentes, a trama que habilidosamente escapa de clichês ou o maravilhoso universo visual criado pelos realizadores, é o tipo de aventura infanto-juvenil com o potencial de agradar a todos os públicos. Com a chegada da nova série da Netflix, espero que o filme de Brad Silberling enfim tenha o reconhecimento que merece.
Desventuras em Série (Lemony's Snicket's A Series of Unfortunate Events, EUA - 2004)
Direção: Brad Silberling
Roteiro: Robert Gordon, baseado na obra de Lemony Snicket
Elenco: Jim Carrey, Emily Browning, Liam Aiken, Kara Hoffman, Shelby Hoffman, Meryl Streep, Billy Connolly, Catherine O'Hara, Timothy Spall, Luis Guzmán, Jude Law
Gênero: Aventura
Duração: 108 min
https://www.youtube.com/watch?v=fccho1IyX8Y
Crítica | Eu Fico Loko! - Um tema bastante batido
Se você é daquelas pessoas que nunca ouviram falar de nomes como Kéfera, Luba, Felipe Castanhari, Júlio Cocielo ou Christian Figueiredo saiba que eles são muito conhecidos. Juntos contam com mais de 30 milhões de inscritos no YouTube e são muito populares entre o público jovem em especial os adolescentes.
Chamados pelo nome de "YouTubers', ficaram populares fazendo vídeos caseiros para a plataforma digital de vídeos. O lema “Uma ideia na cabeça e uma câmera na mão” vale para esse pessoal que começou fazendo vídeos quando o YouTube se popularizou e assim que o acesso à internet foi facilitado e mais pessoas começaram a se conectar e passaram a a seguir esses canais.
Christian Figueiredo é um dos mais conhecidos e vem justamente da primeira geração de YouTubers. Começou fazendo vídeos caseiros, falando sobre sua vida durante a adolescência e dos desafios passou e dos problemas que enfrentou nesse período que todo jovem atravessa.
Seu canal no Youtube (Eu Fico Loko) conta com mais de 7 milhões de inscritos e cada vídeo seu tem em média mais de um milhão de visualizações. Ele já apresentou quadros no Fantástico, deu entrevistas para talk shows, se tornou capa de revistas, lançou 3 livros que foram sucesso de venda e agora está lançando um filme.
“Eu Fico Loko!” estreia nessa quinta-feira (12) e é baseado no livro de mesmo nome que conta a história desse seu período de adolescência e como começou a fazer seus vídeos. É um filme de origem e engana-se quem acha que ele será óbvio e igual a muitos outros filmes brasileiros que assistimos e falam a respeito de adolescentes.
Ele consegue se sobressair em um nicho que ultimamente era pouco explorado pelas produtoras. Os Youtubers entenderam que existia um caminho e começaram desbravar esse público que antes assistia malhação e hoje procura conteúdo digital na tela do celular ou no computador.
Na história do filme Christian (Filipe Bragança) vive os dilemas da adolescência. Se preocupa com o primeiro beijo, como levar uma garota para a cama e a aceitação entre os amigos. Nisso o filme vai apresentando a característica do jovem que gosta de gravar com sua avó e com seu melhor amigo vídeos cômicos e os joga na internet. Ele é apaixonado pela sua colega Alice (Isabella Moreira), mas sofre uma decepção amorosa enquanto a vê começar um relacionamento com o valentão do colégio que vive por fazer bullying com ele. Nisso ele vai a uma festa com seu melhor amigo e conhece Gabriela (Giovanna Grigio). Christian consegue se adaptar ao seu momento do colégio e os vídeos caseiros se tornam seu refúgio.
Na realidade as pessoas têm muito preconceito contra Youtubers. Muitas pessoas passaram a ver essas pessoas como se fossem uma molecada em frente ao computador fazendo “mimimi”. Foi esse mimimi que tornou Christian Figueiredo o sucesso que ele é. E a verdade é que o filme é bom sim. Você certamente entrará no cinema pensando "mais um filme de youtuber" e sairá pensando "não é que o filme é bom?"
