Um dos maiores sonhos de Steven Spielberg foi dirigir um filme de James Bond. Na década de 70, quando o agente secreto era algo muito popular, e Spielberg ainda vinha solidificando seu nome, ele enviava diversas cartas à MGM e os Broccoli pedindo para ser contratado para comandar um filme de 007. Seu desejo nunca virou realidade, a criação de Indiana Jones por George Lucas veio até como uma resposta a isso, com ambos os personagens seguindo a fórmula de aventuras episódicas grandiosas com parceiros e interesses amorosos intercambiáveis. Por pura ironia do destino e justiça poética, eis que Spielberg e Lucas inventam de trazer o pai do aventureiro para a terceira – e até naquele momento – derradeira história do arqueólogo, chamando justamente o James Bond original, Sean Connery, para interpretá-lo. A receita dá certo, e não só Indiana Jones e a Última Cruzada é o melhor Indy de todos, mas também um dos filmes mais divertidos já feitos.
Após um inspirado prólogo que nos mostra a juventude de Jones (com a fisionomia do falecido River Phoenix), o agora crescido arqueólogo (Harrison Ford) é chamado ao serviço mais uma vez quando tem a notícia de que seu pai, Henry Jones (Connery) foi capturado por nazistas. Tendo falhado em adquirir a Arca da Aliança, o Terceiro Reich de Adolf Hitler agora parte em busca de uma artefato religioso ainda mais ambicioso: o Cálice Sagrado, o qual Jesus Cristo teria usado na Última Ceia, e que teria o poder de conferir vida eterna a quem beber de sua fonte. Mais uma vez correndo contra o tempo para vencer os nazistas, Indiana Jones conta com o auxílio de velhos aliados para encontrar o artefato, e também trazer seu pai em segurança.
Pai em dose dupla
É um Indy mais próximo de suas raízes. Ainda que tenha feito dinheiro, O Templo da Perdição teve uma arrecadação consideravelmente menor do que Caçadores da Arca Perdida, e também careceu de uma aceitação popular tão grande, o que deve se levar em conta o teor mais adulto e sinistro da segunda aventura do arqueólogo. Com aquela que deveria ser sua despedida, A Última Cruzada traz de volta os elementos vencedores do primeiro filme: nazistas, relíquias bíblicas e um retrato mais detetivesco do ofício da arqueologia, com Indy de fato buscando pistas e formando uma trajetória de investigação; algo que não era muito presente em Templo, que nem mostrava Jones na universidade. Jeffrey Boam entra para escrever o roteiro, e acerta ao manter a mesmíssima estrutura e ainda por cima apresentar o maior e melhor: Indy lutando contra nazistas era bom? Aqui ele fica cara a cara com Adolf Hitler. Luta numa pista de pouso? Indy enfrenta um tanque de guerra e praticamente toda a artilharia alemã. Arca da Aliança era um bom artefato bíblico? Aqui temos O artefato bíblico na forma do Santo Graal, não dá pra ficar maior do que isso.
Mas ainda assim, o grande triunfo do filme é intimista. A relação de pai e filho retratada aqui é uma das melhores que eu já vi em qualquer filme, com os dois Jones garantindo uma experiência divertidíssima, e com sua acertada dose de catarse. Pela primeira vez, vemos Indy se sentindo inferior à alguém, e é justamente por estar constantemente tentando chamar a atenção e conseguir a aprovação de seu velho, que nunca parece muito impressionado com suas peripécias – seu olhar indignado após Indy acertar um nazista com um mastro durante a perseguição de motocicleta, onde o herói está rindo de orgulho de si mesmo é apenas uma das muitas pérolas. Nisso, a química entre Harrison Ford e Sean Connery é incendiária. Poucas vezes me diverti tanto com a mera imagem de dois atores conversando, se olhando ou interagindo é capaz de provocar alguma risada, e a trilha sonora mais leve e graciosa de John Williams traduz bem essa relação.
