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Crítica | Família Soprano continua revolucionando a televisão mesmo tendo acabado há 15 anos

A luta eterna pela evolução não é somente biológica. Em 1960, Alfred Hitchcock teve que enfrentar inúmeras reuniões maçantes até conseguir enfiar uma imagem rápida de uma privada nas telas dos cinemas americanos com Psicose

Dez anos antes, a TV chegava aos lares americanos como o ápice da tecnologia, abrindo um comércio inesgotável de potencial para lucro e arte. Apesar de não parecer, a História da Televisão é tão rica, se não mais, que a do próprio Cinema. 

Enquanto na Sétima Arte, o final dos anos 1960 trazia o frescor que explodiria na década autoral de 1970, a TV estava muito longe de conseguir quebrar seus moldes de gesso que definiram o formato por praticamente meio século. 

Pode parecer frase de papagaio já a essa altura dos anos, mas a TV e, consequentemente, o streaming, não seriam o que são hoje se não fosse a coragem de David Chase a conseguir arquitetar Família Soprano em 1999 tornando a HBO até hoje um oásis de produção cultural imbatível. 

Sendo a perfeita síntese da transição entre o velho e o novo, Família Soprano é uma série peculiar, principalmente se vista nos dias de hoje dentro de um mercado que ela própria sedimentou. Eu mesmo já ouvia histórias incansáveis sobre o zeitgeist envolvendo a obra, mas nunca tinha conferido até este ano de 2022. 

Antes, não era muito barato ter acesso à HBO, canal que era muito oneroso nos anos 1990 e 2000. E procurar a série em DVDs trariam não só a enorme chatice que era trocar os discos depois de alguns episódios, assim como custaria uma fortuna. Por falta de acessibilidade, Família Soprano era como caviar – reverenciado por muitos, mas que nunca tinha visto, só ouvido falar. 

Com as facilidades plenas que o streaming trouxe, a curiosidade que nunca morreu venceu minha preguiça inquestionável e me dediquei por alguns meses a conferir todos os massivos 86 episódios distribuídos em seis temporadas. Felizmente, me deparei com uma joia rara, mas bruta, imperfeita, ainda que incrivelmente fascinante. 

Sobre homens, patos e peixes 

Tony Soprano (James Gandolfini) é um capitão da máfia sicilio-napolitana situada no norte de Nova Jersey. Com diversas tarefas criminosas, Soprano acaba encarregado como Chefe substituto da família mafiosa por conta do estado terminal que se encontra Jackie Aprile (Michael Rispoli) internado com câncer. 

Em meio a tensões a uma iminente disputa de poder dentro da máfia, Tony tem que lidar diariamente com a sua própria família: a esposa fundamente católica Carmela (Edie Falco), a filha adolescente Meadow (Jamie Lynn-Sigler) e o pré-adolescente AJ (Robert Iler). O caos familiar é dominado principalmente por sua mãe, idosa e extremamente teimosa, Livia (Nancy Marchand). 

Com uma vida estupidamente estressante, Tony começa a experimentar apagões de consciência. Algo que nunca entendeu direito em sua vida. Diagnosticado com Transtorno de Ansiedade Generalizada, ele logo experimenta um método que nunca acreditou: a psicoterapia. Com encontros semanais com a psiquiatra Jennifer Melfi (Lorraine Bracco), Tony conta as desventuras e burocracias de sua vida. 

A sinopse de Família Soprano é realmente simples. Chase nunca quis que sua obra virasse uma série, mas sim um filme sobre a vida nada extraordinária de um mafioso. Impossibilitado por inúmeras dificuldades de produção, acabou criando o maior fenômeno televisivo já visto até então. A primeira vista, a série realmente demora a engrenar, afinal se trata de um épico narrativo aos moldes de Guerra e Paz trazendo uma miríade vasta de personagens que pouco a pouco se tornam grandes conhecidos, até mesmo amigos dos espectadores. 

O brilhantismo da escrita da série sempre foi reconhecida no Emmy chegando a faturar incríveis 21 estatuetas ao longo de seu período de exibição. E todas, com exceção da 2ª temporada, conseguiram o prêmio de melhor roteiro por episódios nada menos que brilhantes. 

Como esse texto se trata sobre a série como um todo, peço perdão pela tom um tanto genérico, mas estragar a experiência de ver Família Soprano às cegas é realmente um verdadeiro pecado, pois as surpresas são inúmeras e elas chocam pela imprevisibilidade completa – Game of Thrones pega muita coisa emprestada daqui, obviamente. 

