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Crítica | O Rei Leão – Como tirar a alma de uma grande história

A nova mina de ouro da Disney parece a estratégia comercial mais brilhante do ponto de vista mercadológico. Escolher clássicos da animação adorados pelo público e refazê-los em uma embalagem live-action brilhante e com elencos caprichados. Isso às vezes gera bons resultados, como Cinderela e o recente e subestimado Aladdin, mas também nos rende abominações como A Bela e a Fera e Alice no País das Maravilhas. Depois do sucesso de Mogli: O Menino Lobo, a Disney encarregou Jon Favreau de trazer uma versão digital e deslumbrante de um de seus maiores – se não o maior – clássico: O Rei Leão.

Infelizmente, é um daqueles casos onde o abuso de tecnologia acaba apagando completamente o que torna essa história tão especial.

A trama, bem, é exatamente igual à do filme de 1994. Acompanhamos o filhote Simba (JD McCrary), que cresce sonhando em herdar o trono de seu pai, Mufasa (James Earl Jones), e se tornar o protetor da Pedra do Reino; mantendo o ciclo da vida em movimento. Quando seu pai é assassinado pelo invejoso Scar (Chiwetel Ejiofor), Simba se exila. Ao passar por um redescobrimento espiritual e já adulto (agora com a voz de Donald Glover), ele precisa lutar para reclamar seu lugar como rei legítimo.

Pixel sem coração 

Que algo fique bem claro de antemão: seria impossível que O Rei Leão fosse ruim. Com uma história tão perfeita e complexa quanto aquela criada por Irene Mecchi, Jonathan Roberts e Linda Woolverton, e que aqui é adaptada quase que milimetricamente por Jeff Nathanson. É uma história atemporal que tem todas as batidas clássicas, oferece um drama digno das melhores tramas de William Shakespeare e ainda tem o potencial de divertir e fazer chorar na mesma medida. É, por falta de palavra menos banalizada, uma história perfeita. Mas nesta nova versão, é completamente sem vida e estéril.

Os impressionantes efeitos visuais que a Industrial Light & Magic e os milhares de artistas de CGI que trabalharam no filme servem como uma faca de dois gumes. É um realismo quase palpável, tanto de ambientes quanto de personagens, e que diversas vezes nos levam ao famoso “uncanny valley”, e dependendo de como a Disney resolver bancar sua campanha do Oscar, definitivamente vai abocanhar o de Efeitos Visuais. Mas é também essa mesma busca pelo fotorrealismo que destrói qualquer investimento emocional com os personagens, que abandonam a estilização que os tornaram tão únicos na animação original para dar espaço a criaturas mais realistas, e que não tem expressão ou carisma quando falam, gritam e – principalmente – cantam. 

A ausência do tradicional processo de captura de performance, popularizado por Andy Serkis na trilogia O Senhor dos Anéis e O Planeta dos Macacos, é certamente um dos motivos que tornam Simba, Mufasa, Scar, Nala, Pumba e todos os personagens tão vazios. Quando precisam estar alegres, seguem com uma  expressão comum. Quando vemos Simba e Nala tendo uma discussão acalorada sobre identidade, podemos apenas ouvir Donald Glover e Beyoncé Knowles-Carter falando em uma cabine de dublagem, já que a limitação nas feições animalescas provoca um efeito onde as vozes parece estar fora de sincronia. É algo realmente incômodo, e que tira o peso de diversos momentos importantes – se a morte daquele personagem te afetava e provocava rios de lágrimas no original, prepare-se para vê-la completamente estéril e sem alma, e podemos sentir que o elenco está se esforçando; especialmente Seth Rogen e Bill Eichner como Timão e Pumba, mas nada visualmente nos convence disso.

Ambiguidade musical

Por mais que a tecnologia seja superior e mais sofisticada do que um desenho de 1994, é assustadoramente mais limitada em termos de cinematografia. É como quando Gus Van Sant refez Psicose com cores. Os números musicais se tornaram o aspecto mais sem graça e genérico possível, onde agora os personagens simplesmente andam de um ponto a outro ou escalam pedras enquanto cantam. Acabou-se a energia de um número inventivo quanto “I Just Can’t Wait to be King”, a viagem de “Hakuna Matata” ou o brilhantismo de “Be Prepared”, completamente reduzida aqui para uma versão esquecível. Se o objetivo era realismo, nem precisava tentar colocar as canções, já que o resultado beira o embaraçoso em alguns momentos.

Claro, musicalmente a experiência ainda é perfeita, afinal temos o retorno do grande Hans Zimmer para tocar algumas das melhores produções de sua carreira, e não machuca que cantores do calibre de Childish Gambino e Beyoncé estejam por trás das canções. É impossível não de contaminar pela trilha sonora, mas ela já havia sido testada e funcionava em uma versão muito superior dessa história.

A nova versão de O Rei Leão é um grande tiro no pé. Por mais que traga efeitos visuais impressionantes e um elenco de talentos variados, é incapaz de reproduzir a magia e as emoções da animação original de 1994, simplesmente por se ater a um realismo sem sentido para uma história sobre leões falantes. Nesse caso, definitivamente fique com a animação.

O Rei Leão (The Lion King, EUA – 2019)

Direção: Jon Favreau
Roteiro: Jeff Nathanson, baseado no filme de 1994
Elenco: Donald Glover, Beyoncé Knowles-Carter, Chiwetel Ejiofor, James Earl Jones, Seth Rogen, Billy Eichner, Keegan Michael Key, Alfred Woodard, John Kani, JD McCrary, Shahadi Wright Joseph, John Oliver, Florence Kasumba
Gênero: Aventura, Drama
Duração: 116 min

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Publicado por Lucas Nascimento

Estudante de audiovisual e apaixonado por cinema, usa este como grande professor e sonha em tornar seus sonhos realidade ou pelo menos se divertir na longa estrada da vida. De blockbusters a filmes de arte, aprecia o estilo e o trabalho de cineastas, atores e roteiristas, dos quais Stanley Kubrick e Alfred Hitchcock servem como maiores inspirações. Testemunhem, e nos encontramos em Valhalla.

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