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Crítica | Obi-Wan Kenobi mantém o legado de desperdiçar um ótimo personagem

Convenhamos, por mais icônico e carismático que seja Ewan McGregor, Obi-Wan Kenobi nunca foi um personagem realmente bem desenvolvido até os eventos de A Vingança dos Sith

Os memes e as boas cenas realmente impactantes com o mestre jedi ajudaram a conferir uma aura mística ao personagem. A chance de Kenobi brilhar e ter um ótimo arco de desenvolvimento se apresentou agora com a minissérie Obi-Wan Kenobi que tantos fãs aguardavam avidamente. 

Encerrada após cinco semanas de exibição, é seguro dizer categoricamente que a nova aventura guiada por Deborah Chow mantém a pior das tradições de Star Wars: desperdiçar um ótimo personagem. 

Mirando em Star Wars Clássico e acertando em Power Rangers

A partir do momento que se escreve qualquer coisa, tomamos a decisão de expor alguma ideia. Se tratando da escrita de ficção, as escolhas são tomadas a cada cena, a cada modo que o diálogo acontece e com a ação dos personagens. 

Ao longo dos seis episódios de Obi-Wan Kenobi, o time de roteiristas constituído de cinco profissionais, consegue tomar escolhas precárias desde a proposta da aventura até a sua conclusão. 

Por mais audaciosa que seja a ideia de mostrar o sequestro de uma pequena Leia (Vivien Lyra Blair) e seu primeiro contato com os perigos do Império ao ser tirada de Alderaan e jogar um Obi-Wan Kenobi quebrado em uma jornada de resgate, o desenvolvimento da ideia sofre com uma falta de capricho notória. 

Sendo comparada milhares de vezes com um fã filme de classe B por alguns internautas, é difícil discordar das críticas que se popularizaram ao longo do mês. O roteiro se torna tão deficitário por trazer alguns dos piores vícios de seriados bregas do final do século passado com cliffhangers novelescos e excessivamente dramáticos – como o close final da pequena robô Lola emitindo uma luz vermelha “ameaçadora”, ou por trazer uma experiência inchada, esticada ao máximo, de uma história que caberia facilmente em um longa metragem. 

Com mínima reflexão, é possível descartar totalmente os desvios de narrativa que abrangem o terceiro e o quarto episódios da série. Foram duas semanas de acontecimentos patéticos que, ao menos, trouxeram a validação do design artístico original do Forte dos Inquisidores apresentado no ótimo game Star Wars Jedi: Fallen Order. 

Nesses dois episódios completamente desnecessários, a falta de vontade dos roteiristas em trazer uma história minimamente engajante é explícita. Temos Obi-Wan cometendo o mais clássico dos erros ao chamar Leia pelo nome enquanto lida com troopers imperiais em um diálogo pavoroso, uma barreira laser que é facilmente contornável se os personagens caminharem um metro acima de um barranco e uma nova aliada irrelevante que surge em deus ex machina para resolver um desvio que nunca precisava ter existido. 

Já no quarto episódio, o festival de ideias ruins persiste com momentos inacreditáveis de tão toscos. O time criativo tenta acertar o brega charmoso de Uma Nova Esperança, mas em todas as vezes consegue apresentar algo ridículo do nível das piores temporadas de Power Rangers. 

Seja com o tapa ultrasônico que Tala (Indira Farma) dá no capacete de um trooper que desmaia no momento do toque, ou no fato de Tala (sempre ela) estrangular um oficial de modo nada silencioso em uma sala repleta de outros soldados, ou com Leia escondida sob a capa de Kenobi com o trio conseguindo andar tranquilamente em uma das principais bases militares do Império sendo visível que Kenobi está com quatro pernas – sendo duas delas muito finas.

O pior não é somente isso, mas o fato de tantos personagens estarem fora de tom ou entregando diálogos nada polidos que conseguem estragar a atuação até mesmo de McGregor que já provou ser um ator de alto nível diversas vezes. 

Os reencontros dele com Anakin são prova disso, com o personagem trazendo falas óbvias, desprovidas de emoção, que não remete em nada a dor lacerante que Kenobi trazia ao expor sua decepção com o padawan em A Vingança dos Sith. Todos os momentos, ainda que tragam algumas coisas interessantes, parecem desperdiçados, sem acrescentar nada relevante

Por mais que todos adorem fazer uma chacota com George Lucas e suas ideias absurdas, o criador da saga sabia exatamente como escrever e dar características únicas a esses personagens a ponto de sabermos de cor algumas das falas clássicas da trilogia prequel. Aliás, é impressionante como dentro da era Disney, existam tão poucos momentos icônicos fora do escopo de The Mandalorian em Star Wars.

A irreverência e verve cômica de Kenobi não existe aqui – ainda que justificada pela reclusão de luto que o personagem vive ao se desconectar da Força. Tampouco é muito bem desenhado esse retorno do herói em recuperar suas habilidades.

Não há um momento catártico e, quando há uma tentativa disso existir no sexto episódio, a direção falha no momentum em trazer essa catarse pivotal – e nem é preciso muito esmero afinal até hoje a cena de Luke Skywalker usando a Força para acertar a fragilidade da Estrela da Morte é emocionante. 