Uma ressalva para a produção é: era necessária tantas vezes a aparição de Christian Figueiredo durante o filme? Claro que quem vai ao cinema só vai vê-lo se o conhecer e quem for com o filho vai querer saber quem é esse tal de Christian. No início e no fim eu concordo que ele apareça para contextualizar a história. Agora, durante o filme não era necessário. Havia situações que o filme se desenrolava bem e havia uma intromissão em que ele aparecia falando sobre a situação que acontecia. Essas intromissões durante o filme quebravam o ritmo e a piada ficava sem fôlego. Talvez se ele aparecesse menos ficaria melhor.
A direção de Bruno Garotti é firme e audaciosa e já é um grande feito só o fato de ele contar uma história que já assistimos muitas vezes no cinema e mesmo assim divertir diferente do que as pessoas estão acostumadas a ver aqui no Brasil. A direção de arte e figurino estão ótimas e só consolidaram a boa produção. O elenco composto por jovens promessas atuam sem grandes vícios de linguagem, diferente do que vemos em filmes com elenco recheado de atores da rede globo, por exemplo.
O trio principal composto por Filipe Bragança, Isabella Moreira e Giovanna Grigio tem um grande futuro pela frente. Filipe surpreende por ser tão jovem (16 anos) e mesmo assim conseguir interpretar de forma perfeita uma celebridade teen como é Christian Figueiredo. Isabella e Grigio já haviam trabalhado em chiquititas juntas e elas mostram que tem talento. Ambas conseguem apresentar para o público os dilemas da adolescência.
A grande questão dessa produção é se o filme será um sucesso. A pergunta é valida já que o filme da Kéfera "É Fada!" pode até atraído um público cativo, mas foi um fracasso de crítica. “Eu Fico Loko!” parece ter tomado o outro caminho. Foi bem avaliado pela crítica, não na totalidade, e deve ser um sucesso de público também. Outro fato é que o filme irá concorrer nos cinemas com blockbusters pesos-pesados como “Assassin´s Creed” e “Moana”. Como é um período de férias é bem provável que esse filme seja um sucesso e certamente tenha uma continuação
Quem é fã vai amar, quem não é fã vai passar a ver com outros olhos essas celebridades teens. Digamos que Eu Fico Loko! é uma grata surpresa e é uma versão da malhação melhor dirigida e roteirizada com personagens melhor pensados e com situações mais realistas.
Eu Fico Loko (idem, Brasil, 2017)
Direção: Bruno Garotti
Roteiro: Bruno Garotti, Sylvio Gonçalves (baseado no livro de Christian Figueiredo)
Elenco: Christian Figueiredo, Alessandra Negrini, Filipe Bragança, Suely Franco, Marcello Airoldi, José Victor Pires, Thomaz Costa, Isabella Moreira, Giovanna Grigio, Michel Joelsas, Ceará, Tania Khalill
Gênero: Biográfico, Comédia
Duração: 93 min.
https://www.youtube.com/watch?v=66zrFiHakug
Crítica | Assassin's Creed
Se podemos considerar uma pessoa fã número 1 da franquia Assassin’s Creed, ela seria Michael Fassbender. O tempo passa voando, caro leitor, e nossa memória tende a ser curta. A novela da produção do filme que adaptaria as histórias mirabolantes da série vem desde 2012. Mesmo que Fassbender nunca tivesse jogado algum game na época, o ator/produtor se comprometeu tanto em trazer esse filme para a realidade que é impossível desconsiderar os esforços hercúleos.
Para termos ideia do quão complicado o projeto era, somente em 2015 que a adaptação ganhou um diretor. Justin Kurzel só entrou na produção também por causa da amizade com Michael Fassbender, após as gravações de seu filme anterior: Macbeth.
Entretanto, mesmo com tantos problemas e incertezas, finalmente Assassin’s Creed veio à luz do Cinema. Porém, infelizmente, o longa recai na maior certeza cinematográfica de todas: filmes de games simplesmente não funcionam.
Acompanhamos a história de Callum Lynch, um homem condenado à morte por conta de um homicídio. Após receber as doses da injeção letal, Lynch desperta acreditando estar morto. Porém, o homem ressuscitado descobre algo pior: estar aprisionado em um complexo da Abstergo, um laboratório de biomedicina e tecnologia que pretende usar seu DNA para reviver as memórias de seu ancestral que viveu durante o ano de 1494, em plena Inquisição Espanhola.
