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Crítica | Fidélio no Theatro Municipal

A estreia da temporada de óperas 2017, do Theatro Municipal de São Paulo, ocorreu no dia 07 de abril, com a reapresentação no dia 08, ao qual me encontrava.

Fidélio, a ópera apresentada em forma de concerto, foi a única escrita por Beethoven. Para um compositor completo como ele, querendo se firmar entre os grandes, como Bach e Mozart, não foi fácil a empreitada. Quatro aberturas, a troca de título, o apogeu e a derrota de Napoleão, além de nove anos, separaram a estreia (1805), fracassada, da reestreia (1814), gloriosa. Inúmeros fatos podem explicar este processo, mas o mais significativo era que, para Beethoven, assim como para os artistas que viriam em seguida com o Romantismo, a composição de uma obra era tarefa mais laboral, sofrida, eivada por dúvidas. Ele queria, a partir de um certo período em sua vida, trilhar um novo caminho, estabelecer novos paradigmas. Obviamente, esta postura traz em si uma auto-avaliação mais crítica, uma comparação com as obras pregressas, com os contemporâneos, com si próprio. Bach e Mozart compunham com uma facilidade e produtividade abissal, sem se perguntar se estavam rompendo modelos. Beethoven se configura mais próximo da modernidade, com esta postura nova, com a “angústia da influência”, como bem definiu um crítico.

Talvez seja por estes motivos que Beethoven é uma referência cultural tão grande. Alia-se a estes fatores uma vida conturbada, o seu difícil temperamento, sua genialidade e o que temos é um artista de fundamental importância. Chego a lamentar uma pessoa que, por não gostar de musica clássica, nunca tenha ouvido uma obra de Beethoven.

Fidélio, tematicamente, é bem curiosa, com um libreto bem urdido. Fala sobre opressão, sobre as masmorras escuras da prisão em oposição à liberdade da luz do sol, sobre o poder do amor conjugal (lembrar que a ópera tinha como subtítulo, quando de sua estreia, O Triunfo do Amor Conjugal), coisas que tanto revelam sobre o caráter do compositor, um solteiro cuja vida foi a busca por uma idealizada amada imortal. Idealizações à parte, a personagem Fidelio / Leonore é atual, no sentido de que ela é quem conduz a ação, ela é quem na ópera toma todas as iniciativas, um retrato da mulher moderna e decidida.

Antes de falar propriamente sobre o espetáculo, gostaria de frisar uma observação. Apesar de ter estudado um pouco de piano, eu não me considero um músico. Logo, dada minha formação em cinema, me sentiria mais cômodo em  falar sobre a encenação. Como este espetáculo está em versão de concerto, portanto sem encenação, vou me restringir a uma análise menos detalhada.

Para quem foi ao Theatro Municipal, a apresentação de Fidélio foi uma boa experiência. Com um elenco majoritariamente nacional, teve agradáveis momentos. Como no quarteto em cânone Mir Ist so Wunderbar, onde a integração entre as vozes e o acompanhamento terno da orquestra  funcionaram de modo exemplar; no coro dos prisioneiros, com o sempre excelente Coral Lírico, que o iniciou em delicado pianíssimo; na entrada de Pizarro, com boa dose de energia, assim como no final, que conseguiu ser vibrante, principalmente no bis.  Este por, por sinal, foi alvo de uma curiosa, e por quê não, grata surpresa.

A nova direção do Theatro instituiu um novo tipo de bis. Ao final do espetáculo, a orquestra dá o tradicional bis, porém com uma inovação. É permitido, neste momento, fotografar, fazer selfies, se movimentar. O que a princípio pareceu uma ideia extemporânea, revelou-se grata surpresa. A plateia e o público embarcaram na proposta, e o bis acabou tendo uma energia contagiante, sendo mesmo melhor que o da apresentação.  Sei que muitos leitores devem estar pesarosos com a ideia, mas garanto que não é modismo, muito menos deslumbre. Ocorre que atualmente um dos motivos que fazem as pessoas irem a um concerto é a curiosidade, tanto pelo espetáculo como pelo teatro. É fácil perceber isto pela quantidade de selfies e fotos que as pessoas fazem tendo o teatro como fundo. Ainda que eu não admire isto, acho que pode ser positivo na medida em que traz gente aos espetáculos, o que significa possibilidade que estes ocorram em maior número. Obviamente que o uso de celular durante o concerto continua recriminável, pois atrapalha por demais os músicos e demais espectadores. Este bis especial, entretanto, permite aos afoitos e viciados em selfies fazer aquilo que desejam, sem atrapalhar a fruição do concerto pela outra parte do público. Não adianta fazer bico e brigar com a modernidade e novos costumes, é melhor andar ao seu lado. Ademais, ao menos no dia do Fidélio, houve uma informalidade gostosa, um clima alegre, uma evocação do tempo em que a ópera era, mais que um espetáculo, um evento.

Em substituição aos recitativos, Cida Moreira fez uma narração curta, com um português informal, direto, deixando a distância entre os números musicais menor.

A cantora protagonista, Marly Montoni, foi o destaque. Boa potência de voz, boa presença cênica e simpatia,revelou-se uma grata surpresa da tarde. A voz do tenor Ricardo Tamura possui belo timbre, mas não tanta expressividade. Caroline de Comi, como Marzelline, embora não possua um grande volume, vital em solos, possui bastante musicalidade, e este foi um dos fatores do quarteto supra mencionado ter ficado tão tocante.

De ruim, o pequeno atraso no início do concerto. Pode parecer excessiva esta observação quando se trata de alguns minutos, mas é uma tradição musical o horário estrito, britânico.  Hora de fazer selfie é hora de fazer selfie, mas quando se tem que ser sério, tem que ser sério.

Em resumo, foi um espetáculo agradável. A falta da encenação leva a análise a um campo estritamente musical, não necessariamente operístico, já que neste, música e encenação estão imbricadas.  É no segundo semestre, com a produção completa, que vamos poder dizer a que veio a nova gestão. De qualquer forma, temos um indício do que pode ser uma boa e simpática temporada.

Redação Bastidores

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