Lá em abril de 2015, período no qual Entre Abelhas entrava no circuito de exibição nacional, confesso que era um hater. A cada cartaz e trailer em que aparecia a figura de Fábio Porchat com feições sérias, eu me pegava dando risada e me perguntando: como diabos Porchat, dono de um humor no canal Porta dos Fundos do qual particularmente não gosto (escrachado), teria a coragem de se arriscar em um papel dramático; e ainda levando consigo Ian SBF, responsável pela direção do canal. Pois bem, agora engolirei minhas palavras. O que Porchat e SBF conquistam aqui é algo que merece prestígio e reconhecimento.
Assinado pelos dois, o roteiro nos apresenta a Bruno (Porchat), um editor de imagens passa por um doloroso processo de divórcio com Regina (Giovanna Lancellotti), por quem ainda nutre sentimentos. Voltando a morar com a mãe (Irene Ravache) até restabelecer sua vida, Bruno estranhamente começa a parar de enxergar, sentir e ouvir as pessoas; seja na rua, em fotos ou gravações de vídeo. É um processo bizarro que vai ficando mais forte à medida em que ele tenta descobrir o que o causa.
É uma premissa que definitivamente poderia funcionar para ambos os gêneros: a comédia e o drama. O foco de Entre Abelhas é no drama, que através da condução hábil e segura de SBF, se desenrola com incrível sutileza e uma melancolia nada forçada ou pautada em clichês. É mesmo o humor não intencional e sutil que faz com que a história funcione tão bem: ver a reação histérica de Bruno quando um taxista “desaparece” subitamente com o carro em movimento é algo propício a arrancar risadas, mas ao mesmo tempo acompanhamos o real desespero do personagem ali. Isso pra não falar da incômoda cena na qual Bruno pode ou não ter atropelado uma pessoa na rua, demonstrando como sua “cegueira” vai tornando-se perigosa ao longo do filme.
Só esse exemplo já ilustra a impressionante capacidade de Porchat como ator dramático, que confesso nunca ter esperado. Bruno é uma figura palpável e crível, e as relações deste com Regina e o amigo Davi (Marcos Veras, excelente alívio cômico e dono de uma subtrama muito bem desenvolvida) são bem esboçadas através de ótimos diálogos que carregam uma irona e naturalidade que vi poucas vezes por aí – nada da artificialidade horrível e travada das telenovelas aqui. A presença de Irene Ravache como a mãe do protagonista é mais um exemplar de bom humor muito bem encaixado, especialmente pelas tentativas pouco ortodoxas de tentar reverter a situação de seu filho; incluindo abordar estranhos na rua e derramar tinta em cima da pobre cobaia Camillo Borges.
A sensação pesada e melancólica vai aumentando ao longo do filme, mesmo com todos os alívios cômicos. A fotografia de Alexandre Ramos abraça tons frios e uma profundidade de campo reduzida nos momentos certos (se tenho uma queixa universal com os vídeos do Porta dos Fundos, é o total descontrole quanto ao uso da ferramenta de desfoque), acertadamente isolando a figura de Bruno enquanto anda em uma multidão ou até mesmo uma rua vazia. Os planos abertos e silenciosos que nos colocam dentro do ponto de vista do protagonista são aterradores durante o último ato, e gosto muito de momentos sutis como aquele em que acompanhamos um longo monólogo de um psicólogo, apenas para no final deste sermos surpreendidos por um silêncio que indica seu “desaparecimento” aos olhos de Bruno.
À medida em que o isolamento de Bruno vai ficando mais intenso, a proposta do roteiro da dupla vai ficando mais clara, ainda mais com a presença recorrente de uma personagem que fora introduzida brevemente no primeiro ato. É uma metáfora muito simples e que emociona pela simplicidade, sendo a prova cabal de que é possível transmitir uma mensagem tão batida quanto a que vemos aqui se o método for eficiente, e SBF e Porchat merecem aplausos. Confesso que, por identificar-me com a situação do protagonista, peguei-me extremamente angustiado e, por fim, animado com a linda catarse final.
Acho incrível que um filme tão sensível e elaborado em sua proposta possa ser tão acessível e divertido quanto Entre Abelhas, ainda mais dentro da indústria cinematográfica nacional, onde comédias são excessivamente estúpidas e os bons dramas jamais cheguem ao alcance do grande público. O filme de Ian SBF é uma pérola, e simboliza um ótimo rumo para produções do tipo.
Entre Abelhas (Idem, Brasil – 2015)
Direção: Ian SBF
Roteiro: Ian SBF e Fábio Porchat
Elenco: Fábio Porchat, Irene Ravache, Marcos Veras, Giovanna Lancellotti, Marcelo Valle, Camillo Borges
Gênero: Comédia dramática
Duração: 100 min