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Crítica | Adeus Christopher Robin – Uma Cinebiografia Excessivamente Melodramática

A.A. Milne tornou-se um dos nomes mais memoráveis da literatura britânica por um simples motivo: criar uma porção de histórias emocionantes envolvendo um famoso e adorável ursinho de pelúcia chamado Pooh e suas incríveis aventuras ao lado de outras criaturinhas silvestres como Leitão, Ió e Tigrão. Seguindo um padrão que tornou-se comum em Hollywood, não foi nenhuma surpresa quando o diretor Simon Curtis foi cotado para dirigir uma singela e tragicômica homenagem acerca de sua carreira, principalmente considerando sua extensa filmografia, marcada por investidas como Sete Dias com Marilyn e A Dama Dourada – ambos representando dois extremos de suas habilidades.

A princípio, precisamos entender que Adeus Christopher Robin aponta para diversos convencionalismos do gênero: logo, espere sim diversas sequências carregadas com um teor melodramático, perscrutadas com uma música tonal que preza pela amálgama de diversos instrumentos mais profundas e uma trilha sonora que exige algumas resposta emocional do espectador. Isso sem falar nas atuações que, apesar de beirarem o limiar do over-the-top, funciona, pela maior parte da narrativa pela capacidade de seus versados atores – em especial uma envolvente Margot Robbie no papel da poética e sofrida Daphne Milne, esposa do autor em questão.

Curtis faz um bom uso do anacronismo cênico para compor sua obra, levando o espectador a se perder propositalmente em meio a cronologia da obra. Para aqueles que não conhecem a real história de Milne, ele serviu na I Guerra Mundial antes de conseguir sobreviver ao caos e à carnificina das trincheiras e retornar para seu status como lorde, mergulhando mais uma vez no puritanismo e na superficialidade de sua vida antiga. Entretanto, após presenciar os horrores do conflito, incluindo observar seus companheiros perecerem até a morte em um estado de pura impotência, ele percebeu que precisava se afastar de toda aquela vida urbana para que os cruéis fantasmas deixassem de existir. Desde os primeiros minutos de filme, percebemos que Domnhall Gleeson consegue encarnar com perfeição sua própria versão do romancista e poeta, resgatando a expressão ranzinza e a constante inexpressividade, entrando em conflito com o alegre otimismo da esposa.

Sua jornada toma um rumo drasticamente mutável com o nascimento de seu único filho, o jovem Christopher Robin Milne (Will Tilston), chamado de C.R. Milne e, como já podemos prever, a principal influência para A.A. criar suas fantásticas e envolventes histórias. É muito interessante e até mesmo trágico analisar que tanto sua esposa quanto seu filho permaneciam em um receptáculo moral e comportamental justamente para não ativar nenhum possível gatilho da flagelada do patriarca da família – o que também revela sua personalidade contraditória: por um lado, o novelista foi responsável por trazer à vida um dos universos mais simbólicos e puros e que encantou crianças ao redor do mundo, mas mesmo assim não conseguia perceber a carência de seu mais jovem fã, Christopher.

Apesar de todos esses subtemas estarem presentes no longa-metragem, Frank Cottrell Boyce e Simon Vaughan permanecem em uma linha defensiva e parecem duvidar da capacidade do público em compreender um escopo mais profundo: grande parte dos diálogos e da exploração desses múltiplos arcos permanece em uma rasa superfície que basicamente tem medo de seu próprio potencial. Isso impacta em diversas partes estruturais, incluindo o ritmo da montagem: não é à toa que o primeiro ato move-se de modo tão monótono que nos faz pescar em diversos momentos – e garanto que nenhuma das cenas perdidas é de notável perda. Felizmente, Curtis consegue voltar aos trilhos no ato seguinte e aproveitando sua habilidade de arquitetura atmosférica para focar em uma das subtramas mais importantes da obra e que serve de base para a premissa narrativa: a relação entre A.A. e seu filho.

