Poucos cineastas podem dizer que tiveram uma ressurgência como a que M. Night Shyamalan teve nos últimos anos.Após estourar no final da década de 1990 com o excelente O Sexto Sentido, o diretor indiano entregou os ótimos Corpo Fechado e Sinais, mas sua carreira logo enfrentou solavancos e opiniões mistas com obras como A Vila, A Dama na Água e principalmente Fim dos Tempos.
Isso levou Shyamalan a pegar projetos de encomenda e sem muito interesse criativo, como O Último Mestre do Ar e Depois da Terra. Mas a partir de 2015 Shyamalan deu início a uma ascensão de volta ao topo com o despretensioso A Visita, alcançando um novo nirvana criativo com com Fragmentado e Vidro, que completam sua trilogia iniciada com Corpo Fechado.
Mantendo sua bússola criativa forte após o intenso Tempo (de 2021), Shyamalan agora entrega um de seus filmes mais interessantes e elegantes com Batem à Porta, marcando sua última parceria com a Universal Pictures.
A trama acompanha um casal vivido por Jonathan Groff e Ben Aldrige, que precisa proteger a filha pequena (Kristen Cui), quando um grupo de invasores ataca a cabana de verão da família. Liderados por um enigmático Dave Bautista, o grupo afirma que um deles será escolhido em um sacrifício, que impediria a suposta chegada do Apocalipse na Terra.
O roteiro do filme é escrito pelo próprio Shyamalan ao lado de Steve Desmond e Michael Sherman, levando como base o livro A Cabana no Fim do Mundo, de Paul Tremblay. De imediato, o projeto rende uma mistura eficaz do thriller de invasão de casa, com um pano de fundo de fim do mundo, mas o ponto alto de Batem à Porta é seu ponto de dúvida: estaria Dave Bautista falando a verdade sobre a possibilidade do apocalipse, ou seriam os invasores apenas psicopatas intolerantes que querem torturar o casal?
Ao longo da narrativa, o roteiro do trio apresenta diversas situações pra testar as duas possibilidades, sendo particularmente inteligente quando um dos pais começa a acreditar na história de Bautista; mas garantindo desconfiança do público, já que é justamente o personagem que sofreu uma concussão durante o conflito inicial Além disso, Batem à Porta mantém a estranheza habitual de Shyamalan em mostrar “pessoas normais”, que aparecem nos noticiários e jornais na TV que o grupo constantemente sintetiza para ilustrar a catástrofe externa, fazendo o espectador questionar se tais imagens não são fabricadas ou falsificadas. O roteiro é excepcional em sua capacidade de duvidar.
Como diretor, Batem à Porta garante um dos trabalhos mais seguros da carreira de Shyamalan. O cineasta tem um domínio de câmera admirável, nos enquadramentos diversificados e na forma como cria uma atmosfera muito tensa e assustadora dentro de um espaço limitado. Há diversos recursos criativos com posicionamentos em objetos e também pistas interessantes do rumo da história a partir dos enquadramentos e da distribuição dos personagens nestes.
Há tempos já se mostrando como um ator dramático fascinante, Dave Bautista oferece o melhor trabalho de sua carreira até então. A forma como Bautista oferece esse contraste da forma física brutal e imponente do líder Leonard, com sua fala calma, educada as boas maneiras garantem um resultado marcante. O restante do elenco de apoio também garante bons momentos com Nikki Amuka-Bird e Abby Quinn, mas é mesmo Rupert Grint, o eterno Rony Weasley, quem rouba a cena como o mais violento e esquentado daqueles invasores.
Também é de se aplaudir a dinâmica entre Jonathan Groff e Ben Aldrige, que formam um balanço interessante entre um sujeito mais cético e agressivo, enquanto o outro é mais suave e disposto a acreditar, oferecendo um núcleo adorável com a jovem Kristen Cui, que interpreta a filha do casal. Mas apesar da boa química, infelizmente o longa gasta um tempo precioso com flashbacks que pouco acrescentam; e que quebram a ótima construção de tensão no tempo presente.
Tudo isso carrega Batem à Porta a um desfecho que poderia se beneficiar de um pouco mais de ambiguidade. Para um filme que explora tanto a dúvida e o simulacro, a conclusão soa surpreendentemente direta, e aparentemente simples. É um ponto que certamente vai dividir o público, mas que não tira o fato de que M. Night Shyamalan segue contando histórias desafiadoras e fascinantes, garantindo aqui um de seus trabalhos mais maduros dos últimos anos.
Batem à Porta (Knock at the Cabin, EUA – 2023)
Direção: M. Night Shyamalan
Roteiro: M. Night Shyamalan, Steve Desmond e Michael Sherman, baseado na obra de Paul Tremblay
Elenco: Dave Bautista, Jonathan Groff, Ben Aldrige, Kristen Cui, Rupert Grint, Nikki Amuka-Bird e Abby Quinn
Gênero: Suspense
Duração: 100 min