Através do Animus, Sofia, chefe do setor na Abstergo, tentará fazer Lynch encontrar o fragmento de memória ideal que pode revelar a localização de um dos artefatos místicos mais importantes da história da humanidade. O propósito para a busca de tal instrumento é somente um: dominar o mundo.
Potencial oculto
Três roteiristas tentam trazer a história de Assassin’s Creed do modo mais cinematográfico possível. Pena que a maioria dos esforços ficaram somente na tentativa. O roteiro comete erros muito similares aos já vistos em diversos outros filmes de videogames. Dentro de sua história razoável, quem mais sofrem são os personagens. E, acredite, muito pouco se salva nos trabalhos destinados ao desenvolvimento e motivação de praticamente todos eles.
A proposta era promissora: trazer uma história original que se comporte dentro das características únicas dos games. O começo do longa já denota isso com uma sequência em flashback que flerta com os primeiros minutos do jogo original de 2007 e, depois, ao mostrar um segmento traumático da infância de Cal, já ligando a história do protagonista de modo mais próximo com o Credo dos Assassinos e a Ordem dos Templários – os dois lados antagônicos do universo Assassin’s.
Enquanto tudo isto é condensado por uma elipse de trinta anos, é fácil para o espectador não familiarizado ficar completamente perdido tentando entender o propósito dos dois lados, já que o roteiro não faz muita questão de explorar as duas sociedades secretas na tentativa fracassada de definir tons de cinza para fugir do clássico jogo dos extremos entre bem e mal.
Com isso, já é complicado definir a torcida por um dos dois lados – nos games a distinção é mais clara e eficiente, preservando essa linha cinzenta entre as forças antagônicas. Tudo se torna mais burocrático graças a personalidade de Cal Lynch que, por sua vez, odeia o Credo mesmo conhecendo absolutamente nada sobre a sociedade.
A maioria do desenvolvimento do protagonista vem de seu contato com Sofia, cientista-chefe do Animus e filha a de um dos principais templários, Rikkin, CEO da Abstergo. Através de uma exposição meia boca, o espectador tem contato com o que se trata elementos chave da franquia como o Animus, a ideologia anarquista do Credo e do totalitarismo dos Templários e da Maçã do Éden, o artefato que controla o livre arbítrio.
Nesses “respiros” da estrutura do roteiro, temos longos diálogos a fim de nos afeiçoarmos com Sofia e Lynch. O problema é que essas conversas recebem um tratamento de escrita raquítico os transformando em verdadeiros manifestos sobre a chatice.
O discurso da motivação antagonista também falha em convencer o espectador: o fim da violência. Claro que é um artifício para esconder o verdadeiro propósito que é a dominação mundial. Porém, ver Marion Cotillard e Jeremy Irons conversando sobre a aspiração maquiavélica é completamente anacrônico e brega. O plano dos templários seria muito mais acomodado à realidade dos filmes 007 dos anos 1990.
Os fiapos de desenvolvimento tentam criar laços entre os dois personagens, porém tudo é jogado no lixo pelo tenebroso terceiro ato. Lynch passa por uma transformação muito súbita que dificilmente traria a superação de seu trauma pessoal – ainda mais porque os outros assassinos presentes na Abstergo são personagens pálidos e irritantes, além de serem péssimos em persuasão.
E, como de lei, temos aquela crítica ao capitalismo “malvadão”. São clichés muito defasados que insistem em aparecer a todo momento. Desde a insurgência dos Assassinos, ralés da sociedade guiados pela fé, contra os Templários poderosos e esnobes, guiados pela inteligência e capital.
Como puderam perceber, apenas discorri até agora sobre o tempo “presente” da diegese do filme, não comentando muito sobre as memórias de Aguilar, o assassino espanhol. Bom, é inevitável graças às escolhas bizarras de narrativa que os roteiristas tomaram neste caso. Para quem costuma jogar Assassin’s Creed, sabe que a história do presente de Desmond ou do protagonista randômico que está presente desde Black Flag é a pior parte do jogo. O que vale mesmo, é a história do assassino vivendo um contexto histórico incrível como o Renascimento ou a Revolução Industrial.
Pois bem, o principal pedigree da franquia aparece somente em três sequências nas quais Aguilar entra mudo e saiu calado. O personagem não possui um pingo de personalidade, assim como seus companheiros assassinos que o acompanham nas sequências que tem única função de injetar ritmo e ação em um filme sonolento. O melhor elemento dos jogos é um desperdício inacreditável, além do filme não encaixar perfeitamente na linha do tempo do game.