O grande pecado do filme fica mesmo com os antagonistas, que nem de longe são tão interessantes como os anteriores. Ajuda que tenhamos os nazistas de volta, mas nenhum deles traz alguma característica peculiar ou algo que os tornem memoráveis, dividindo-se entre o oficial de força bruta (Michael Kelly) e o ambicioso Walter Donovan de Julian Glover, praticamente uma versão menos inteligente de Belloq do primeiro filme. A Elsa de Alison Doody também falha em ser uma personagem convincente, com sua lealdade constantemente mudando de posição, não servindo nem como interesse amoroso ou antagonista. Porém, nada disso realmente prejudica o filme, já que ele é todo centrado na relação dos Jones, e estas figuras não ganham tanto tempo de tela. Porém, tratando-se de Indiana Jones, era de se esperar um pouco mais; ao menos Donovan garante uma morte extremamente memorável.
You have directed… Wisely
Como sempre, Steven Spielberg dirige como uma criança apaixonada por seus brinquedos, mas sem nunca perder o estilo. A sequência de abertura já é maravilhosa por nos contar toda a origem de Indiana Jones através de pequenas pistas, como quando o jovem cai numa caixa cheia de cobras, usa o chicote pela primeira vez ou consegue seu icônico chapéu. As cenas protagonizadas por Harrison Ford estão entre algumas das melhores setpieces que o diretor já comandou, que incluem uma intensa perseguição de barcos por veneza, corridas de motocicleta e até batalhas aéreas de dogfight. A sequência com o tanque de guerra também impressiona pela brutalidade e a execução, sem qualquer tipo de efeito visual, e mesmo sendo detalhadamente planejada e desenhada em storyboards por Spielberg, a equipe estendeu as diárias de tal sequência por simplesmente terem novas ideias no processo; dois dias acabaram transformando-se em dez. Em todas essas cenas, temos um trabalho excepcional de montagem do fiel escudeiro Michael Kahn, além de valorizar as manobras dos incansáveis dublês e até mesmo das gaivotas que são usadas para desnortear um avião de caça nazista.
Com o teor mais cômico e de volta às origens “investigativas” do primeiro, essa faceta também se traduz na direção de Spielberg. Seu olho para criar humor com enquadramentos ou movimentos de câmera é invejável, especialmente na cena em que Indy e seu pai estão amarrados em uma cadeira, e acabam encontrando uma válvula na parede que faz a parede girar e levá-los para uma sala de segurança nazista, e as gags visuais com esse dispositivos são realmente inspiradas – e sem precisar inventar piadinhas ou comentários irônicos, atingindo o riso apenas através da imagem. Ainda com esse senso de humor, mas um mais voltado para provocar uma reação mais inteligente no espectador, Spielberg usa truques incríveis para ilustrar a jornada de Indy pelos desafios do Graal, especialmente aquele onde o protagonista é forçado a dar um salto de fé em direção a um abismo, apenas para que uma pequena pan nos mostre que Indy está sobre uma ponte, mas impossível de vê-la por ter a mesma textura das pedras da superfície. O bom e velho efeito do matte painting, empregado com perfeição aqui.
Divertido, engraçado e com uma inesperada carga emocional, Indiana Jones e a Última Cruzada é a aventura perfeita. Não só é o melhor filme do arqueólogo, como talvez seja o melhor filme pipoca que Steven Spielberg já realizou em sua carreira, usando de uma direção inteligente, uma boa história e uma química simplesmente perfeita entre seus dois protagonistas, que podem ser definidos como a real personificação de um raio preso numa garrafa. Um filme glorioso.
Indiana Jones e a Última Cruzada (Indiana Jones and the Last Crusade, EUA – 1989)
Direção: Steven Spielberg
Roteiro: Jeffrey Boam, baseado no argumento de George Lucas e Menno Meyjes
Elenco: Harrison Ford, Sean Connery, Denholm Elliott, Alison Doody, John Rhys-Davies, Julian Glover, River Phoenix, Kevork Malikyan, Robert Eddison, Richard Young
Gênero: Aventura
Duração: 127 min