Já presenciamos nas mais diversas produções americanas um tema que se tornou quase que rotineiro em séries e filmes de vários gêneros. O cinema e a TV gostam de criar narrativas em que o tribunal e o julgamento sejam questões cruciais para a história. Já vimos tramas sobre julgamentos em que alguém luta ou contra um governo, ou quando uma pessoa é processada por cometer algum crime. Os filmes de julgamento estão na essência do cinema americano, no clássico 12 Homens e uma Sentença (1957) encontramos uma das mais célebres e fascinantes narrativas sobre o assunto. No centro destas produções estão ou advogados ou juízes, muitos são inspirados em pessoas que existiram e outros são apenas inspirados em personagens fictícios.
No documentário A Juíza (Betsy West e Julie Cohen) presenciamos toda a trajetória da inicialmente advogada Ruth Bader Ginsburg até chegar ao mais alto patamar nos EUA em sua área, que é a Suprema Corte Americana. Uma história real que deixa todo o meio jurídico americano orgulhoso de ter a figura de Ruth Bader em um cargo tão importante. Por ser um documentário é provável que se encontre um vasto material de arquivo a respeito desta personagem.
RBG (nome do documentário em inglês) vai muito além das cenas de arquivo, que incluem fotos, vídeos e arquivos de áudio dos julgamentos importantes nos quais Ruth Bader esteve envolvida. Essa riqueza de documentos históricos é o mais interessante do documentário, pois ajuda não apenas a construir a imagem de Ruth em uma mulher que busca a igualdade entre homens e mulheres, mas também ajuda a mostrar seus métodos de argumentação e como foi árduo seu trabalho em lutar contra um sistema.
Há uma mescla entre as imagens de arquivo e cenas da juíza comparecendo a eventos nos dias de hoje, indo à ópera ou a programas de TV, e claro que há a conversa entre a juíza e os diretoras do documentário, em que Ruth comentava todos os acontecimentos do passado e seus desdobramentos para a sociedade. Como suas defesas eram tratadas na época e qual a sua motivação em realizar suas defesas. Essa conversa tête-à-tête com as diretoras é um artifício importante para dar maior margem a muitas questões que eram discutidas. Sem esses diálogos se tornaria mais uma reportagem que propriamente um documentário.
O mais importante desta produção tem relação com sua mensagem. Ruth Bader Ginsburg direcionou, ao longo de toda a sua carreira, uma linha de trabalho em prol da sociedade e da luta pela igualdade entre homens e mulheres. Antes de entrar para a Suprema Corte trabalhou muitos anos como advogada, e realizava belos textos que defendiam casos ardilosos em que mulheres eram tratadas como cidadãs de segunda classe, sem direitos e tendo um abismo em relação a muitas condições oferecidas aos homens. Depois que Ruth vai para a Suprema Corte há outros trabalhos que realizou e o documentário separa seu trabalho em épocas, antes de George Bush fazer novas indicações para o tribunal e uma linha que mostra como era a Suprema Corte antes de Bush, quando foi colocada no poder por Bill Clinton.
Há uma diferença entre A Juíza em relação ao documentário Free Solo (vencedor do Oscar 2019) que é justamente em sua mensagem, pois Free Solo se propõe a mostrar o feito de um homem frente a morte, enquanto A Juíza apresenta uma mulher que lutou pelo coletivo e por questões que mudaram não apenas os EUA, mas também o mundo, e essa é a importância desta produção dirigida por Julie Cohen e Betsy West. Documentários geralmente tem como propostas dialogar com algo pertinente e relevante para a população e isso é algo feito de forma competente.
Ruth Bader é a protagonista de RBG, mas não a única com importância para a história. Um personagem real surge com destaque que é de seu marido Martin D. Ginsburg. Um homem que é apresentado como parte importante para que Ruth se tornasse a pessoa que se tornou. Martin era um bom marido, a apoiou a estudar em um período em que não era algo comum para as mulheres. Esse fator de o colocar com certa importância é algo interessante porque dá uma contrabalanceada no que é mostrado e por dar a devida importância a relação dos dois e como isso fez com que, no futuro, Ruth Bader subisse na carreira, e que sempre teve apoio nessa empreitada.
Um problema, que fica bem claro próximo ao final, é no quesito de correr com temas interessantes. Os últimos vinte minutos são bastante atropelados, entra no período Bush, corre para a época de Obama e passa correndo pela presidência de Trump. Outro fator que poderia ter sido melhor trabalhado é o do aprofundamento de questões que foram apresentadas ao longo do tempo, mas que ficaram apenas no superficial, e isso tira bastante o peso do assunto que está sendo discutido. Nos vários relatos de Ginsburg sobre acontecimentos que julgou no passado, há uma falta em discutir aquele tema mais afundo, de uma forma que pudesse ser mais didático para o telespectador.
Mitos pops não aparecem da noite para o dia, são trabalhados e desenvolvidos ao longo do tempo até chegar em seu auge. Foi assim com a vida de Ruth Bader Ginsburg e a produção deixa claro isso ao mostrar todos os percalços pelo qual passou. Não a toa a juíza hoje é vista como uma lenda não apenas para os americanos, mas também pelo mundo. RBG é um documentário que procura trabalhar esse mito e mostrar quem é a mulher por trás daquela toga.
A Juíza (RBG EUA), 2018
Direção: Julie Cohen, Betsy West
Elenco: Ruth Bader Ginsburg, Ann Kittner, Nina Totenberg,Martin D. Ginsburg
Gênero: Documentário, Biografia
Duração: 98 min