A primeira temporada, por se tratar praticamente de um experimento que deu muito certo, traz a maioria das características e vicissitudes originárias dos anos 1990. O conceito de macronarrativa ao qual estamos todos acostumados era algo que seria construído aos poucos na visão de Chase e, ainda assim, Família Soprano, per se, possui somente um arco macro narrativo – o da terapia de Tony – e nada além. 

Há sim arcos grandes que duram alguns episódios, mas a grande maioria das histórias são fechadas em si mesmas funcionando como “pequenos filmes”, como Chase gosta de chamar. Nessas histórias, eventos importantes acontecem e passam a ser relevantes ao longo de outras histórias subsequentes. Chase atira pedras num lago calmo e observa as ondulações caminhando até a borda. Até que ele resolve atirar pedregulhos de toneladas e criar um maremoto em um laguinho. 

Nestes arcos, os personagens crescem, mas nenhum chega perto do brilhantismo narrativo que envolve Tony Soprano e a performance monstruosa de James Gandolfini que, felizmente, foi reconhecido e muito festejado por seu trabalho ainda enquanto estava vivo. Não há Família Soprano sem a presença magnética de Gandolfini que entrega o trabalho de uma vida. 

Os trejeitos, o modo de andar, de falar e principalmente dos sorrisos marotos que escondem uma malícia repleta de sadismo tornam Soprano um dos personagens mais completos a já dar as caras na arte. Tendo nenhum pudor em mostrar Tony como um sociopata completo, principalmente no episódio College da primeira temporada, Chase quer testar ao máximo a audiência e subverter completamente a dicotomia entre “bem” e “mal” que condiciona tantas narrativas à exaustão. 

Tony Soprano não é um anti-herói, um herói caído ou um herói transformado em vilão ou um vilão que vai encontrar algum tipo de redenção. Ele é tremendamente humano e ser humano é viver em uma zona cinzenta da moralidade e ética todos os dias. No caso, é claro que o protagonista é um homem perigoso, vil, extremamente egoísta e sem qualquer escrúpulo, mas ao trazer os dramas diários da vida pessoal de Tony, Chase manipula o espectador a torcer e ter empatia por ele. 

Pelos diálogos sempre muito divertidos e sofisticados centrados em um realismo pungente, Tony, assim como todos os outros personagens, são entidades vivas. É fácil esquecer por inúmeras vezes que estamos vendo uma obra fictícia. Família Soprano poderia ser o melhor falso documentário já feito na história com facilidade. 

Vemos Tony sofrer, chorar, comer, se apaixonar, festejar, brigar, matar e conquistar ao longo de sua história. E nas situações que ele encontra, seja estresse ou sopros de alegria, muitos elementos são afáveis e reconhecíveis no cotidiano do espectador. Isso ocorre tanto dentro da dinâmica criminosa como na vida familiar do protagonista. 

Quem nunca conheceu uma Janice na vida? A irmã histérica problemática de Tony, interpretada a ferro e fogo por Aida Turturro, é um caso eterno de amor e ódio pela personagem que é apresentada na 2ª temporada. Aliás, na verdade, Chase constrói seu panteão de personagens muito na base do amor e do ódio – assim como os sentimentos que sentimos sobre pessoas próximas de nós durante a vida. 

Até mesmo Tony vai conseguir provocar a ira completa do espectador em episódios nos quais ele mostra realmente o ser abjeto que é, destruindo a vida tanto de pessoas próximas quanto de alvos colaterais de suas atividades criminosas. Eventualmente se tornando o chefe da máfia de Nova Jersey, a neurose de Tony só vai se agravando até o final de sua aventura. 

O controle impossível sobre a natureza caótica da vida sempre escapa pelos dedos de Tony. Isso é representado desde o episódio piloto com a bela visita de uma família de patos em sua piscina, o enchendo de alegria. Verdadeiramente livres, eles logo vão embora deixando Tony inconformado vagando em um abismo existencial. 

A situação é vista então por incontáveis vezes com o caos em sua vida familiar e nos negócios, afinal a máfia já não é a mais a mesma de antes e está repleta de informantes que colaboram secretamente com o FBI. Essa e outras mudanças é um dos temas recorrentes que Chase apresenta ao longo das temporadas. 

O declínio do império não só de Tony Soprano, mas da máfia e do crime organizado como um todo diante o crescimento exponencial de uma América industrializada que logo se encontraria dominada por enormes corporações que estão se lixando em pagar impostos ilegais à valentões. 

