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Crítica | Era Uma Vez em Hollywood – Uma novelização sensacional!

Não há dúvidas de que Quentin Tarantino é um dos melhores e mais influentes cineastas de sua geração. Ainda que um mago com a câmera, a marca definitiva do diretor certamente está mais voltada para a escrita, função que lhe garantiu dois Oscars de Melhor Roteiro Original – por Pulp Fiction: Tempo de Violência, ao lado de Roger Avery, e o faroeste Django Livre. Justamente por isso, não é uma surpresa ver seu nome agora associado ao lançamento de um livro.

E no melhor estilo Tarantino, claro que sua primeira investida literária é justamente uma novelização de um de seus filmes; no caso, seu recente Era Uma Vez Em Hollywood. Pode parecer novidade para os mais jovens, mas o lançamento de livros que recontavam e expandiam a trama de filmes inéditos era muito comum nas décadas de 60 e 70, e até mesmo em décadas recentes; eu mesmo lembro-me de ter lido uma sobre Homem-Aranha 3 em 2007, durante a época do filme.

Mas o que Tarantino faz com seu formato de romance para Era Uma Vez em Hollywood é bem diferente do que a maioria pode esperar. O livro segue os principais eventos do filme de 2019, sim, mas de maneira bem mais dinâmica e alternativa: acompanhamos o cotidiano do ator decadente Rick Dalton, seu dublê misterioso Cliff Booth, a radiante Sharon Tate e também algumas desventuras envolvendo Charles Manson e as garotas de sua “Família”, mas com diversas passagens e detalhes que ou expandem detalhes de seus respectivos passados ou algumas espiadas em seus futuros.

E é certamente um tipo de livro que assume que o leitor está familiarizado com o filme. Nem todas as cenas estão lá, e alguns momentos icônicos (como o memorável final envolvendo o confronto com a Família Manson) são passados brevemente por algumas linhas de diálogo no meio do livro, apenas para que Tarantino discorra brevemente sobre os acontecimentos posteriores envolvendo a carreira de Rick Dalton. É uma narrativa sinuosa e que salta para lá e para cá no tempo, o que não deixa de ser uma das características mais fortes da filmografia de seu autor.

Da mesma forma como acontece no filme, também temos as metalinguagens maravilhosas. Em diversos momentos, o narrador do livro acaba discorrendo sobre opiniões pessoais em relação a atores, atrizes e cineastas da época, gastando uns bons parágrafos para ilustrar o brilhantismo da direção de Roman Polanski em O Bebê de Rosemary ou a longa jornada sobre como Cliff Booth se tornou um dos grandes fãs de Akira Kurosawa. De forma similar, alguns capítulos são inteiramente dedicados e lidos do ponto de vista de personagens no seriado em que Rick Dalton atua, o que ajuda a replicar o efeito de camadas de história do filme – e jogar o leitor literalmente na mente de seus protagonistas. Ou seja, é um prato cheio para qualquer cinéfilo e admiradores de cultura pop.

Falando no dublê que ganhou as feições de Brad Pitt no filme de 2019, Cliff Booth certamente é um dos grandes destaques da versão em papel. Além de ganhar essas anedotas cinéfilas que só ajudam a tornar o personagem tridimensional mais rico (quem diria que Cliff seria um grande admirador de cinema sueco?), Tarantino gasta diversos capítulos explorando seu passado, como o primeiro encontro com Rick, sua violenta trajetória pela Segunda Guerra Mundial, a chegada da feroz pitbull Brandy em sua vida e, claro, o enigmático episódio envolvendo sua esposa – que não é nem de longe tão ambíguo aqui quanto foi no filme.

Sobre a linguagem, infelizmente não pude ler em seu idioma original, mas o descontentamento passou após algumas meras linhas. A tradução da Intrínseca é absolutamente fenomenal, preservando gírias da época, modos de linguagem, títulos de filmes e uma vulgaridade obscena em seus discursos e palavrões que nem mesmo as legendas de cinema mais audaciosas ousariam apresentar. Um trabalho realmente notável e que só tornou a experiência mais genuína.

Para fãs de Quentin Tarantino e de cinema em geral, a novelização de Era Uma Vez em Hollywood é uma leitura obrigatória. Tanto para conhecer mais sobre os personagens carismáticos e o universo cinéfilo da década de 60, é uma viagem tão gostosa e aproveitável quanto a do filme, e que certamente ajudará o leitor a descobrir um leque ainda maior de referências e acontecimentos; tanto sobre a história do filme e seus personagens quanto da Hollywood daquele período. 

Seria demais pedir para Tarantino adaptar este livro para as telas agora?

Era Uma Vez em Hollywood (Once Upon a Time in Hollywood, EUA  – 2021)

Autor: Quentin Tarantino
Editora: Intrínseca
Edição: 1ª edição de 2021
Gênero: Romance, cinema
Páginas: 559

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Publicado por Lucas Nascimento

Estudante de audiovisual e apaixonado por cinema, usa este como grande professor e sonha em tornar seus sonhos realidade ou pelo menos se divertir na longa estrada da vida. De blockbusters a filmes de arte, aprecia o estilo e o trabalho de cineastas, atores e roteiristas, dos quais Stanley Kubrick e Alfred Hitchcock servem como maiores inspirações. Testemunhem, e nos encontramos em Valhalla.

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