Com Spoilers
I am putting myself to the fullest possible use, which is all I think that any conscious entity can ever hope to do. – HAL 9000
A ficção científica talvez seja o gênero mais ambicioso do cinema. Seus conceitos e rumos idealizados ultrapassam os limites da imaginação e do explicável, especialmente na busca por respostas às perguntas mais enigmáticas da História da humanidade: quem somos nós? De onde viemos? Para onde iremos? E, finalmente, estamos sozinhos no Universo?
Em uma época em que o gênero traduzia cinematograficamente a paranóia da Guerra Fria entre EUA e União Soviética (Guerra dos Mundos e O Dia em que a Terra Parou são apenas alguns exemplos de obras que batem na tecla da invasão norte-americana por uma força desconhecida e o perigo quanto ao uso da bomba atômica), o já controverso Stanley Kubrick se une com o escritor Arthur C. Clarke para adaptar às telas o romance 2001: Uma Odisseia no Espaço.
Já tendo abordado o conflito russo-americano em 1965 com a ótima paródia Dr. Fantástico, Kubrick coloca as questões políticas do evento de lado e parte para responder as perguntas trazidas no início do texto. A trama de 2001 não é das mais fáceis de sumarizar – e muito menos de acompanhar. Seria simples classificá-la como uma história do homem explorando o espaço, mas o mais apropriado seria vê-la como uma história sobre o próprio Homem.
E tal História, cujo percurso levou incontáveis gerações e infinitas descobertas, Kubrick resume em um único corte. A famosa e mais longa transição de tempo já registrada no cinema, quando um dos primatas descobre a ferramenta – e, posteriormente, a arma – ocorre um salto temporal para o futuro, onde observamos um dispositivo nuclear no espaço (que muitos acreditavam tratar-se de uma espaçonave, mas a presença de um armamento faz mais sentido). Um dos recursos visuais que só a Sétima Arte oferece, e nas mãos de um de seus maiores mestres, torna-se uma elegante e sutil ferramenta narrativa.
Como disse há alguns parágrafos acima, a trama de 2001 é complicada. Sua execução requer muita paciência do espectador por não adotar uma narrativa “tradicional”, trazendo poucos diálogos em seu roteiro, abraçando o silêncio (esse talvez seja o único longa do gênero que retrata a ausência de som no espaço, substituindo-o por lindas peças de música clássica) e uma incerteza quanto a seu protagonista. Em quase 1 hora de filme, já fomos apresentados a dois grupos distintos de personagens (os primatas e a equipe de expedição à Lua) e só a partir daí o longa encontra seu “protagonista” definitivo, o astronauta Dave Bowan.
Acompanhado de seu parceiro Frank Poole, Dave comanda a Missão Júpiter, que visa levar – pela primeira vez na História – o homem ao planeta que batiza a missão. Junto com os astronautas, há uma equipe de cientistas em estado de hibernação e uma inovadora unidade HAL 9000, um painel de computador com inteligência artifical e que administra todas as funções da nave. Isso mesmo, os controles, direções e praticamente tudo de relevante à missão é posto nas mãos de uma máquina.
E é essa a grande virada do filme: a revolta de HAL. Ainda que tenha apenas uma luz vermelha como representação física, a espetacular dicção de Doug Rain (intérprete vocal do computador) consegue propocionar ao personagem uma áurea assustadora (sua total inexpressividade ao declarar suas sentenças o tornam quase imprevisíveis) e, em contrapartida, emocional. Reformulo aqui o que havia dito no início do texto sobre a influência da Guerra Fria na produção, e enxergo que tal revolta é uma alegoria do avanço tecnológico – uma corrida armamentista, naquele período – e o perigo de responsabilizar importantes tarefas à criações artificiais. Um alerta atemporal, convenhamos.
Antes que me esqueça, temos o enigmático monolito. Sempre acompanhado da perturbadora “Requiem” de Ligeti (que bolaria uma composição igualmente brilhante para o último trabalho de Kubrick, De Olhos Bem Fechados), o objeto alienígena extraterrestre representa uma forma de inteligência superior; seria alienígena? Seria algo relacionado a Deus? A presença do obelisco assusta pela simplicidade de sua estrutura e pelo inexplicável fascínio que este causa, característica que Kubrick consegue transmitir através dos longos planos em que o monolito “encara” a câmera e os lindos closes em que a mão humana o toca.
E então chegamos àquele final. Aquela monstruosa conclusão que envolve o protagonista.
Não é claro para mim o destino de Dave em 2001. Talvez seja algum tipo de metamorfose ou a suprema forma de evolução, mas o próprio Stanley Kubrick afirmou que seu final não tem uma explicação coletiva; cada espectador tiraria suas próprias conclusões a respeito e formularia suas próprias teorias. Eu não preciso saber o que acontece ao final da projeção. Na minha visão, é algo tão belo e tão grandioso que dispensa explicações e não existem palavras que façam justiça às majestosa imagens que congelam até o mais cético dos espectadores.
É a beleza de 2001: Uma Odisseia no Espaço. Um filme homérico que dispensa explicações e impressiona com suas ideias, naquele que é, sem sombra de dúvida, o filme mais ambicioso do gênero.
2001: Uma Odisseia no Espaço (2001: Uma Odisseia no Espaço – EUA/ Reino Unido, 1968)
Direção: Stanley Kubrick
Roteiro: Stanley Kubrick, Arthur C. Clarke
Elenco: Keir Dullea, Gary Lockwood, William Sylvester, Daniel Richter, Leonard Rossiter, Margaret Tyzack, Robert Beatty
Gênero: Ficção científica
Duração: 149 min.