Crítica | A Mulher Rei dispensa fidelidade histórica para criar um bom entretenimento

Mesmo com alguns deslizes ocasionais no tipo de filme que quer entregar, A Mulher Rei acaba garantindo um entretenimento sólido

Por mais que Pantera Negra possa parecer um simples filme de super-heróis, seu impacto em Hollywood foi inegável. O sucesso financeiro do filme de Ryan Coogler na Marvel Studios ajudou a inspirar e tirar do papel diversas histórias com elenco negro; seja a sequência bem tardia da comédia popular Um Príncipe em Nova York ou algo mais obscuro e independente, como é o caso de A Mulher Rei; que ainda segura nas costas as responsabilidades de manter a chama do épico histórico acesa nos cinemas.

A história de A Mulher Rei começa de um ponto curioso, com a atriz Maria Bello (de A Múmia: Tumba do Imperador Dragão) aprendendo sobre a origem das guerreiras de Agoije em uma viagem para a África. Inspirada, ela desenvolve um roteiro com Dana Stevens, que logo chama a atenção de Viola Davis. Mesmo assim, o filme só é efetivamente aprovado com um orçamento à altura de sua proposta quando Pantera Negra arrecada US$1 bilhão no mundo inteiro.

Na trama, o jovem rei Ghezo (John Boyega) tenta proteger o reino de Daomé dos ataques de uma nação rival, os Oyó, que mantém relações com comerciantes de escravos de Portugal. Ghezo conta como principal trunfo a presença das Agojie, um exército de guerreiras extremamente letal, liderado pela valente Nanisca (Viola Davis), que também lida com a expectativa de ser eleita como a próxima Mulher Rei de Daomé.

Investimento simplista

É importante frisar que A Mulher Rei não é exatamente fiel aos eventos históricos. Pessoalmente, esse tipo de decisão nunca me afeta – afinal, estamos falando de cinema comercial, e não de um documentário. Isso justamente porque o resultado alcançado pela obra está bem focado em oferecer um entretenimento envolvente e derivativo do semi-extinto gênero dos épicos históricos, tão populares na década de 1990 e o início do novo milênio.

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Isso faz com que A Mulher Rei seja um tanto simplista e maniqueísta em seus conceitos políticos, especialmente em como torna os heróis bastante heróicos e os vilões extremamente vilanescos. Curiosamente, essa característica se destaca menos no roteiro de Stevens, mas em grande abundância pela trilha sonora do veterano Terence Blanchard. Apesar de criar bons temas para representar as Agoije, Blanchard pesa a mão nos sons didáticos clichês para sonorizar vilões e algumas cenas de combate – garantindo o tipo de música que ensina o que o espectador deve sentir a cada segundo.

Também é importante resaltar como o filme parece indeciso ao que fazer com o descartável arco de romance envolvendo a Nawi de Thuso Mbedu e um comerciante de escravos “de boa índole”, vivido por Jordan Bogler. É uma subtrama que nunca se compromete ao romance clássico, mas também fica no meio do caminho ao tentar oferecer uma narrativa feminista – e que ainda força o espectador a ouvir vergonhosos diálogos em “português” que devem ter sido ditados pelo Google Tradutor. 

Foco no que funciona

Felizmente, o filme se sai muito melhor quando está totalmente concentrado em suas protagonistas. O roteiro de Stevens é sábio em abordar uma estrutura consagrada do filme de combate, que é a da perspectiva da nova recruta. A Nawi de Thuso Mbedu serve bem esse papel, na pele de uma jovem que é largada por seus pais adotivos e entregada na porta da guarda do rei. Assim como em Nascido para Matar, de Stanley Kubrick, A Mulher Rei dedica metade de sua projeção para sequências de treinamento e aprendizado, antecipando a chegada dos primeiros combates e guerras que tomam conta de sua porção final.

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Chega até a ser surpreendente como a Nawi de Mbedu ganha mais destaque do que a própria Viola Davis. Nanisca tem diversos arcos e subtramas importantes – e Davis está extremamente formidável em um papel com diversas cenas de ação, mas é mesmo Nawi quem tem todo o arco central. Mbedu até tem um início inexpressivo, mas ganha força à medida em que sua personagem vai garantindo reviravoltas interessantes em torno de sua relação com as Agojie e Nanisca.

Mas o grande destaque no elenco é mesmo Lashana Lynch. A atriz de 007 – Sem Tempo para Morrer domina cada segundo de cena como Izogie, uma das principais generais do exército e bem mais concentrada na ação; enquanto Nanisca assume também as funções políticas. Justamente por isso, Lynch garante o clássico arquétipo da mentora das jovens recrutas, oferecendo uma personagem cheia de nuances, divertida e complexa; e que também garante alguns dos combates mais brutais, já que Izogie lixa as unhas para servirem como garras afiadas.

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E por falar em combates, é outro ponto positivo de A Mulher Rei. Depois do fraquíssimo The Old Guard da Netflix, a diretora Gina Prince-Bythewood oferece um trabalho bem mais dinâmico e interessante com as cenas de ação aqui. É nítido o trabalho requintado de coreografia das atrizes e também da coordenação de batalhas com múltiplos figurantes, captados por uma câmera agressiva e cortes fluidos.

Vale apontar como Bythewood é inteligente em não deixar os momentos de personagens sumirem no meio da violência. Seja para ressaltar a importância de Nanisca encontra uma figura violenta de seu passado, ou quando uma das jovens Agojie mata uma pessoa pela primeira vez – fazendo com que toda a narrativa pare por alguns segundos a fim de deixar a personagem absorver esse choque.

Mesmo com alguns deslizes ocasionais no tipo de filme que quer entregar, A Mulher Rei acaba garantindo um entretenimento sólido. Quando se concentra nos elementos do filme de combate e a relação humana de suas protagonistas, destacando o trabalho de Viola Davis e Lashana Lynch, o longa de Gina Prince-Bythewood é extremamente eficiente. Um bom entretenimento.

A Mulher Rei (The Woman King, EUA – 2022)

Direção: Gina Prince-Bythewood
Roteiro: Dana Stevens, Maria Bello
Elenco: Viola Davis, Thuso Mbedu, Lashana Lynch, John Boyega, Jordan Bolger, Sheila Atim, Hero Fiennes Tiffin, Jimmy Odukoya, Masali Baduza, Jayme Lawson, Adrienne Warren
Gênero: Ação
Duração: 135 min

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Sobre o autor

Lucas Nascimento

Estudante de audiovisual e apaixonado por cinema, usa este como grande professor e sonha em tornar seus sonhos realidade ou pelo menos se divertir na longa estrada da vida. De blockbusters a filmes de arte, aprecia o estilo e o trabalho de cineastas, atores e roteiristas, dos quais Stanley Kubrick e Alfred Hitchcock servem como maiores inspirações. Testemunhem, e nos encontramos em Valhalla.

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