Disponível na Amazon Prime desde meados do ano passado, o último filme do usualmente aclamado como o Tarantino Britânico, Guy Ritchie, infelizmente não fez o mesmo burburinho que seus blockbusters – geralmente por razões divisivas de opinião – geralmente ocasionam.
O que é uma pena, pois O Pacto segue uma linha no qual o diretor vem adotado nos últimos anos desde que seus contratos com a Warner e Disney e suas produções megalomaníacas por lá terminaram e fez um bom retorno à sua velha forma de filmes de médio-orçamento no qual revisitou os gêneros de gangster que o consagraram no passado como no ótimo Magnatas do Crime, mas também uma inesperada curva em projetos mais sérios, dramáticos e sombrios como o subestimadíssimo Infiltrado.
O que já gerou certo burburinho entre os mais críticos sobre Ritchie tentando alcançar maturidade cinematográfica para se mostrar como um cineasta maduro e diversificado, longe de sua personalidade marca registrada de ‘autor’, conhecida por seus maneirismos estilizados, gângsteres britânicos durões exalando estilo, e uma montagem frenéticas com intuito cômico junto de diálogos mordazes de humor negro; ou reunindo tudo isso em seus blockbusters ‘ame ou odeie’ que permearam a década passada.
Com O Pacto mais se parecendo com um filme do Peter Berg (O Grande Herói; Horizonte Profundo), e conseguindo resultar no feito impressionante de torná-lo não apenas apolítico – dado os temas deveras similares de militarismo americano; mas também um ótimo entretenimento à moda antiga que essa geração nutella decidiu de apelidar como ‘dad-movie’ (filme de pai), e nutrindo tudo isso com um drama bem solidado em sua essência e um fulgor cinéfila de sobra nas inspirações que carrega!
Sendo o terceiro projeto de Ritchie, co-escrevendo ao lado de Ivan Atkinson e Marn Davies, co-roteiristas de Magnatas e Infiltrado que formam essa onda gloriosa dos últimos filmes de Ritchie, (apenas ignoremos a existência de Esquema de Risco: Operação Fortune como uma infeliz bala perdida), onde Ritchie mostra-se como algo que alguns suspeitavam, a maioria negava ou nunca foi capaz de enxergar: o cineasta de visão escondido dentro dele, com claras aspirações clássicas.
Que o vê transformando o que é basicamente um fiapo de roteiro que tenta recapturar os filmes de ‘guerra ao terror’ dos anos 2000, se inclinando mais para formar o que está tentando recriar de forma inspiradora uma odisséia de cavalaria digna de John Ford (Legião Invencível; Rio Grande)- apenas troque o racismo enraizado de Rastros de Ódio pelo sentimento culpa militar e você tem basicamente o que O Pacto é – embora esteja mais alinhado com algo como Marcha de Heróis. Mas carregado de um tom sombrio e impacto bruto digno dos dias de faroestes de sobrevivência mais brutais e casca grossa de mestres como Budd Boetticher e Anthony Mann.
A guerra do Afeganistão é provavelmente um incômodo temático já tão explorado em outros filmes, para não dizer um evento ainda tão recente para sequer formar uma perspectiva coerente sobre os motivos por trás e sua causa desesperada na luta contra o Talibã – conforme apresentado pelo próprio filme; mas é algo em que Ritchie claramente se interesse, especialmente no ângulo mal tocado dos soldados-intérpretes, abandonados e esquecidos, desde a retirada oficial de 2021. E essa verdade inconveniente é o que paira sobre o cerne dramático do filme.
Embora o seu espectro político seja mantido, em sua maioria, “imparcial” – se é que isso é possível; aplicando tudo isso através da linguagem do Faroeste, não apenas estilisticamente – incluindo verdadeiros duelos com cheios de tensão em coldres de armas prestes a desapotar e a bala rolar solta; e a sobrevivência na região selvagem que ecoa aquelas paisagens de fronteira capturadas em alguma bela vastidão de paisagens naturais aprisionadas; mas, assim como os faroestes de antigamente, a área cinzenta e obscura de toda a moral por trás desse tema histórico é complexa demais para assumir qualquer forma de postura moral direta – embora possa não ter a força de direção para ilustrar as camadas por trás isto; apenas se basta em defender a humanidade de seus personagens.
