Quando Babygirl se inicia, um filme do passado aparece imediatamente na mente: De Olhos Bem Fechados, o último trabalho do lendário Stanley Kubrick. Temos Nicole Kidman quase que numa continuação da personagem vivida ao lado de Tom Cruise: uma mulher sofisticada e casada que vive em Nova York mas que, apesar da aparência de núcleo familiar feliz, convive com insatisfação e fantasias ocultas em seu casamento. 

Quando o enredo começa a se desenrolar, ele é bastante promissor: a história não faz concessões baratas ao olhar malicioso do público, e conduz a narrativa com sobriedade e um nível de tensão latente. A audiência fica em suspenso, esperando por algo que pode acontecer a qualquer momento. 

O problema, bem, é que esse “algo” pouco acontece – e, quando acontece, é frustrante de qualquer ponto de vista.

Diretora e roteirista vem de um recente trabalho no gênero de terror – diferente de Babygirl

Morte, Morte, Morte é o mais recente trabalho na direção da holandesa Halina Reijn, que também é atriz. Na comedia de humor negro teen, ela exercita uma olhar irônico sobre a cultura de redes sociais, num filme que só ganha brilho em seu desfecho algo desconcertante. Ao contrário de Babygirl, que atinge seu ponto alto logo no início e depois vai descendo vagarosamente como uma insinuante dançarina num cano de pole dance.

Na trama, Romy (Nicole Kidman) é uma executiva bem-sucedida com fama de implacável no ramo da logística que conhece o recém-contratado estagiário Samuel (Harris Dickinson, de Triângulo da Tristeza). Com pinta de modelo da Calvin Klein e postura desafiadora, ele logo desperta atenção de Romy, que vive um casamento aparentemente feliz com Jacob (Antonio Banderas), mas que na verdade oculta profunda insatisfação e repressão de natureza sexual. Mãe de duas adolescentes, a personagem de Nicole enxerga em Samuel o parceiro ideal para que ela viva as fantasias que não consegue dentro do matrimônio, ao mesmo tempo que testa a si mesma quanto aos limites de seu profissionalismo.

Se a premissa não é exatamente original – e remete também ao A Professora de Piano, de Michael Haneke – o filme por outro lado propõe um jogo instigante entre os protagonistas, tendo por fundo o ambiente corporativo da alta tecnologia e uma discussão secundária sobre a inserção da figura feminina em cargos de alta responsabilidade. 

Ocorre que o roteiro de Reijn simplesmente não consegue se decidir: se será um drama erótico, um thriller ou uma crônica sobre o mercado de trabalho. Ao não investir decididamente em nenhum desses “mercados”, sua cotação baixa até bater no piso.

Canções nostálgicas prestam tributo aos anos 80/90

Em pelo menos duas sequências, o filme parece querer mergulhar no universo dos thrillers de cunho sexual do final do século (como o clássico Atração Fatal), dando espaço para as belíssimas canções de INXS e George Michael, ambas de 1987. Mas a diretora não toma qualquer decisão, e a trama vai enfraquecendo à medida que os outros  personagens revelam ser pouco mais que elementos de cena, que estão ali para reagir ao que a personagem de Nicole Kidman faz.

O roteiro não explora, por exemplo, quem realmente é Samuel: um sociopata, um jovem ambicioso, um pervertido? Nada disso é trabalhado: ele está ali apenas para que as cenas aconteçam (especialmente as levemente eróticas, visto que o filme tampouco investe nisso). O mesma acontece com o drama coadjuvante da filha adolescente, que aparece e desaparece sem provocar muito efeito na trama.

Nicole Kidman está muito confortável no papel onde ela (de novo) parece interpretar a si mesma: uma mulher de sucesso, impetuosa mas que também flerta com o abismo. Porém, quem sofre mesmo é o marido, pois sobram para Banderas as cenas mais fracas em que ele se esforça em tirar o máximo de onde o texto tem pouco a dizer.

No final, o filme toca superficialmente diversos temas, mas não se aprofunda em nenhum deles. Como erotismo, é também tímido demais para ganhar destaque. Resta um tributo acidental à solidez do casamento e um olhar irônico (mas também acanhado) sobre as relações de trabalho num ambiente altamente vigiado. Parece pouco para o que a premissa e a figura poderosa de Kidman prometiam.

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Daniel Moreno

Cineasta, roteirista e colaborador esporádico de publicações na área, diretor do documentário “O Diário de Lidwina” (disponível no Amazon Prime e ClaroTV), entre outros.

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