em , ,

Crítica | Deixando Neverland – Relatos Perturbadores

Michael Jackson é um dos maiores cantores que já existiram e tem seu nome cravado na cultura pop, deixou um legado artístico impressionante que faz com que sua fama, mesmo depois de morto, continue ganhando proporções gigantescas. Quando se fala em Michael Jackson vem a mente grandes clássicos do cenário musical, como ThrillerBeat It, Black or White e Bad. Fora seus videoclipes belamente estruturados e que serviram de referência para muitas produções do cinema. Não apenas por seu legado que é lembrado, mas também pelas acusações de abusos sexuais supostamente praticadas pelo cantor pop em Neverland, e que foram feitas por crianças na época que era vivo. e que agora volta a tona com o documentário da HBO Deixando Neverland (Dan Reed).

A proposta do documentário, em primeiro momento, é falar da idolatria que os dois garotos e suas famílias tinham com Michael Jackson. Os protagonistas, tanto Wade Robson quanto Jimmy Safechuck, relatam de forma crua como o cantor pop teria supostamente abusado deles por anos em vários lugares diferentes, não apenas em Neverland, mas em hotéis também. Para dar maior veracidade ao que era dito pelos dois rapazes o diretor utilizou vasto material de arquivo, desde imagens reais do rancho Neverland e de Michael Jackson com as crianças, quanto a vídeos dos garotos dançando nas turnês entre muitos outros.

Dan Reed pensa bastante o jeito que vai contar a história, para isso começa a mostrar a rotina dos dois rapazes e de suas famílias, desde quando conheceram Michael Jackson até a relação dos dois com o cantor na adolescência. Mas o foco mesmo está na relação entre Jackson e as crianças, isso dito pelo ponto de vista de Wade e Jimmy. Uma das críticas feitas pelo documentário é em relação a família das próprias crianças, em relação a não suspeitarem de nada do que estaria acontecendo e de deixar os próprios filhos dias a fio com o cantor sem se preocupar se algo iria acontecer com as crianças. A produção pega pesado nessa relação dos pais e filhos, mostra a vaidade que tinham por ver os filhos se dando bem na carreira e conhecendo pessoas famosas. 

Esse é apenas um dos muitos argumentos utilizados no documentário de 4 horas de duração, atira para todos os lados, apresentando várias histórias diferentes e sempre com a narração de todos os personagens envolvidos na situação. Justamente por tratar de vários assuntos é que ele se mostra problemático em relação a não provar com clareza o que aconteceu, apenas há relatos fortes e poderosos do que aconteceu, algo que dá margem para que muitas pessoas não acreditem no que Wade e Jimmy disseram.

Há um trabalho em fazer com que os argumentos apresentados fossem contestados como reais, pois quando Jimmy e Wade diziam algo logo colocam alguém da família – a mãe muitas vezes – para dar embasamento naquilo que foi dito pelos dois rapazes e fazendo com que a narrativa ficasse mais rica em relação a informações dadas do que acontecia em Neverland e em outros lugares nos quais o cantor levava as crianças. Outro acerto do documentário foi o de colocar cada personagem real em um ambiente diferente em que o outro estava, fazendo com que os entrevistados não soubessem o que o outro está falando. Enquanto os dois falavam havia uma complementação do que diziam com as imagens de arquivos, tanto vídeos quanto fotos, algo que acaba dando maior realidade para os argumentos de Jimmy e Wade e que acabam direcionando o documentário em contar toda a trajetória dos garotos ao lado de Michael Jackson.

Todos os relatos feitos por Wade e Jimmy sobre como conheceram Michael Jackson são apenas uma base para o que realmente viria pela frente. Como sem nenhum aviso surgem os primeiros comentários a respeito dos primeiros supostos abusos cometidos pelo cantor pop. Tanto Jimmy quanto Wade falam sobre seus dias em Neverland e em outros locais em que tinham relações sexuais com Michael, e durante as quatro horas do documentário o que surge são relatos e mais relatos a respeito dos acontecimentos em que os garotos estão envolvidos em práticas sexuais com o cantor. 

São situações perturbadoras as que são relatadas por Jimmy e Wade, algo que dá força para a narrativa que trata sobre pedofilia, mas como dito acima, perde a força por não apresentar uma prova concreta que dê legitimidade aos argumentos dos dois. Há sim um vasto material em imagens que comprovam que Michael viviam com os dois quando crianças e com suas famílias e isso é algo a ser levado a sério. Há também um vazio em relação a produção não ter entrevistado nenhum funcionário de Neverland que pudesse relatar algo visto entre Michael e as crianças. 

Assistir a Deixando Neverland é algo que pode ser comparado a um teste de resistência, levando em conta a sua duração de 4 horas. Um documentário que facilmente poderia ter se transformado em uma minissérie, isso se levar em conta o vasto material que o assunto poderia gerar. Por ser tão extenso é natural que a produção se torne chata e maçante em alguns momentos, principalmente na segunda parte do documentário em que falam das acusações em 2003 contra Michael Jackson e em um outro momento em que falam da relação entre as mães e os filhos. 

 Uma das perguntas feitas por muitos telespectadores antes de assistirem ao documentário é sobre a real motivação dos dois rapazes virem a tona apenas agora que o cantor já está morto e falar sobre os acontecimentos, nisso a produção tenta dar uma justificativa bastante rasa e rápida em relação ao assunto, mostrando o porque de os dois rapazes processaram Michael Jackson só depois de morto e porque de terem o defendido no julgamento feito que quase levou o cantor para a prisão. 

Dan Reed é um diretor não tão conhecido pelo grande público e seus trabalhos não são tão primordiais nem ganharam a fama que Deixando Neverland conseguiu alcançar. O diretor já havia trabalhado com a linguagem do documentário em produções anteriores, como Terror em Mumbai (2009) em que fala dos ataques terroristas feitos em 2008. É de se imaginar que o foco dele seja em mostrar os acontecimentos em relação aos supostos abusos sexuais feitos por Michael Jackson em Neverland, só que ele perdeu a grande chance de ter ido além e tentado entrevistar outros personagens e não apenas Wade e Jimmy.

Leaving Neverland (nome original) é um documentário que vai muito na linha das produções que relatam acontecimentos e situações que aconteceram, mas o diretor claramente não sabe qual caminho tomar ao montar e filmar os relatos dos rapazes. Não crava, em quase nenhuma situação, que tal fato realmente aconteceu com certeza, fica apenas na parte do achismo, algo que não aconteceu com o documentário Icarus, em que é mostrado com força de provas como o governo russo fraudava o sistema de doping de seus atletas e fazendo com que o caso tomasse proporções gigantescas. Esse é um dos principais defeitos de Deixando Neverland, mas nem por isso ele perde sua força e sua relevância, até porque as acusações de abuso sexual são tão fortes e pesadas que deixam qualquer um com o estômago revirado só de as ouvir.

Deixando Neverland (Leaving Neverland, Reino Unido – 2019)

Direção: Dan Reed
Elenco: Michael Jackson, Macaulay Culkin, Wade Robson, Jimmy Safechuck
Gênero: Documentário, Biografia
Duração: 240

Avatar

Publicado por Gabriel Danius

Jornalista e cinéfilo de carteirinha amo nas horas vagas ler, jogar e assistir a jogos de futebol. Amo filmes que acrescentem algo de relevante e tragam uma mensagem interessante.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Crítica | One Day at a Time: 2ª Temporada – O Amadurecimento da Família Alvarez

Crítica | Nós – Jordan Peele se aventura no cinema de monstro