Extremamente sóbrio e competente
Geralmente os filmes de jogos são uma calamidade em todos os sentidos cinematográficos. Embora o roteiro de Assassin’s Creed seja boçal e sacrifique muita coisa boa dos jogos, o projeto é abençoado pela técnica gloriosa de Justin Kurzel, o diretor que Fassbender trouxe consigo para gravar o filme.
Kurzel traz um peso visual e de encenação a la Macbeth. E, infelizmente, toda a competência na criação dessa diegese pútrida e antiga vai para o ralo por conta da violência censurada. Assassin’s Creed não possui praticamente uma gota de sangue, mesmo que os personagens sejam degolados a olhos vistos. Logo, o contraste da atmosfera é tão absurdo que a torna ridícula dando a impressão errônea da roupagem do filme ser pretensiosa.
Em maioria, o diretor mais acerta do que erra, apesar de a experiência geral do filme ser bastante tediosa. Há construções de cenas memoráveis como a da execução de Callum Lynch, da primeira regressão ao Animus e a conclusão do salto de fé. A cada boa cena, percebemos o quanto Kurzel se esforçou em trazer uma decupagem diversificada e satisfatória, tornando o filme muito rico visualmente.
Os únicos momentos que sua decupagem não funciona são os diálogos destinados ao par Sofia e Lynch. É estranho comentar, mas há um espectro da chatice rondando essas cenas. O texto consegue ser tão ruim nesses diálogos que conseguem te tirar do filme, prejudicando qualquer tentativa de Kurzel em fazer as cenas funcionarem.
Kurzel também parece não criar muito no poder simbológico que história carrega, apenas apostando na arquitetura semelhante a uma arca do prédio da Abstergo. Uma boa ideia do diretor em conjunto do design de produção é a atualização do funcionamento do Animus. Aqui, em forma de garra, torna a experiência da regressão muito mais ativa do que a do jogo, permitindo que o diretor crie bons cortes entre as acrobacias de Aguilar em sincronia com as de Lynch no laboratório. É óbvio que se for levar a sério demais o instrumento, o espectador encontrará perguntas que nunca serão respondidas.
Kurzel e o cinematografista Adam Arkapaw capricham mesmo em termos de enquadramento e iluminação. Assassin’s Creed é um dos poucos blockbusters contemporâneos que possuem um visual arrojado e bem elaborado, mesclando tons mornos e frios a todos os momentos com demarcações de sombras diversas mesmo que os períodos da regressão sejam muito mais carregados por tons pastéis quentes e com granulação maior.
No que Kurzel é equivocado, facilmente reconhecemos. O filme é incompetente para lançar as referências certas aos games, de toques que fariam a felicidade dos fãs. Há apenas o óbvio ali: parkour (muito bem coreografado), hidden blades, saltos de fé e um excesso abundante de elipses de tempo focando na águia que sobrevoa diversas cenas.
Aliás, diversas tomadas aéreas ótimas são sacrificadas por tanta fumaça digital que há nesse filme. É absurdo o nível de CGI ruim que oculta os efeitos práticos bem feitos. Nisso, Kurzel não consegue valorizar o design de produção em diversos sentidos: seja nos cenários bonitos contemporâneos e históricos ou no estupendo trabalho de figurinos e outros adereços de cena.
As três sequências de ação são irregulares em qualidade. Enquanto a primeira se destaca pela boa montagem e diversidade de enquadramentos, as outras duas regressões são fracas sendo a segunda a pior delas. Nessa longa perseguição, a segunda unidade e Kurzel se atrapalham em gravar em espaços apertados, causando um vômito visual de tão grotesca que a passagem se torna, além de seu final anticlimático injustificado.
Suicídio de Fé?
A estreia de Assassin’s Creed nos cinemas poderia ser muito superior ao que foi apresentado aqui. Há sim bons conflitos e pretensões esboçadas pelo roteiro que sempre falha em desenvolvê-las ou resolvê-las de modo mais memorável. O rol de personagens é um desperdício tremendo, pois é perceptível o quanto Fassbender, Cotillard e Irons estavam se dedicando em tornar as figuras desses indivíduos em algo tanto mais complexo.
