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Crítica | Beleza Oculta

Partir de uma premissa pertencente à uma literatura tão nociva quanto a de auto-ajuda é receita certa para um filme descartável. A menos que as intenções sejam de subverter essa lógica comercial e irreal e expor as angústias humanas de maneira criativa. Beleza Oculta, no entanto, não chega nem perto de receber essa classificação. Beleza Oculta não guarda nenhuma beleza, senão a do sonho mais alienado, que leva a sério os clichês da publicidade, suas imagens vazias, seu melodrama desalmado. O filme serviria mais se estivesse escondido da humanidade. Note que as ironias que acabo de traçar com o termo no título é exclusividade brasileira, visto que o nome original é Collateral Beauty (beleza colateral) – desígnio que, mesmo brega, liga-se de maneira bem clara com a ideia do filme de incitar uma reflexão íntima partindo de paralelismos.

Na primeira cena do filme, Howard (Will Smith) é um figurão na sua agência de publicidade, dá discursos motivadores para os funcionários, um exemplo de sucesso. Ele faz aquele clássico discurso que mistura piadinhas e mensagens “sérias”, e cita pela primeira vez o trio Amor, Tempo e Morte, como características inerentes à vida humana. Na cena seguinte, um bom tempo se passou, e Howard está mudado. Após a morte da filha, nunca mais foi o mesmo. Agora vive como um zumbi, não abre a boca, vai para a agência, monta castelinhos de dominó por dias e depois os derruba. É só um cadáver ambulante. E a empresa está perdendo clientes pela inação da personagem.

Incomodados com a situação do colega, um trio de colegas – Whit (Edward Norton), Claire (Kate Winslet) e Simon (Michael Peña) – contrata uma detetive particular para entender o cotidiano de Howard. Descobrem que ele envia regularmente cartas para o Amor, o Tempo e a Morte, como uma criança que escreve ao Papai Noel. Só que uma criança deprimida e perdida em um pesadelo da qual não consegue despertar: da própria superficialidade ignorante do universo propagandístico.

Qual não é a ideia “brilhante” desse trio de colegas, senão de, baseados em um antigo comercial de calmantes feito por um deles, de materializar, com atores, as entidades com que Howard tenta conversar. A ideia é fazer com que ele pense que só ele é capaz de ver essas entidades, que materializaram-se na dimensão humana apenas para falar com ele. E, como a regra de três precisa ser amarrada, obviamente cada um dos colegas de Howard se liga a cada uma dessas características de maneira óbvia. Algumas cenas, por exemplo, são tão ridículas em indicar esses paralelismos que parecem deslocadas, inconclusivas em si mesmas. Beleza Oculta trabalha suas ideias no ritmo de um slideshow publicitário estendido ad nauseam.

Num primeiro momento, pode-se encontrar nas intenções desses colegas algum pedaço de fraternidade, misturada, em menor escala, com interesse profissional. Afinal, a depressão de Howard está afetando o desenvolvimento da empresa. Porém, quando Brigitte (Helen Mirren), Amy (Keira Knightley) e Raffi (Jacob Latimore) vão interpretar seus papéis respectivos, as palavras de alento são só grandes clichês que tangenciam o tema da perda, do ciclo depressivo.

Na primeira tentativa, a personagem rejeita os conselhos das entidades, apesar de crer no aspecto alucinógeno dos encontros. Não satisfeitos com os resultados, o trio insiste nessa ideia de alimentar alguém destruído pelo sonho com mais sonho, com mais ilusão, até finalmente convencer o indivíduo de sua loucura. Porque a atividade não revela nada de terapêutico. Só consegue provar a si mesmo e para os seus espectadores que a depressão (apesar do estado de Howard nunca ser definido por essa palavra, mas no sentido de abarcar todas as dores do protagonista) pode ser curada ao, de tanto entupir uma mente de mensagens estúpidas, convencer no poder das atitudes e dos sonhos. Logo, nada que o cinema americano não faça todos os dias, seja em filmes de robôs gigantes, ou  em histórias de superação. Só que Beleza Oculta é evidente e descarado demais até para se esconder sob a carapuça de um subtexto. Prefere antever o concreto (oh!, l’argent!) ao inflar o cartaz com celebridades bem firmadas no gosto popular.

Um típico longa onde ativa-se o piloto automático em todos os aspectos, com um diretor e roteirista que só fizeram isso por toda a carreira, e não possuem um pingo de criatividade, e nem os autoristas defensores de Paul W. S. Anderson, ou dos irmãos Farrelly são capazes de enxergar méritos cinematográficos. Cabe deixar de identificar nas telonas esse tipo de pesadelo como sonho molhado de lágrimas e de esperança.

Redação Bastidores

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