A morte de um familiar por si só já é um trauma enorme, imagine as proporções que isso toma se essa morte foi decorrente de circunstâncias suspeitas. É comum em produções cinematográficas abordarem tal tema sob uma perspectiva investigativa, geralmente com algum plot twist surpreendente no final.
Em Anatomia de uma Queda, longa dirigido por Justine Triet (Sybil), acompanhamos Sandra Voyter (Sandra Hüller), uma mulher que leva uma rotina comum com seu marido, um escritor frustrado, e com seu filho deficiente visual. Isso muda quando Sandra é acusada de ter matado o seu marido, jogando-o do segundo andar da residência.
A narrativa se concentra principalmente nessa questão central: se foi Sandra ou não quem matou o seu marido Samuel Maleski (Samuel Theis). Esse fato a coloca em um longo julgamento, e ela precisa conviver com o drama de ser acusada e ainda ter o seu filho envolvido na história. Anatomia de uma Queda é brilhante na maneira como estrutura toda a situação e na forma como transforma um assassinato em uma questão de cunho pessoal para a protagonista.
O grande acerto do roteiro da dupla Justine Triet e Arthur Harari está relacionado ao dilema moral, pois é Sandra Voyter quem precisa passar por várias situações durante o julgamento – apresentado de modo monótono e com ótimos diálogos – tendo que enfrentar a alegação de que foi ela quem matou Samuel. Provas são apresentadas nesse julgamento que podem provar sua inocência ou não, dando maior dinamismo e aprofundando a trama.
É atribuído ao filho de Sandra um papel-chave relevante para a narrativa, pois de forma inteligente e por circunstâncias que irão surgir, causa comoção no público. Primeiro, pelo fato de ter encontrado seu pai morto, e depois por ter que testemunhar contra sua própria mãe. Há ainda um elemento importante para transformar o julgamento em um ato mais cruel para a protagonista, com o promotor (Antoine Reinartz) agindo como um perfeito carrasco.
É quase certo que parte do público pode se sentir cansada com o ritmo maçante imposto pela diretora, mas em nenhum momento isso se reflete no andamento da trama. Mesmo sendo, sim, um longa “parado”, não se mostra entediante ou chato. Pelo contrário, a ação e a força dos diálogos são o suficiente para criar uma transição rápida na história, apresentando a briga entre Sandra e seu marido, o seu filho e o seu cachorro – que rouba a cena no filme – para depois executar com eficiência a investigação e o seu julgamento moral e jurídico.
Carregado de tensão durante o julgamento e durante o primeiro ato, que ocorrem as brigas entre Sandra e Samuel, contando com um teor de suspense digno das produções do gênero, deixando a desejar com o seu final aberto. Querendo ou não, esse desfecho deixa um gostinho de frustração no espectador. Por essas e outras, Anatomia de uma Queda foi indicado em 5 categorias do Oscar, incluindo as principais: Melhor Filme, Melhor Diretor e Roteiro Original.
Os dramas de tribunal capturam a atenção do espectador pela maneira como são elaborados e pelo suspense que geram em relação às situações debatidas. Anatomia de uma Queda não será o primeiro nem o último a abordar esse tema de maneira tão impactante. Diferentemente de Kramer vs. Kramer (1979), que também explora o debate sobre o que é verdade dentro de uma narrativa. A produção francesa se destaca pelo seu aprofundamento na situação, deixando uma enorme dúvida e curiosidade no público.
Anatomia de Uma Queda (Anatomie d’une chute, FRA – 2023)
Direção: Justine Triet
Roteiro: Justine Triet, Arthur Harari
Elenco: Sandra Hüller, Swann Arlaud, Milo Machado, Samuel Theis, Antoine Reinartz
Gênero: Policial, Drama, Suspense
Duração: 151 min
Jornalista e cinéfilo de carteirinha amo nas horas vagas ler, jogar e assistir a jogos de futebol. Amo filmes que acrescentem algo de relevante e tragam uma mensagem interessante.


