em ,

Crítica | O Príncipe do Natal – Os Clichês Natalinos das Comédias Românticas

As festas de final de ano estão chegando, e o que isso significa? Isso mesmo: comédias românticas aos montes. Para a Netflix, o Natal e o Ano-Novo representam épocas perfeitas para a emergência em massa de inúmeros filmes de orçamento mediano e cuja história não passa de um simulacro de inúmeras narrativas muito conhecidas, incluindo os grandes sucessos Esqueceram de Mim e Simplesmente Acontece. Entretanto, parece que os diretores e roteiristas se esqueceram de que, se as histórias em questão funcionaram, é porque eram únicas e representavam uma mudança no cenário cinematográfico com investidas originais dentro de um gênero já saturado: usar e abusar de algo já criado é um risco não muito aconselhável a ser tomado.

De qualquer modo, Karen Schaler e Nathan Atkins não se importaram muito com os fatos e utilizaram suas habilidades criativas para idealizar mais um conto de fadas moderno, intitulado O Príncipe do Natal. A narrativa gira em torno de uma jovem jornalista que procurar deixar sua marca no mundo e sair da bolha de “lapidações textuais” dentro da qual está presa na editora em que trabalha. A oportunidade surge quando sua chefe a manda em uma viagem para o reino de Aldóvia para investigar as reais intenções do herdeiro do trono, tachado como playboy e irresponsável. Ao longo da trama, o que já é de se esperar, o que se iniciou com uma jornada puramente laboral transforma-se gradativamente em um romance além de seu tempo e que pode colocar em risco todos os valores defendidos por um governo que preza pela tradição e pelo conservadorismo.

Nada de novo, por enquanto. Apenas com a sinopse, é possível ver que o longa resgata inúmeras narrativas fantasiosas e clássicas, incluindo Cinderella, para arquitetar um escopo fílmico em um estilo descartável de rags-to-riches. Ainda que às avessas, é possível ver esse abismo social e cultural que separa os personagens em encarnações tão estereotipadas quanto a própria mensagem que defende e que traz no final. Rose McIver encarna a protagonista Amber Moore, cuja personalidade é esquecível, mas adorável durante os pouco mais de noventa minutos em cena. Ela tem um objetivo claro desde o princípio, conseguir abrir espaço em uma escalada impossível para tornar-se uma repórter que ultrapassa os limites do tabloide, ainda que tenha que procurar escândalos para isso ser possível. E levando em conta as histórias que circulam a família real, ela não será bem-vinda dentro do Castelo nua e crua, recorrendo ao útil e “acidental” disfarce da tutora que deveria cuidar da filha mais nova do Rei e da Rainha, mas que teve que cancelar seus planos.

Como sempre, a personagem principal da história terá alguns obstáculos para enfrentar. E ao contrário de outras obras do gênero que colocam figuras mais jovens como impedições rebeldes e destinadas a odiá-la, a Princesa Emily (Honor Kneafsey) na verdade não a aceita à prima vista; entretanto, em algumas sequências frenéticas e que perdem o ritmo próprio das comédias românticas, ela acabam se tornam amigas e aliadas em um estalar de dedos. Emily até mesmo descobre o disfarce de Amber, mas firma um acordo de contar tudo o que sabe para retirar o estigma que seu irmão, o Príncipe Richard (Ben Lamb). Por ser o mais velho, ele é destinado a ocupar o lugar do falecido pai, mas ao contrário do que dita as regras mais puras da monarquia, tem o direito de escolher ou não levar o peso da Coroa ao seu fronte. Ainda que mantido na superfície, é interessante levar em consideração que a personalidade desse personagem esteja marcada por uma dúvida que não engloba apenas seus desejos, e sim os anseios de uma nação inteira – porém, não posso levar essa análise ao cerne, visto que ela simplesmente não existe.