Diante dessas situações, o showrunner aproveita para lançar seus comentários sociais sobre política e guerra, além de exibir o quanto Tony é um completo ignorante em relação às mudanças rápidas que o cercam. Em seu show de vaidades, Tony consegue até mesmo perder a atenção do FBI que logo se encontra em sua própria paranóia envolvendo ataques terroristas e a Guerra no Iraque – o 11 de Setembro é um evento que também ajuda a moldar a série a tornando um retrato histórico valiosíssimo. 

Outras situações recorrentes à neurose ansiosa de Tony sempre atingem pontos geniais. Na associação traumática com peixes cantores, certos cavalos de corrida, quadros malfadados e principalmente nas muitas sequências de sonho onde a narrativa assume tons surrealistas retirados diretamente da influência de David Lynch, além de trazer temas sobrenaturais e religiosos à tona. Na simbologia inteligente desse conjunto de sequências, entendemos cada vez mais a perturbada psique do protagonista.

As Regras do Jogo

Se Família Soprano ainda tem um dos melhores personagens já escritos em qualquer mídia, o que necessariamente dá errado? Dar errado é sempre algo bastante subjetivo, mas assim como qualquer obra, a série tem suas falhas e muitas provém das obrigações contratuais da época. 

Em geral, todas as temporadas de Família Soprano são irregulares e as mais afetadas nisso são a 4ª e a 5ª. 13 episódios de uma hora de duração por temporada acabam atrapalhando o ritmo da obra e o fato de muitos deles terem historinhas próprias não colabora com o aspecto “macro” da coisa. 

Embora em geral tudo seja ótimo, é inevitável que haverão momentos em que a série se encontrará tediosa ou, pior ainda, repetitiva. Se tornando um colosso, Família Soprano se tornou a prioridade da HBO e, consequentemente, Chase acabou prisioneiro de sua própria criação, estendendo as narrativas para mais um ano até conseguir encerrar seu contrato – tanto que o showrunner ficou décadas afastado do show business por não suportar as amarras burocráticas que envolvem obras do tipo

Como vítima do seu próprio sucesso, é curioso ver como o inegável pessimismo existencial começa a preencher a série como um todo. O lado bom é que isso rende situações excelentes para Tony lidar na terapia, mas há a questão problemática da repetitividade e esgotamento criativo. 

Contando com uma sala de roteiristas de primeiro escalão como Matthew Weiner, Terence Winter, Michael Caleo, Robin Green e Mitchell Burgess, episódios excepcionais e apenas bons permeiam a série toda. Isso já ocorre na primeira temporada, excelente por si só, mas que sofre com núcleos que logo ficam claros que são deficientes. 

Muitas coisas que envolvem Carmela, esposa de Tony, são relativamente fracas. Muitos dos piores arcos se encontram com ele tendo algum affair proibido genérico: seja com o padre, com o diretor da escola de AJ e com o pior de todos, Furio, um dos comparsas criminosos de Tony. Esse arco arrasta por toda a 4ª temporada, a prejudicando tremendamente e, para piorar, dá um final sem graça para Furio, um dos personagens leais a Tony mais interessantes do núcleo mafioso. 

O texto geralmente escolhe alguns personagens secundários para apresentar suas histórias e tragédias, praticamente todas ligadas à Tony Soprano. Das melhores, o destaque fica para toda a vida de Christopher Moltisanti (Michael Imperioli) que conta com arcos cruciais envolvendo violência doméstica, um passado mal resolvido, vício em drogas e um sonho de conseguir sair do crime e se dedicar à criação de roteiros de filmes de crime. 

Dentro desse núcleo, há a namorada de Chris, Adriana (Drea de Matteo), que provavelmente é a personagem que mais sofre ao longo de toda a série. Através dos dois, Chase reforça a figura de Tony como um homem criado pelo meio, capaz de minar a vida de quem ele diz amar para conseguir o que quer. Com Tony Soprano, a ocasião faz o ladrão, sempre. 

Há outros diversos microcosmos dentro da Família Soprano que atingem ápices e depois estacionam. Seja com Corrado, o tio problemático de Tony, ou com Artie Bucco, o amigo cozinheiro de Tony que tem uma narrativa cíclica, ou, infelizmente, na relação da protagonista com seu filho AJ. 