A querela paterna que Lynch e Sofia partilham seria algo a se valorizar, além de uma abordagem mais incisiva sobre as duas sociedades que movem a narrativa do filme. A busca pelo artefato facilmente renderia uma aventura mais voltada ao estilo Indiana Jones do que um thriller de loucura e suspense épico que Kurzel investiu na obra.
Assassin’s Creed obviamente não é um filme todo ruim, como apontei em passagens no texto. Inclusive, é um dos melhores de games da História, mas isso também não quer dizer grandes coisas para um cenário de tamanha calamidade. Entre os elementos que mais se destacam além do visual e da direção arrojada, certamente é a trilha musical de Jed Kurzel que confere todo o ar épico e tenso para as perseguições no filme. O compositor captou e acrescentou em precisão do que se trata a música dos jogos.
São erros demais para expô-los todos no texto, escolhas equivocadas demais. Acredite, caro leitor, torcia para que o filme de uma das franquias de jogos que mais gosto fosse realmente bom, mas não é o caso. Esse projeto convergiu tanto talento para desembocar apenas em decepção.
Se há alguma coisa que berra entre o imenso tédio que o filme proporciona, é somente a palavra, escancarada a todo canto: desperdício. E esse desperdício pode ter sepultado de vez as chances de revermos Assassin’s nas telas dos cinemas em um futuro próximo.
Assassin’s Creed (Assassin's Creed, 2016, EUA)
Direção: Justin Kurzel
Roteiro: Michael Lesslie, Adam Cooper e Bill Collage
Elenco: Michael Fassbender, Marion Cotillard, Jeremy Irons, Brendan Gleeson, Michael K. Williams, Charlotte Rampling, Ariane Labed
Gênero: Ação
Duração: 115 min
Crítica | A Criada
Quando romances eróticos tão soft como Cinquenta Tons de Cinza ganham o mundo a ponto de virar filme (o que, per se, não é incomum para a indústria), não se encontra nada além da reafirmação de ideias conservadoras, cafonas - já essenciais para toda a masturbação sobre castidade que é a saga Crepúsculo, fonte da trilogia Cinquenta. Infelizmente, o novo filme de Park Chan-wook, apesar de todo o reconhecimento internacional do diretor, é uma obra particular com pouca força de implosão mundial. Traz, pelo menos, o que tornou Oldboy o filme que é. Depois de algumas experiências de tom ocidental, obviamente mais em Segredos de Sangue, apesar de Sede de Sangue também emprestar alguns elementos de Émile Zola e este novo ser inspirado no romance Fingersmith, de Sarah Waters, Chan-wook faz da enorme mansão de The Handmaiden seu onfalo.
A jovem Sooki (Kim Tae-Ri), que na verdade se chama Tamako, vai trabalhar como criada na mansão onde vivem a Srta. Hideko (Kim Min-Hie) e seu rico tio Kouzuki (Cho Jin-woong), um bibliófilo de gostos peculiares. O detalhe é que Sooki é uma ladra que está mancomunada com o falso conde Fujiwara, que é coreano, mas se assume japonês. O plano é que Sooki convença Hideko de que o conde é um bom partido para que assim ele possa roubar sua herança. Mas, essa é apenas uma das três visões, cada uma com um narrador diferente, que compõem The Handmaiden: um triângulo com a complexidade de um tetraedro.
Violência e sexo: praticamente sinônimos na obra de Park Chan-wook. Entretanto, a maneira como esses temas são retratados não aparecia desde Oldboy. Sem o pesado simbolismo de seus dois últimos filmes, o diretor consegue temperar com muito horror, volúpia e franqueza todos os fetiches figurativos e narrativos de sua história. Como o estereótipo de um empregado japonês, Chan-wook move-se com precisão, rapidez e sutileza, em suma, com classe pelos corredores, quartos e esconderijos da grande mansão. O sadismo e o fetichismo são as estrelas da vez. Kouzuki coleciona livros eróticos e monta, através de seu poder como homem da casa, sessões em que sua esposa e, depois, sua sobrinha lêem as histórias picantes de sua coleção para uma plateia. As mulheres servem, nessa ótica, como excitadoras de uma aristocracia pervertida, fascinada pela teatralidade e pela sedução da leitura e pela materialidade (desenhos de mulheres nuas que viram cigarros, a língua enegrecida de Kouzuki molhando o pincel…); além de sadomasoquista, porém, inerte em relação à de Saló ou 120 Dias de Sodoma, por exemplo.
