Crítica | Não Se Preocupe, Querida só vale pela ótima performance de Florence Pugh

Contando ainda com uma trilha sonora bastante original do veterano John Powell, Não Se Preocupe, Querida não tem muito a oferecer

É um verdadeiro milagre o fato de que, em pleno 2022, estejamos diante de um filme original, lançado por um grande estúdio e com pretensões de gênero. Após sua elogiadíssima estreia com o ótimo Fora de Série, a atriz Olivia Wilde se tornou um nome interessante para acompanhar em carreira de direção, com o suspense Não se Preocupe, Querida, uma obra muito mais ambiciosa e desafiadora.

Infelizmente, por mais que Hollywood esteja faminta por novas ideias originais que não sejam baseadas em super-heróis ou propriedades do passado, o filme de Olivia Wilde encontra grande dificuldade em realmente fazer valer sua premissa saborosa.

Na trama, o casal Alice (Florence Pugh) e Jack (Harry Styles) leva uma vida agradável em uma comunidade para casais da década de1950, vivendo sob a tutela do misterioso Frank (Chris Pine) e seu ambicioso Projeto Vitória. Quando todos os maridos saem para trabalhar, deixando suas esposas cuidando das casas, Alice começa a encontrar elementos misteriosos em seu cotidiano, fazendo-a questionar a própria natureza de sua realidade naquela vizinhança.

American Way of Lie

Durante o período de divulgação do projeto há alguns meses atrás, Wilde afirmou que Não Se Preocupe, Querida era inspirado em obras como Matrix e O Show de Truman. Inspiração é um grande eufemismo, já que o roteiro idealizado pelos irmãos Carey e Shane Van Dyke (netos do grande Dick Van Dyke) e reescrito por Julia Sibelman (também de Fora de Série) é um grande simulacro dessas duas obras, representando mais uma variação sem novidades do Mito da Caverna de Platão – que serviu de base tanto para Matrix quanto Truman. O único diferencial de Não Se Preocupe, Querida é sua ambientação na década de 1950 e a sátira ao American Way of Life, assim como o forte caráter feminista que circula sua grande revelação no clímax.

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E o roteiro de fato conta com uma boa reviravolta, quando Wilde enfim revela o que realmente está acontecendo na história. Infelizmente, tal revelação chega tarde demais no filme, que já havia gastado mais de 90 minutos batendo nas mesmas teclas repetidas que Matrix e Truman já haviam feito de forma melhor: o cotidiano lentamente sendo quebrado, as pequenas estranhezas e imperfeições na paisagem idílica, e o comportamento da protagonista sendo visto como loucura por todos. É muito tempo dedicado a uma grande enrolação, que se torna tediosa justamente por não trazer nada de novo, e a aposta no suspense também mostra-se falha já que seus “antagonistas” são extremamente sem graça e sem muita personalidade.

Infelizmente, essa falta de tato se apresenta também na direção de Wilde. Ainda que seja bem mais criativo conceitualmente do que Fora de Série, a comédia adolescente consiga ser muito mais elaborada visualmente e em suas composições complexas. Com Não Se Preocupe, Querida, Wilde valoriza bem o design de produção de época e as belas paisagens áridas com a ajuda do fotógrafo Matthew Libatique – e ambos são excepcionas em capturar a beleza dos automóveis cinquentistas cruzando o deserto em uma ótima perseguição de carro no terceiro ato. Tirando isso, a condução de Wilde é burocrática e sem grandes aspirações, tanto para diálogos, discussões ou brigas.

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A grande revelação sobre o que acontece no universo do filme também parece de uma solução visual mais interessante. É o clássico caso onde o fator é mais interessante no papel do que na tela, já que a própria reviravolta nutre um fator confuso de primeiro efeito. E, infelizmente, diversos elementos que vêm junto com essa reviravolta são abordados de forma superficial, e tal exploração poderia muito bem ter garantido um filme bem mais original e diferenciado do que os outros exemplos de referência. 

A guerreira solitária

Felizmente, Florence Pugh move montanhas para tornar a experiência de Não Se Preocupe, Querida suportável. Estabelecendo-se como um dos nomes mais requisitados e interessantes de sua geração, Pugh compõe Alice como uma jovem curiosa e obstinada, entregando completamente nos fatores de terror, pânico e desespero, e também no primeiro ato que mostra Alice como alguém mais ingênua. Poucas vezes vi uma atriz carregar tão bem um longa tão mediano quanto Pugh, praticamente uma jovem Kate Winslet, faz com Não Se Preocupe, Querida.

Pugh também é absurdamente melhor do que todos à sua volta. Apostando em um papel mais exigente após sua ligeira estreia como ator em Dunkirk, Harry Styles é incapaz de seguir o alto nível de sua parceira de cena, mostrando-se como um intérprete extremamente limitado e viciado em caretas e feições exageradas; todas as cenas de discussões do cantor com Pugh são realmente vergonhosas, já que a atriz é absurdamente superior na carpintaria dramática. O sempre eficiente Chris Pine também surge desinteressado e sem graça, enquanto a própria Olivia Wilde lhe garante um papel coadjuvante que só diz a que veio nos minutos finais da produção. 

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Contando ainda com uma trilha sonora bastante original do veterano John Powell, Não Se Preocupe, Querida não tem muito a oferecer além da ótima performance de Florence Pugh. Traz uma boa reviravolta e um universo que poderia ser muito melhor explorado, mas fica na metade do caminho ao perder tempo com convenções já muito exploradas – e de forma muito melhor. 

Ao final da leitura do roteiro na pré-produção, eu teria ficado preocupadíssimo.

Não Se Preocupe, Querida (Don’t Worry Darling, EUA – 2022)

Direção: Olivia Wilde
Roteiro: Katie Silberman, argumento de Shake Van Dyke e Carey Van Dyke
Elenco: Florence Pugh, Harry Styles, Chris Pine, Olivia Wilde, Gemma Chan, KiKi Layne, Douglas Smith, Timothy Simons, Asif Ali, Nick Croll, Sydney Chandler
Gênero: Drama
Duração: 122 min

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Sobre o autor

Lucas Nascimento

Estudante de audiovisual e apaixonado por cinema, usa este como grande professor e sonha em tornar seus sonhos realidade ou pelo menos se divertir na longa estrada da vida. De blockbusters a filmes de arte, aprecia o estilo e o trabalho de cineastas, atores e roteiristas, dos quais Stanley Kubrick e Alfred Hitchcock servem como maiores inspirações. Testemunhem, e nos encontramos em Valhalla.

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