Toda a dinâmica familiar de Tony com seus filhos renderia um texto enorme por si só, mas após a 2ª temporada, AJ parece ser um caso perdido no qual os roteiristas não fazem a menor ideia do que fazer com o personagem. Embora seja o retrato de uma geração e exiba a negligência extrema de Tony e do excesso de zelo de Carmela, o personagem declina e passa de ser um moleque divertido para um adolescente turrão sem qualquer delineamento narrativo. É súbito e sem capricho. Uma completa aberração dentro da série.

Somente na 6ª temporada que AJ volta a ganhar atenção, assim como o núcleo de Corrado que retoma o fôlego para mais surpresas geniais – o problema é aguentar mais de trinta episódios para chegar até aí com personagens estagnados. 

Os roteiristas também passam a apelar para artifícios viciados que quase extrapolam o realismo da obra com tanta incidência de cânceres e acidentes de tráfego. Reconhecendo que alguns personagens deixam a desejar pela dificuldade de inovar em seus dramas e evitando repetir relações gastas como a de Paulie, um capo de Tony, com Chris, por exemplo, há a inserção de novos personagens.

Por duas temporadas, o exercício de jogar psicopatas verdadeiros agentes do caos na narrativa dá muito certo. A inserção de Richie Aprile (David Proval) e Ralphie Cifaretto (Joe Pantoliano) valem ouro e movimentam a narrativa para situações cada vez mais tensas e perigosas. Na 5ª temporada, há uma tentativa diferente que não deixa de ser louvável com a apresentação de Tony Blundetto (Steve Buscemi), primo de Tony, em um arco de redenção. 

Aliás, através de Blundetto, fica evidente que Chase destila um certo ódio de seus personagens, criando situações orquestradas de tal forma que beira a metalinguagem. São momentos sublimes, principalmente para quebrar a figura “camarada bem-humorado” que Tony carrega. 

Na mira de Chase, ninguém sobra e as críticas são válidas. Ele reconhece as limitações de seus personagens e os faz pagar um papel ridículo revelando a mesquinhez e hipocrisia que habita cada um deles. Isso quando o comentário não vem diretamente de Melfi em alguma sessão de terapia com Tony assumindo de vez o metacomentário. 

Nessa linha de revigorar a narrativa, absolutamente todos os arcos envolvendo as namoradas de Tony rendem momentos excelentes. Neles, a direção assume uma postura genial envolvendo também esse teor de sátira no metacomentário – como no encerramento do episódio no qual Glória e Tony se relacionam pela primeira vez com a câmera enquadrando o barco onde eles estão ao lado da Mercedes que ele comprou enquanto alguns patinhos entram no enquadramento. Ou seja, o ápice da felicidade durante as sucessivas crises de meia idade de Tony. 

Antes disso, não havia isso

Assim como a sala de roteiristas da série contava com nomes de primeiro escalão, diversos profissionais excelentes assumiram a direção da série já que Chase dirigiu apenas dois episódios: o piloto e o final. 

Conseguindo manter uma unidade visual impressionante, é um pouco triste notar que a primeira temporada tinha alguns dos enquadramentos mais curiosos, com certa irreverência visual estampada através da distorção do uso inusitado de grandes angulares. Conforme a série avança, a direção rapidamente assume postura realista e não abandona na maioria do tempo, salvo as sequências de sonho. 

Nada disso prejudica a linguagem visual sofisticada da série, que realmente tem um trato cinematográfico que definiu o padrão de excelência visual das grandes séries americanas pós-Soprano. 

Com Alan Taylor, Allen Coulter, John Patterson, Timothy Von Patten e diversos outros nomes excelentes na direção, há inúmeros momentos fantásticos de dramaturgia na tela. Entre os meus favoritos, estão dois encerramentos geniais. 

Em The Knight in Satin Armor, Tony faz tudo realmente certo pela primeira vez na vida. Decide tomar jeito no seu casamento com Carmela, protege Janice de uma situação arriscada e elimina um problema que estava desordenando a estabilidade no seu esquema criminoso. Após conseguir estar satisfeito consigo mesmo depois de meses deprimido, ele chega em casa e Carmela então joga uma tonelada de responsabilidades “mundanas” envolvendo seus filhos para então dizer que se ele não fizer, ela vai “literalmente cometer suicídio”.

Após Carmela sair, a direção traz um Tony minúsculo na sala de estar, sentado na distância, já se sentindo miserável novamente enquanto a clássica I Saved the World Today, de Eurythmics começa a tocar encerrando o episódio. É uma das ironias construídas com maior capricho que eu já vi na vida, afinal foi um episódio inteiro desenvolvido para culminar nesse desenlace perfeito. 

