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Crítica | Nas Estradas do Nepal

Durante a Guerra Civil do Nepal (1996-2006), conflito entre o governo monárquico e os rebeldes comunistas (denominados maoístas), que exigiam o estabelecimento de uma república, houve um cessar fogo. É nesse período que “Nas Estradas do Nepal” (Kalo Pothi) se estabelece e sob o ponto de vista de Prakash (Khadka Raj Nepali) e Kiran (Sukra Raj Rokaya), dois garotos habitantes duma pequena vila ao norte do país e divididos por suas castas sociais.

Parkash é um dalit filho do caseiro faz-tudo (Jit Bahadur Malla) da família de seu colega. Kiran pertence à linhagem mais endinheirada da vila. Eles são melhores amigos, apesar das advertências de não passarem tanto tempo juntos. O preconceito existe, porém é brando, afinal, o vilarejo é pequeno e humilde, não dando espaço a manifestações discriminatórias tão explicitas como acontece em grandes centros urbanos. Todavia, a casta mais pobre é excluída socialmente, conforme acompanhamos a família de Prakash. Eles executam trabalhos braçais e de serventia, e estão constantemente obedecendo ordens e baixando a cabeça.

Os dois moleques se aventuram pelas ruas de terra do povoado onde moram, sempre com uma nova atividade em mente. Kiran costuma dar as ideias, Parkesh executa – de certa forma, perpetuando o ciclo que divide suas castas, ainda que, para os dois, ser pobre ou rico não faça diferença. A câmera tem planos longos e é quase que objetiva, já que acompanhamos a cultura local sob a perspectiva virginal de duas crianças. A história, então, ganha camadas quase documentais enquanto a narrativa avança.

O elemento que une e motiva a dupla a uma nova missão é a galinha que Parkesh ganha de presente de sua irmã mais velha (Hansha Khadka). A ave pertencera à mãe recém-falecida do menino, então ele e seu comparsa assumem como missão cuidar do ave com fervorosa dedicação. Mas a vida de uma penosa não é fácil num lugar como aquele e ela acaba indo parar nas mãos dum senhor de outra cidade. Os jovens decidem cruzar as perigosas fronteiras para recuperar o animal de estimação.

Dentre os aspectos técnicos, a fotografia de Aziz Zhambakiev – premiado em Berlim por outro trabalho – é o que chama mais atenção. É pautada em tons terrosos que harmonizam com roupas gastas, enquanto camufla os habitantes da região na paisagem árida e cenografia rústica com casas de pau, concreto e cores simples. A vegetação verde escuro combina com as vestimentas dos soldados – de ambos os lados – da guerra posta em pausa.

Ainda que o contexto seja entre o cessar-fogo da revolução nepalesa, o clima é hostil e os maoístas não estão parados, afinal viajam continuamente pelo país para recrutar jovens para a causa. Sente-se que algum conflito logo eclodirá. Eles chegam à vila e levam embora consigo alguns sangues-frescos, incluindo a irmã de Parkesh, mas a causa deles não é bem definida. Por que ela decidiu se unir? Nunca sabemos. Por outro lado, nem seu irmão. Seria difícil para crianças entenderem do porquê de uma revolta comunista no país, mas, mesmo assim, os guerrilheiros que ajudaram a libertar grande parte da população do imperialismo imposto não têm direito à voz. São retratados como rebeldes confusos e liderados por uma cópia étnica do Che Guevara. Essa frieza na representação do grupo torna seus componentes descartáveis, meros peões. Assim, no momento de clímax, as baixas do conflito não causam empatia, deixando que a possibilidade de um momento dramaticamente intenso se perca. O espectador não se permite ser deixado nu e desolado como seus personagens.

“Nas Estradas do Nepal” foi premiado no Festival de Veneza – melhor filme no Fedeora Award, uma categoria especial –, foi a escolha do país para submissão oficial ao Oscar de língua estrangeira e, segundo o Nepali Times, é “um exemplo da nova onda do cinema nepalês”. O diretor e roteirista, Min Bahadur Bham, entrega-nos um drama de irmãos – seja na camaradagem ou nos laços familiares –, com toques de humor e estrelado pela figura central de um jovem e determinado dalit, enquanto contornado por detalhes da cultura local e uma crítica social inocente, porém presente.

Nas Estradas do Nepal (Kalo Pothi, NEP – 2015)

Direção: Min Bahadur Bham
Roteiro: Min Bahadur Bham, Abinash Bikram Shah
Elenco: Khadka Raj Nepali, Sukra Raj Rokaya, Jit Bahadur Malla, Hansha Khadka
Gênero: Drama
Duração: 90 minutos

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Redação Bastidores

Publicado por Redação Bastidores

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