O famoso romancista permanecia enclausurado em um bloqueio criativo até finalmente sair do conturbado centro londrino e mudar-se com sua família para o interior. Entretanto, não podemos apagar o fato de que inúmeras tentativas foram feitas para que sua sanidade e seu equilíbrio mentais voltassem, principalmente com a contratação da adorável governanta Olive (Kelly Macdonald), que fica responsável por cuidar e, eventualmente, por acompanhar o crescimento do menino à medida em que seus pais tentam retomar os trilhos de seu relacionamento e resgatar uma faísca que não existe mais. É só após a brusca mudança de ares e o afastamento de Daphne, que acaba voltando para Londres para cuidar da enferma mãe, que os dois tem um amplo espaço para endossarem sua fria relação. A priori, até mesmo a dura fotografia parece deixá-los afastados em dois espaços cênicos diferentes e intransponíveis – e é com uma ajuda quase divina que tanto A.A. quanto Christopher abrem-se um para o outro e começam a compreendê-los. Ora, o garoto nem mesmo o chamava de pai, mas sim de Blue (azul, em inglês, dialogando com seu constante estado melancólico), e só depois de conseguir entendê-lo ele o vê como seu igual.

E quando A.A. entende e abraça a perspectiva fantástica de seu filho, ele abre os olhos para uma história que talvez ofusque os seus trabalhos anteriores, mas que definitivamente funcionará. Nesse ponto, Curtis trabalha a iluminação de forma mais profusa para fundi-lo ao bucólico cenário campesino e permitir que dois mundos opostos se tornem um só. É claro que os convencionalismos supracitados também se estendem para as técnicas imagéticas – então espere sim uma transição na paleta de cores, iniciando-se na neutralidade de cores como marrom, verde-escuro e preto, todos mergulhados em um claro desbotamento, para o alegre e o vivo das cores quentes. O problema é não saber de que modo mesurar esses eventuais clichês e abrir margem para que eles se estendam até o final do filme.

Infelizmente o ritmo volta a se perde e nos entrega a um terceiro ato desnecessário, por assim dizer. Ao invés de focar nos primeiros anos de vida de Christopher e como a própria organicidade da família mudou muito com o estrondoso sucesso dos escritos de A.A., o roteiro resolve retornar para uma versão mais atual do primeiro bloco e mostra que o garoto seguiu os mesmos passos do pai e foi “obrigado” pelo mesmo a ingressar em um academia militar e representar o país na iminência da II Guerra Mundial. Ainda que comovente, as resoluções são previsíveis e tiram o parco brilho de originalidade do longa.

É difícil não se incomodar, mesmo que um pouco, com o excesso de melodrama açucarado de Adeus Christopher Robin. Ainda que o trio de atores protagonistas esteja em uma zona de conforto aplaudível, é o cru roteiro que traz a maior parte dos problemas e que, sem saber em que direção seguir, perde-se em fórmulas do gênero que obrigatoriamente funcionam (pelas razões erradas).

Adeus Christopher Robin (Goodbye Christopher Robin, Reino Unido – 2017)

Direção: Simon Curtis
Roteiro: Frank Cottrell Boyce, Simon Vaughan
Elenco: Vicki Pepperdine, Margot Robbie, Domnhall Gleeson, Will Tilston, Alex Lawther, Stephen Campbell Moore, Richard McCabe, Geradine Sommerville, Mossie Smith, Kelly Macdonald
Gênero: Drama, Biografia
Duração: 107 min

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Publicado por Thiago Nolla

Thiago Nolla faz um pouco de tudo: é ator, escritor, dançarino e faz audiovisual por ter uma paixão indescritível pela arte. É um inveterado fã de contos de fadas e histórias de suspense e tem como maiores inspirações a estética expressionista de Fritz Lang e a narrativa dinâmica de Aaron Sorkin. Um de seus maiores sonhos é interpretar o Gênio da Lâmpada de Aladdin no musical da Broadway.

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