Por outro lado, uma sexualidade muito mais real surge quando Sooki e Hideko se apaixonam. A sensualidade se manifesta pelas ações, mas essas seguem o mesmo ritmo de uma leitura, como se as palavras dos manuscritos percorressem a carne; a cena da banheira, em que a criada lixa a ponta de um dente de Hideko é tão sensual quanto as duas representações do intercurso lésbico. A câmera percorre essas situações vagarosamente, como se maneja-se um vaso frágil e preciosíssimo, dando espaço para a sugestão e potencializando o voyeur-ouvinte de cada espectador. Não fosse a elegância de Chan-wook, sua misoginia seria autodestrutiva (facilmente relacionada com a postura de Lars Von Trier). Felizmente, pela sua imprevisibilidade, nada pode ser afirmado sobre o filme até o fim do 145º minuto de sua projeção.
O romance Fingersmith, base do roteiro, se passa na era vitoriana, mas toda a direção artística conseguiu misturar com perfeição os trejeitos desse ambiente e transpô-los para Coreia da década de 30, ocupada pelos japoneses. Essa ambientação participa, inclusive, de uma discussão histórico-social. Durante o filme, os diálogos alternam entre os dois idiomas. Trata-se de uma nuance utilizada para realçar o conflito, uma mudança, as identidades voláteis, enfim, a ideia do colonizador querendo se sobressaltar. Chan-wook grita isso no terceiro ato - assim como tudo que havia ficado só na base da sugestão - através, acredite, de um bigode falso. Justifica, assim, seu argumento de que o importante, muitas vezes, não é um alguém ou o que este diz, mas o que o formou e o que está a seu redor.
Estrutural e plasticamente impecável, The Handmaiden é uma máquina de suspense e mistérios, palco de situações assombrosas, planos mirabolantes e estratagemas cultivados como pérolas que vão fazer o espectador duvidar, a partir de certo ponto, de todas as ações dos personagens. Chan-wook tem total controle e usa disso para saltar bruscamente de um momento calmo e despretensioso para algo desesperador, nem que seja por um movimento de câmera surtado e espalhafatoso, atitude tão típica da cultura japonesa como um todo. A mansão é um show à parte (sem tirar os méritos de A Colina Escarlate, mas aqui a construção funciona em todos os níveis).
Como já foi dito, Chan-wook está em casa, à vontade para explorar seus próprios fetiches, sem os ressentimentos de sua obra anterior. Os elementos são diversos e há pouco atrito entre eles. Na verdade, justamente essa abundância faz o segundo ato perder um pouco de fôlego. Mas, no final, não há qualquer ostentação desconectada dos seus personagens e da trama. Nem do polvo, um pequeno fan service para quem viu Oldboy e/ou conhece um pouco do universo erótico japonês. O novo filme de Park Chan-wook é excitante para quem não está afim de ouvir questões importantes serem debatidas com uma retórica petulante e verborrágica; e, sim, para quem quer gozar de seus sentidos, com muito mais suor e saliva do que sangue.
The Handmaiden (Ahgassi, 2016 - Coréia do Sul)
Direção: Chan-wook Park
Roteiro: Seo-Kyung Chung, Chan-wook Park (baseado na obra de Sarah Waters)
Elenco: Min-hee Kim, Kim Tae-ri, Jung-woo Ha, Jin-woong Jo, So-ri Moon, Hae-suk Kim
Gênero: Suspense, Drama, Erótico
Duração: 144 min.
Review | Toy Story 3
Toy Story, com certeza um título que traz nostalgia e um certo feeling para crianças e adultos ao redor do mundo. Com sua fama nos cinemas, é totalmente normal chegar jogos baseados nas aventuras e histórias que o filme menciona. O jogo de Toy Story vem desde a época do Super Nintendo onde controlávamos o personagem Woody dentro de um típico jogo de plataforma com detalhes sempre bem coloridos e divertidos lançado nos anos 90. Dessa época em diante, foram feitos muitos jogos da franquia sempre com bons resultados e atraindo os jogadores a experimentarem a magia de Toy Story.
