Antes de assistir a Barry Lyndon pela primeira vez (cerca de quatro meses atrás), eu me perguntava – receioso – o que Stanley Kubrick seria capaz de fazer numa produção de época, como usaria seu estilo marcante numa história ambientada no século XVIII. Quem acompanha o blog, sabe da minha teimosa resistência ao gênero, mas se todas as obras que se dedicassem a eventos históricos fossem como este longa de Kubrick, eu não haveria do que reclamar.
A trama é baseada no livro de William Makepeace Thackeray, que romantiza de forma irônica a história real de um irlandês oportunista. No filme, ele assume a forma de Redmond Barry (Ryan O’Neal, sensacional com sua cara de coitado), um jovem pobre que deixa sua terra natal da Irlanda para atingir sua meta de pertencer à alta sociedade inglesa em meio à Guerra dos Sete Anos. Com um talento para convencer todo o tipo de indivíduo com suas histórias mentirosas e se livrar de situações arriscadas com muita peripécia, acompanhamos diversas das aventuras de Barry até sua inevitável e trágica queda.
Terminada a exibição do filme na edição deste ano da Mostra Internacional de Cinema (que traz uma retrospectiva imperdível sobre o cineasta, além da incrível exposição no Museu de Imagem e Som), eu reforçava minha teoria pessoal de que Kubrick mantinha uma máquina do tempo escondida da população. Barry Lyndon é um dos longas-metragem mais lindos já vistos, tendo a equipe técnica merecedora de algo muito maior que um Oscar (a produção levou 4 merecidas estatuetas em 1976) ao retratar com perfeição o século XVIII. Seja na direção de fotografia de John Alcott – cujo equilíbrio de cores, predominância de luz natural e o uso de lentes especiais providenciadas pela NASA aproximam as imagens de uma pintura em movimento – ou no excepcional trabalho de pesquisa e confecção dos diversos tipos de figurinos (militares, burgueses, camponeses), o filme é um feito estético sem precedentes; possivelmente a maior obra de Kubrick em termos visuais, algo que nem efeitos CG (e não estou sendo saudosista) são capazes de simular.
O que nos leva a seu controverso (e genial) diretor. Antes de ser um filme histórico, um filme de época ou um filme de romance ambientado num palácio arcaico, Barry Lyndon é essencialmente um filme de Stanley Kubrick. Sua simetria visual é predominante como sempre (ganhando destaque em uma sequência de batalha que diminui o ritmo, mas impressiona justamente pelas opções de câmera do diretor), assim como a calculada posição (e os movimentos) de seus personagens – que aqui reproduzem diversas cenas vistas em diferentes obras de arte do período – e seu apurado ouvido para as mais belas músicas instrumentais. Seu narrador irônico também contribui para o sucesso do longa, especialmente por encurtar eventos mais longos e tecer sutis comentários sarcásticos (“Seria preciso um grande historiador, ou talvez um grande filósofo, para tentar explicar as causas da Guerra dos Sete Anos”) que abordem o período e as questões sociais envolvidas.
O único problema de Barry Lyndon é sua extensa duração (184 minutos), que gera uma leve quebra de ritmo durante a Parte II da grandiosa obra. Perfeito em sua ambientação e comando de história, arrisco-me a dizer que este é um dos filmes definitivos do gênero. Meu preferido, ao menos.