Já em Cold Cuts, há outro momento sublime com sacadas geniais de Gandolfini ao provocar Janice envolvendo um segredo constrangedor de seu passado até ela explodir em ira ao tentar enfiar um garfo em sua barriga. Ele se diverte com aquilo, conseguindo deixá-la miserável ao ficar ligeiramente feliz com sua família. 

São 86 episódios de muito capricho e cada um com algum momento sublime de direção. Muitas vezes o trabalho não envolve algum movimento de câmera, mas sim na excelência da direção do elenco. É tão eficaz que durante um mesmo plano, uma cena pode ir de divertida para momentos de verdadeiro horror e sanguinolência em questão de segundos. E o mais impressionante é que um “sexto sentido” é desperto no espectador que já nota a tensão se intensificando a cada frase trocada. 

Igualmente louvável nesse espírito vanguardista da direção está na completa ausência de uma trilha musical original. Família Soprano sempre utiliza músicas licenciadas, muitas vezes justificadas na própria diègese, para existirem dentro da cena – salvo nos encerramentos onde os artistas se valem de uma licença poética. 

Para os fãs de violência extrema, a série também não faz feio. Chase conseguiu superar todos os limites possíveis ao trazer drogas pesadas, nudez explícita e violência expressiva para os lares americanos – coisa que antes de Família Soprano não era nem um pouco comum de ver. 

Obviamente que outras séries, posteriormente, conseguiram elevar o teor de violência em tela, mas a origem de tudo está aqui e, pela atmosfera realista intensa, consegue chocar sem apelar ao extremo – impossível não ficar estarrecido todas as vezes que Adriana apanha horrivelmente de Christopher. 

Após mais de três mil palavras, não cheguei nem perto de arranhar a superfície da riqueza que envolve Família Soprano. É uma tarefa hercúlea escrever da série completa e, acredite, estou negligenciando muitos arcos louváveis como o de Vito na 6ª temporada, do episódio Pine Barrens e Funhouse e optei por não falar da dupla de episódios finais: Blue Comet e Made in America, ambos perfeitos na execução e na escrita. 

Não é exagero algum classificar Família Soprano como uma das obras máximas da televisão. Até hoje, nada conseguiu ser parecido na irreverência da série, na coragem de David Chase no feitio de seu encerramento extremamente insano para um seriado que havia conquistado a América, e no grau de coerência no desenvolvimento de um protagonista. 

Diversas outras grandes séries chegam extremamente perto do nível de brilhantismo como Mad Men, Game of Thrones e Breaking Bad, mas nada disso existiria se não fosse Família Soprano. Até hoje, 15 anos depois de sua conclusão, a série continua inspirando novas obras como Ozark e Euphoria, dois dos maiores sucessos televisivos contemporâneos.

Família Soprano é perfeita em suas imperfeições. Como toda obra-prima, é problemática, mas revolucionária. Então, depois de tantas horas investidas me divertindo e me emocionando com as narrativas do mafioso ansioso Tony Soprano, vou acatar o conselho dado por ele mesmo no lindo encerramento da primeira temporada enquanto aproveita um jantar com a família durante uma tempestade intensa – momento que é lembrado por AJ no final da série: 

Lembre-se dos pequenos momentos, como este. Momentos bons.

Família Soprano (The Sopranos, EUA – 1999 a 2007)

Showrunner: David Chase
Direção: Alan Taylor, Allen Coulter, John Patterson, Timothy Von Patten, David Chase
Roteiro: David Chase, Matthew Weiner, Terence Winter, Michael Caleo, Robin Green, Mitchell Burgess
Elenco: James Gandolfini, Edie Falco, Lorraine Bracco, Michael Imperioli, Steven Van Zandt, Robert Iler, Tony Sirico, Jamie Lyn-Sigler, Peter Bogdanovich, Dominic Chainese, Aida Turturro, Steve Buscemi, Joe Pantoliano, Drea de Matteo, John Ventimiglia, Vincent Curatola, Frank Vincent
Duração: 60 min por episódio
Emissora: HBO

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Publicado por Matheus Fragata

Editor-geral do Bastidores, formado em Cinema seguindo o sonho de me tornar Diretor de Fotografia. Sou apaixonado por filmes desde que nasci, além de ser fã inveterado do cinema silencioso e do grande mestre Hitchcock. Acredito no cinema contemporâneo, tenho fé em remakes e reboots, aposto em David Fincher e me divirto com as bobagens hollywoodianas.

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