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Crítica | Michelle e Obama


Michelle e Obama é um daqueles filmes que entrega o que todos esperam: um melodrama novelesco com fachadas transgressoras. Ao longo da história do cinema estadunidense, já tivemos diversas obras biográficas que retrataram a vida de presidentes e líderes: ao que tudo indica, os americanos tem um apreço pela louvação exacerbada de seus “heróis” assim como os britânicos têm um fetiche histórico de realizarem produções e mais produções sobre o constante ciclo monárquico que pincelas as ilhas nórdicas há mais de um milênio. Normalmente tais obras conseguem fornecer um deleite estético – mas algumas, como o filme que aqui analiso, só trazem uma estampa escritural quase indigesta.

O diretor e roteirista Richard Tanne, em seu novo projeto, literalmente resolveu retratar o primeiro encontro do futuro casal Michelle e Barack Obama, respectivos primeira-dama e presidente dos Estados Unidos da América. O motivo, senhores, não se mostra claro em nenhum momento. Mas logo depois de uma introdução em plano-sequência pintada com uma das clássicas músicas do final da década de 1980, não podemos fazer nada além de engolfar num estado letárgico e permanecer franzinos, vendo até onde aquilo vai. A relação deles parece ter saído diretamente de um conto de fadas moderno, iniciando-se em museus de arte moderna e culminando com o tão esperado primeiro beijo – uma metáfora vencida do “mágico momento sob o visco de Natal” que já foi usada e abusada desde sua invenção.

É interessante notar a contradição entre os dois personagens. Enquanto Barack (Parker Sawyers) é uma pessoa mais suave e mais “vida boa”, apegado à cultura africana e a cigarros, além de estudar Direito da Universidade de Harvard, Michelle, interpretada com charme por Tika Sumpton, é uma ativista feminista que batalhou como nunca para alcançar uma posição de prestígio, contrariando a sociedade da época que subjugava a figura feminina para trabalhos considerados “rebaixados”.

E devo confessar que nunca vi um casal fazer tantas coisas em apenas vinte e quatro horas. O filme tem apenas uma hora e vinte de duração, mas seu ritmo lento e oscilante nos prende ao universo criado por Tanne de forma quase sobrenatural – e não digo isso e forma positiva. Talvez este não seja o ponto fornecer uma perspectiva nova sobre um dos casais mais famosos do mundo, e sim simplesmente contar o início de um romance. E, como sempre, o amor à primeira vista é refutado aqui, seja pela majestosidade de Michelle entrando em conflito com a total falta de senso estético de Barack.

Qual o grande problema do filme, então, se estamos lidando com uma simples narrativa novelesca? O problema é sua relevância para os diversos filmes biográficos que saem ano após ano: nenhuma. Tudo na história é previsível. Tudo bem, tirando o que nos está escrito na sinopse, não sabemos que Barack levará sua futura esposa para todos os lugares supracitados, mas o desenrolar da história é extremamente clichê. Até mesmo em filmes baseados em fatos reais o roteiro pode ser controlado para abandonar estéticas formulaicas e criar algo original, mas não é o que acontece aqui: garoto conhece garota, ela não vai com a cara dele, mas depois de uma série de “aventuras”, os dois acabam se apaixonando e refletindo sobre questões “filosóficas” sobre seu futuro juntos. Cada um dos pontos principais da trama pode ser prenunciado em poucos minutos de filme – e apesar de seus oitenta minutos de duração, a história arrastada se assemelha a uma eternidade presa na Chicago dos anos 1980.

Nem mesmo a trilha sonora típica da época é capaz de salvar Michelle e Obama da ruína: músicas tão alegres colocadas em momentos de tensão, e a composição dramática entra como uma função catalisadora fria e cruel que deseja mais que tudo nos forçar a derramar uma lágrima por uma narrativa nada envolvente. As metalinguagens são usadas profusamente e apenas mancham uma paleta de cores sem identidade e que pode ser definida como uma mixórdia caótica. Apenas Sawyers e Sumpton são os pontos de luz num túnel escuro – pela atuação e pela química que trazem em cena. O confronto entre reacionário e libertário é constante, mas os temas não se desenvolvem além da superficialidade e irritam até os mais leigos espectadores.

Michelle e Obama (Southside With You, no original) não acrescenta em nada na história do cinema; pelo contrário, sua estética panfletária incomoda e entra como um artifício muito mal elaborado cujo lançamento “coincidiu” com as conturbadas eleições dos Estados Unidos deste ano. O filme só irá agradar aos seguidores mais fanáticos do casal Obama – e pode ser que nem chegue a isso.

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Publicado por Thiago Nolla

Thiago Nolla faz um pouco de tudo: é ator, escritor, dançarino e faz audiovisual por ter uma paixão indescritível pela arte. É um inveterado fã de contos de fadas e histórias de suspense e tem como maiores inspirações a estética expressionista de Fritz Lang e a narrativa dinâmica de Aaron Sorkin. Um de seus maiores sonhos é interpretar o Gênio da Lâmpada de Aladdin no musical da Broadway.

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