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Crítica | O Filme da Minha Vida

Na vida de qualquer artista, sempre há um momento em que a própria biografia se torna o material necessário para a construção de uma nova obra. Para o romancista Antonio Skármeta, esse momento se deu na escrita do romance Um Pai de Filme. No entanto, é curioso perceber como uma trajetória particular consegue se transformar num conto universal, comovendo um coletivo de leitores, ou, mais do que isso, tocar fundo na alma de um único indivíduo, a ponto de fazer com que este, subjetivamente, conecte a sua jornada com a do livro. De certa maneira, é isso o que aconteceu com Selton Mello em O Filme Da Minha Vida, o seu novo longa-metragem como diretor.

Se passando na década de 1960 numa cidade interiorana do Rio Grande do Sul, o filme narra a história de Tony (Johnny Massaro). Depois de uma infância e adolescência felizes ao lado do pai Nicolas (Vincent Cassel) e da mãe Sofia (Ondina Clais), ao voltar do seu período de estudos na capital, ele descobre que o primeiro está prestes a abandoná-lo. Desconhecendo os motivos por trás dessa partida repentina, enquanto tenta superar o trauma abrupto, ele terá de enfrentar os ritos de passagem da vida adulta.

Como diretor, as influências de Selton Mello são muito claras. No primeiro filme, Feliz Natal, a abordagem realista de um drama familiar tinha suas raízes no cinema de John Cassavettes e Thomas Vinterberg. Já no segundo longa, o lindo O Palhaço, ele mergulhou profundamente em alguns filmes de Cacá Diegues e Federico Fellini. Agora, no novo O Filme Da Minha Vida, Fellini continua sendo uma influência (Amarcord é o primeiro título a saltar aos olhos), mas as obras memorialísticas de Giuseppe Tornatore (Cinema Paradiso sendo a principal delas) tomam a dianteira. Além disso, há algumas referências literárias, como a obsessão tolstoiana pelo retrato da aldeia como pressuposto da universalidade.

Todavia, apesar de todos esses artistas, tão diferentes entre si, terem as suas marcas visíveis nos filmes do diretor, é possível enxergar uma unidade autoral percorrendo cada um dos longas. Pode-se dizer que são características do estilo cinematográfico de Selton Mello. Todos eles são esteticamente opulentos (até na abordagem documental de Feliz Natal há um cuidado com a composição visual), possuem uma narrativa melancólica, um ritmo compassado e personagens inseguros sobre a própria identidade, o que adquire uma proporção maior quando eles têm de enfrentar essa insegurança em momentos definitivos de sua jornada interior e exterior.

No caso de O Filme da Minha Vida, essas características se revelam amadurecidas, um mérito que se deve tanto a Selton quanto a Walter Carvalho, o diretor de fotografia. O primeiro está muito mais confiante nas suas escolhas (no ritmo do filme e na maneira de abordar a história), enquanto o segundo mantém a genialidade que revelou ter em tantas obras. Os tons quentes adotados juntamente com a direção de arte e o design de produção, a luz estourada e a iluminação soft são primordiais para criar a sensação de poesia e onirismo tão exigidas pela narrativa.

Aliás, como o filme não é apenas sobre os personagens mas também sobre os elementos integrantes da realização cinematográfica, esse lirismo e essa surrealidade obtidos através da fotografia de Walter Carvalho dão ao filme a atmosfera necessária para que o desenvolvimento do protagonista se confunda com a essência do Cinema. Afinal, o que é este senão uma mistura de magia, sonhos e fragmentos de uma determinada história? E o que constituem as nossas biografias senão as mesmas coisas? Essa intrincada relação entre a Vida e o Cinema não costuma vir para um diretor no seu terceiro longa. Essa precocidade de Selton Mello é um sinal importantíssimo do seu amadurecimento como cineasta.

O único destaque negativo fica por conta de um excesso de preciosismo técnico. Parece que cada segundo do filme foi concebido com a intenção de ser poético e esteticamente impactante. Nos primeiros minutos, isso incomoda e cansa. Porém, a partir do momento em que os personagens começam a atrair a nossa atenção, esse zelo em demasia deixa de ser um problema e passa até mesmo a auxiliar o nosso envolvimento emocional com a história. História esta que fará o espectador sair da sala completamente comovido.

O Filme da Minha Vida (idem, Brasil – 2017)

Direção: Selton Mello
Roteiro: Selton Mello e Marcelo Vindicatto
Elenco: Johnny Massaro, Vincent Cassel, Bruna Linzmeyer, Bia Arantes, Selton Mello, Ondina Clais
Gênero: Drama
Duração: 103 min.

Redação Bastidores

Publicado por Redação Bastidores

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