Em 1726, Jonathan Swift, um grande escritor irlandês, escreveu e lançou “As Viagens de Gulliver” um livro absolutamente rico em detalhes e com uma ótima história. Mas, acima de tudo, um livro altamente crítico a respeito da sociedade humana e sua prepotência. Várias adaptações nos cinemas foram lançadas, porém nenhuma conseguiu ter grande prestígio tanto na crítica quanto no público. Agora, em 2011, a imortal história de Swift é relembrada por Hollywood enquanto deveria tê-la esquecido.
Lemuel Gulliver é um homem comum na cidade de Nova York. Trabalha no jornal New York Empire como o “cara da correspondência” e tem uma queda pela editora da seção “Viagens” do jornal. Após uma oportunidade relâmpago, Gulliver se vê preso em uma situação – deve escrever um artigo de viagens para a editora. Visto que ele não consegue escrever um parágrafo sequer, acha uma solução simples: “ctrl+c e ctrl-v”. Depois de copiar um texto da internet, sua editora acha o trabalho incrível e manda que ele faça uma matéria nas Bermudas. Chegando lá, aluga um barco e segue viagem até o famoso “Triangulo das Bermudas” e, após uma sessão de paranormalidade aquática, chega ao reino minúsculo de Lilliput, onde é feito prisioneiro por causa de seu tamanho assustador comparado aos pequeninos habitantes de lá.
Adaptando o inadaptável
O roteiro de Joe Stillman e Nicholas Scoller tem poucos méritos e muitos exageros, alguns até desnecessários. Por exemplo, se quiser construir uma mansão com selo de aprovação Tony Stark em menos sete dias é só chamar seres liliputianos que eles farão para você, o melhor, de graça. O seu maior problema é a falta de identidade. Ele consiste em sua maioria de paródias a filmes clássicos de ficção, a publicidade de várias coisas e até de músicas. Dificilmente este filme será lembrado como “aquele que Jack Black é um gigante”, mas como “o filme que parodiam outros a cada cinco minutos”. Ele consegue ser engraçado graças a essas paródias visto que os personagens que residem em Lilliput sofrem de uma falta de carisma contagiosa. Fora os diálogos que os habitantes de lá proferem, um mais maçante que o outro, ou marcados pela característica da “vergonha alheia”.
O personagem protagonista já é ultrapassado. O melhor exemplo são seus conflitos que já foram explorados diversas vezes. Gulliver é um cara sem autoconfiança/estima, sem ambições, ama uma mulher inalcançável, covarde, um total fracassado e que de uma hora para outra vira protetor de uma nação que o adora e o estima como rei. A causa que o roteiro busca para explicar como Black caiu no reino é fantasiosa, insatisfatória e muito simples – Triangulo das Bermudas.
De vez em quando, o roteiro consegue ser original e tira proveito do incomodo tamanho de Black no mundo pequenino, sendo a melhor delas a cena do pebolim e do segundo confronto entre os reinos.
O coadjuvante disse tudo
Em uma cena, Black e seu ajudante da correspondência têm um diálogo que autodescreve Gulliver. Mas, se analisar melhor, o personagem de T.J. Miller descreveu o próprio Jack Black.
Black realmente é um ator que já chegou no seu limite de atuação, sendo as melhores em “Escola de Rock” e “Teenacious D”. Ele continua a apostar em suas caras de dor de barriga. Antes isto tinha graça, mas agora o publico já viu tanto do mesmo que enjoou. Porém, com um elenco sem vontade de dar o melhor de si, Black se destaca e carrega o filme nas costas novamente. Emily Blunt desistiu de ser a Viúva Negra em “Homem de Ferro 2” para viver um personagem apêndice completamente sem relevância no enredo do filme, a não ser servir de par amoroso de Jason Segel. Este até se esforça para conseguir divertir o público, mas durante toda sua atuação parece um tanto perdido no set. Amanda Peet, Billy Connolly e Chris O’Dowd também dão as caras, sendo que este último recebeu o pior papel do filme – o personagem chato pseudo vilão.
Pequenos nas câmeras, grandes nas telas
As seções de direção de arte, fotografia e efeitos visuais tinham uma tarefa bem difícil para ser realizada: inserir um gigante em um mundo minúsculo sem tornar o efeito artificial com um orçamento mediano. Infelizmente, eles não conseguiram. Várias cenas realmente ficam bonitas, sendo a melhor delas a abertura original do filme feita com uma maquete de dar inveja a estudantes do fundamental. Mas, a maioria, ficou com um ar muito artificial. Os melhores exemplos disto são as cenas que o cenário feito em miniatura aparece em 1º Plano e Black em 2º. É visível que atrás de Black existe a famosa chroma key para inserir o cenário na cena ou quando Black interage fisicamente com algum outro personagem pequenino. Para solucionar este “pequeno” problema, os produtores resolveram filmar o longa no formato 3D estereoscópico, que ajuda a mascarar, razoavelmente, os efeitos incompetentes.
Graças a complexidade da filmagem e montagem do filme, as atuações acabaram limitadas e consequentemente prejudicaram o filme. A fotografia é bem despretensiosa, não é trabalho de nenhum gênio. Só uma vale destaque – a cena ridícula de Black vs. Robô onde ela assume descaradamente um modelo bem desgastado já visto em “Power Rangers” em todas suas temporadas. Além disso, tem uma mania duvidosa de fechar closes nos olhos dos personagens, estes quando acordam depois da viagem para Lilliput.
A famosa “encheção de linguiça”
A música do filme é inexpressiva em sua maioria, sempre melodramática para casar com as cenas. Por exemplo: uma cena em que Gulliver está triste, a música subitamente fica mais arrastada e lenta; quando Gulliver está feliz e satisfeito, torna-se alegre cheia de composições saltitantes. Para sair do comum, Black faz uma participação especial cantando a música “War”. Se na versão legendada o resultado é medonho e bizarro, nem quero imaginar nas versões dubladas. Somente, a trilha licenciada consegue salvar algumas partes do filme apostando em músicas de bandas que muita gente gosta como “Kiss” e “Guns n’ Roses”.
Favorito dos gigantes
O diretor Rob Letterman é conhecido principalmente pelo filme “Monstros VS. Alienígenas” que obteve críticas razoáveis e uma recepção calorosa nas bilheterias. Ele dirigiu melhor seu filme anterior do que esse.
Não conseguiu criar uma relação entre os atores que conseguisse superar a barreira imposta pelos efeitos visuais – muitas vezes Black deveria estar atuando com um grão de feijão do que com seus colegas.
Ponto positivo para sua direção só acontece em tirar mérito de suas sacadas – estas vistas nas propagandas publicitárias em Lilliput e nas sátiras dos inúmeros elementos pop presentes no filme.
As viagens nem sempre são agradáveis
O filme diverte com seus exageros e suas paródias. Serviu apenas para preencher a agenda de lançamentos da Twentieth Century Fox e matar a sede de besteiróis americanos do público. Os problemas técnicos são visíveis, Black já vez este papel em algum outro filme com as mesmas caras e talvez você saia satisfeito ou não.
Certamente, o maior prejudicado não foi o espectador, mas sim Jonathan Swift que escreveu sua obra com tanta genialidade e recebe mais outro filme com uma releitura vergonhosa e o pior de tudo, nem mesmo lembrado pelos créditos.