Finalmente chegamos em 2010 e, com o lançamento do filme, Toy Story 3 nasce para todas as plataformas daquela geração. Para quem jogou Toy Story 3 pode ter percebido uma coisa realmente interessante a respeito de sua história, diferente de muitos jogos que seguem o caminho e enredo perfeito do filme, Toy Story 3 mostra uma história após o filme ter ocorrido, podemos dizer que o jogo em si seria uma espécie mini extra para a trama original nos cinemas.
Existem dois modos de jogo em Toy Story 3, primeiro é sua campanha, onde o jogador passará por 8 tipos de fases diferentes sendo algumas focadas no filme e outras não. Cada uma dessas fases contém alguns coletáveis para serem adquiridos, logo é muito importante que o jogador vasculhe bem cada cenário para platinar o jogo. Mas o modo mais divertido e chamativo com certeza é o Toybox. Nele entramos em um mundo aberto aonde devemos fazer diversas e diversas side-quests e abrir novos locais para explorar, vale lembrar que ambos os dois modos contêm uma porcentagem de finalização dando um tempo a mais para platinar o jogo.
Dentro do modo ToyBox podemos fazer diversas coisas que acabam dando um toque muito bom no jogo, podemos customizar os habitantes e alienígenas da cidade com roupas carismáticas, trocar a cor das estruturas com temáticas de outros filmes da Disney, fazer corridas com o cavalo Bullseye e adquirir novos territórios para se explorar. Na ToyBox podemos jogar um modo Coop para fazer certas quests ou apenas se divertir na cidade. Vale ressaltar que o modo coop não é online e sim Split screen sendo obrigatório a presença de outros jogadores no mesmo console.
O trabalho em equipe é importante em Toy Story 3. No modo campanha podemos jogar com os 3 personagens principais do filme, cada um com uma habilidade especial para ajudar no progresso da fase. Buzz Lightyear é um personagem mais pesado e forte por conta disso consegue ajudar Woody a alcançar lugares mais altos e de difícil acesso, Jessie consegue se equilibrar em botões e objetos pendurados no cenário e Woody consegue se balançar em alguns objetos com sua corda atrás das costas. Cada personagem terá um momento de importância para ser usado seja para finalizar a fase ou para pegar os coletáveis.
Sua jogabilidade é bem correspondida porem bem limitada. Cada fase tenta ser diferente das outras não tentando ser repetitiva no clássico “andar e pular”. Algumas usam um sistema de voo e combate como as de Buzz Lightyear, outras mais focadas no stealth para não ser detectado. Um ponto positivo é o cenário bem modelado e diferenciado, detalhados com muitas cores chamativas e acompanhado com uma ótima trilha sonora digna de uma das diversas obras da Disney.
Toy Story 3 contém um gigantesco problema: os ports das diferentes versões. As mais completas e realmente bonitas são as versões de Playstation 3 e Xbox 360. Todos os outros ports são extremamente mal feitos e bugados. A versão de PC talvez seja a mais problemática e mal-acabada que existe, perdendo até mesmo para as versões do Nintendo Wii. Falta de conteúdo, falta de conquistas e extras, expressões ridículas e sem animações, problemas de áudio e muitos outros problemas destroem o jogo completamente, dando a experiência de um jogo incompleto e mal produzido.
A dificuldade de Toy Story 3 é totalmente nula, sem nenhuma penalidade ao morrer e com infinitas vidas, mesmo o jogo sendo focado em um público mais juvenil Toy Story 3 extrapola, se tornando um jogo bem monótono e rápido de se acabar. Podemos chutar umas 2 horas de campanha no máximo e mais umas 4 no modo ToyBox, e acreditem, o jogo se torna totalmente chato e monótono.
No final das contas Toy Story 3 acaba sendo um jogo bem fraquinho comparado com seus títulos anteriores, o seu problema de port é extremamente perturbador dando uma boa experiência apenas no Playstation 3 e Xbox360. Também não traz nenhum tipo de recompensa ao pegar os coletáveis o que traz uma desmotivação enorme por todo trabalho extra que o jogador tem.
Mesmo sendo um jogo divertido de se experimentar, seu progresso é mais rápido que o normal não dando para aproveitar o game direito. Toy Story 3 se torna um jogo aturável porem será um jogo que nunca mais colocaremos a mão novamente principalmente as versões de Nintendo WII e PC.