Assim, no meio do breu nebuloso da burocracia em sua esfera política injusta e impune ao horror vil da guerra, a única coisa que pode ser tirada de valore aqui é a lealdade, a amizade e a honra que nasceram entre esses homens; construídos no calor do combate, na honra de compartilhar a presença e testemunhar os valores e a bravura um do outro, e a recusa em desistir de cada um quando teria sido muito mais fácil simplesmente ir embora. Tudo perfeitamente refletido na grande dupla central formada entre Jake Gyllenhaal e Dar Salim.
Gyllenhaal e ‘ótimo’ são sinônimos como você e eu já esperamos à essa altura, trazendo em sua atitude de durão focado caminhando com sua aura de humanidade facilmente simpática em conjunção na mesma medida, mas brilhando especialmente na sua segunda metade do filme onde ele decai em um ciclo de moral assombrada.
Porém, a verdadeira estrela do show é Dar Salim, interpretando o companheiro intérprete com uma presença cativante e rígida, mas carregado de uma sutileza natural carregada de emoções – a cena que ele tenta confortar o John de Gyllenhaal logo após a perda traumática de toda sua equipe massacrada, sem conseguir encontrar as palavras certas, define todo o coração do personagem tão perfeitamente que chega a doer de tão bom!
Embora a relação dos dois atravesse um terreno temático básico e clichê dentro da dinâmica tradicional de ‘irmãos de armas’ e do vínculo masculino sob pressão da guerra, a dupla o torna não apenas crível em uma troca que não é exatamente uma amizade, por assim dizer, mas trabalhando mais como uma dívida de vida eterna; um pacto, um juramento formado em seu sangue compartilhado.
Se, em última análise, se torna de fato envolvente e emocionante durante seu ritmo enxuto e bruto, é graças então também à ação tática, bem conduzida por Ritchie, que dirige a ação de guerra com competência. Não há muita inventividade fora de cobertura padrão e boa consciência geográfica, mas há boa injeção de tensão. E até usando um pouco de seus artifícios reconhecíveis e marcas ‘estilísticas’ em total benefício da história principal, desde letreiros explicando termos militares ou apresentando personagens com dinâmica bem humorada em meio a um monte de apelidos engraçados em torno da equipe que imediatamente cria-se uma simpatia para vender o peso de sua perda e daí focar em nossa dupla de protagonistas.
Só não tenho certeza ainda do objetivo daquela montagem ‘bêbada’ no meio do filme – não a parte do “pesadelo burocrático”, mas sim a segunda parte quando John fica consumido de visões repetidas do que ele já havia testemunhado da jornada de Ahmed através zona da guerra. Que acaba martelando um pouco demais a linha temática da ‘culpa’, que se espalha um pouco ao longo do segundo ato que é mais fraco que a forte primeira metade.
Enquanto isso, a montagem que segue Ahmed carregando o ferido John em um carrinho de mão de madeira a pé por vários quilômetros através do território inimigo, em uma demonstração completa do esforço humano incansável, não é apenas SENSACIONAL, mas fortemente emocional graças à entrega tão vigorosamente comprometida e apaixonada de Salim – o fato de nenhuma temporada de premiações ter reconhecido essa atuação me assusta (embora não me surpreenda com sua hipocrisia incessante).
Sempre que o filme decai em curvas fracos, o valor de produção por trás das câmeras o salva com energia de sobra, e um final que, embora atinja notas previsivelmente convencionais, soa genuíno e …, se você me dissesse à uns dez anos atrás, que um dia um filme do Guy Ritchie teria me feito lacrimejar, eu teria te olhado com desdém. Bom, aqui estamos!
O Pacto (Guy Ritchie’s The Covenant, EUA, 2O23)
Direção: Guy Ritchie
Roteiro: Guy Ritchie, Ivan Atkinson, Marn Davies
Elenco: Jake Gyllenhaal, Dar Salim, Antony Starr, Alexander Ludwig Sean Sagar, Bobby Schofield, Emily Beecham, Jonny Lee Miller
Gênero: Guerra, Drama, Ação, Aventura
Duração: 123 min