Os reais impedimentos são tão envolventes quanto uma folha de papel em branco: cheia de potencial, mas completamente desperdiçada. O primeiro deles, nem um pouco memorável, insurge na figura do primo da família, Conde Simon (Theo Devaney), o próximo na linhagem caso os rumores de que o Príncipe desejaria abdicar de seu cargo se concretizem. “Uma injustiça”, Emily diz quando Amber lhe pergunta se ela não poderia ocupar o trono. O conservadorismo e o patriarcalismo é mais um dos temas a entrarem para compor a rasa base do filme, e ainda sim permanece quase intocado a não ser por algumas breves menções.

Sem sombra de dúvida, a principal figura a tentar colocar um fim em toda essa história é a ambiciosa Baronesa Sophia (Emma Louise Saunders), uma sagaz e aparentemente inofensiva mulher que é chamada pela própria Rainha Helena (Alice Krige) para tentar colocar um pouco de juízo na cabeça de Richard, levando em consideração que ambos já tiveram um caso amoroso que não deu certo. Entretanto, é possível prever que suas intenções são outras: ela almeja pelo poder e pela glória muito mais que qualquer coisa, e finge amar quem estiver disposto a realizar os seus desejos de forma mais rápida. Eventualmente, o melodrama desnecessário do longa e sua narrativa “açucarada” a tornam tão ameaçadora quanto uma colher. Ela traz um discurso invasivo atrelado ao ódio por ter sido trocada, mas não age do mesmo modo que fala, permanecendo em uma onda de juras de vingança que nunca se cumprem.

Não se pode dizer que a passagem do segundo para o terceiro ato do filme deixe a desejar. Amber acaba descobrindo um segredo guardado a sete chaves pelo falecido Rei e que nem mesmo chegou às graças de sua esposa. É claro que a situação não é a mais original possível e nem sequer pensa em puxar algumas referências da construção envolvente de narrativas de mistério, mas é possível dar certo crédito pelo esforço. Mas logo depois que essa descoberta é feita, as alegações caem nas mãos de Simon e Sophia, os quais utilizam-nas para impedir que Richard concretize a coroação e seja humilhado na frente de todos.

Um acerto, um erro – e o arco de redenção. É óbvio que uma comédia romântica aos moldes mais clichês possíveis não manteria tudo no mais perfeito equilíbrio. Faz-se necessário ter o deslize para que, em uma última tentativa, a protagonista perceba que pode consertar o que fez sacrificando seu amor em nome dos sonhos de outrem. É basicamente isso o que acontece em meados do último ato. Todavia, o filme tão “natalino” quanto este não poderia acabar em uma atmosfera pesada: logo, espere sim ver o Príncipe saindo do conforto e da segurança de seu Castelo para resgatar uma donzela de sua monótona vida em Nova York e levá-la de volta para um sonho aparentemente impossível.

Em suma, O Príncipe de Natal é uma ótima pedida para preencher qualquer lacuna que existe em seu final de ano. Seus personagens lineares e unidimensionais, perscrutados por uma profusa e entediante narrativa, combinam-se em mais uma formulaica comédia romântica que adiciona pouco ou até mesmo nada para o gênero.

O Príncipe do Natal (A Christmas Prince, EUA – 2017)

Direção: Alex Zamm
Roteiro: Karen Schaler, Nathan Atkins
Elenco: Rose McIver, Ben Lamb, Alice Krige, Honor Kneafsey, Sarah Douglas, Emma Louise Saunders, Theo Devaney, Daniel Fathers
Gênero: Comédia, Romance
Duração: 92 min

Avatar

Publicado por Thiago Nolla

Thiago Nolla faz um pouco de tudo: é ator, escritor, dançarino e faz audiovisual por ter uma paixão indescritível pela arte. É um inveterado fã de contos de fadas e histórias de suspense e tem como maiores inspirações a estética expressionista de Fritz Lang e a narrativa dinâmica de Aaron Sorkin. Um de seus maiores sonhos é interpretar o Gênio da Lâmpada de Aladdin no musical da Broadway.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Crítica | Voyeur – A Anatomia de um Sociopata

Lista | Os 10 Melhores Diretores no Cinema de 2017