De personagens novos, somente a nova inquisidora Reva (Moses Ingram) que se destaca. Com uma motivação bastante previsível e um comportamento intempestivo repeteco de Anakin, a personagem pode ser genérica, mas é de fato a única que ganha um tanto mais de atenção dos roteiristas em seu desenvolvimento trazendo uma resolução que presta dentro da bagunça desordenada dessa história.

Ainda assim, mesmo possuindo a chance de ter um desfecho satisfatório, os roteiristas insistem em trazê-la de novo para o último episódio para aterrorizar Luke em soluço narrativo, afinal a personagem já estava resolvida e o novo desfecho somente repete o que já havia sido concretizado no quinto episódio. Aliás, recolocar Reva em jogo compromete a lógica interna espacial e temporal da série, com ela se recuperando rapidamente de um ferimento de sabre e já viajando para Tatooine com facilidade.

Aliás, há excesso de falta de coerência interna em Obi-Wan Kenobi com exemplos já citados nos abissais terceiro e quarto episódios, mas o mais bizarro com certeza deve ser o da falsa morte do Grande Inquisidor. O mesmo acontece com a repetição de situações intermináveis dos muitos sequestros de Leia, de todos os confrontos de Reva com os Inquisidores e de Obi-Wan sendo “obrigado” a largar Leia para se lançar à morte em algum confronto com Vader.

Essa não é a série que você procura

Com um texto verdadeiramente ruim, era esperado que muitos dos aspectos audiovisuais salvassem a série, mas infelizmente não é o caso. Obi-Wan Kenobi é uma obra que ofende tanto seus olhos quanto a sua inteligência enquanto espectador. 

A encarregada de dar vida aos impropérios narrativos é Deborah Chow que até se destacou nos episódios que dirigiu de The Mandalorian, mas em Kenobi há um retrocesso e uma insegurança técnica lamentável com a cineasta cometendo erros tão precários dignos dos estudantes do primeiro ano de uma faculdade de Cinema – e digo por experiência própria. 

A inépcia já é vista logo no primeiro episódio com a perseguição constrangedora entre mercenários e a pequena Leia. Todos eles conseguem tropeçar em galhos e desníveis e não conseguem correr mais rápido que uma criança minúscula. O resultado é embaraçoso pelo nível de amadorismo. 

Há também uma insistência chatíssima em uma das técnicas mais manjadas para tentar aplicar tensão de modo artificial a uma cena: as infames câmeras tremidas. Aqui, nem ao menos isso parece ser feito corretamente, pois as cenas nas quais o efeito surge, há a impressão de ter sido aplicado um efeito genérico na pós-produção. 

Durante o primeiro confronto entre Vader e Kenobi, Chow consegue quebrar o eixo da ação, levando o jedi a sair de plano fugindo pelo canto direito para então surgir “voltando” ao canto esquerdo, criando uma confusão espacial na encenação. Aliás, esta é sempre pobre salvo a rara exceção que se trata o último confronto entre os personagens. 

Por apostar muito em grandes planos abertos exibindo um grande vazio nos cenários, a série orçada em milhões aparenta grande pobreza visual, principalmente no que tange os figurinos furrecas dignos de cospobres dos anos 1990. O setor de maquiagem que também sempre impressionava, falha em momentos-chave, incluindo na participação especial de um importante personagem que surge apenas como fanservice barato em um diálogo digno da franquia 50 Tons.

Aliás, é triste notar que Chow tem plena consciência de que está trabalhando com um produto de massa repleto de expectativas. A cineasta tenta entregar então o que se espera no sentido “épico” da coisa ao trazer um trabalho de montagem e câmera mais cuidadosos ao trazer Vader em tela. O problema disso é que ao ter tanta paranóia em abordar o personagem icônico, Chow fica engessado na assinatura visual de outros cineastas – pelo menos o trabalho, mesmo que repetitivo, não chega a ser ruim como a grande maioria das outras cenas. 

Felizmente, Chow conquista alguns méritos depois de muitas cenas embaraçosas com o quinto episódio que é o melhor da série inteira. Nele, se destaca toda a cena do diálogo decisivo entre Reva e Kenobi, trazendo um bom uso de montagem paralela com flashbacks eficazes aliado a uma motivação mais intensa de Vader em perseguir Obi-Wan. 

Ainda assim, a falta de esmero da cineasta em relação a todo o resto acaba minando o resultado final de Obi-Wan Kenobi. Isso inclui também o uso intrusivo da fraquíssima trilha musical (algo que sempre foi uma força motriz para a encenação da saga) e do elenco precário, por vezes totalmente perdido.

Irregular ao máximo, a série dilata uma narrativa simples que serviria como um bom filme mais coeso e fluido. Definitivamente Obi-Wan Kenobi merecia coisa melhor após terem tirado a sua paz depois de tantos anos nos desertos implacáveis de Tatooine. 

Obi-Wan Kenobi (Idem, EUA – 2022)

Showrunner: Deborah Chow
Direção: Deborah Chow
Roteiro: Joby Harold, Hossein Amini, Stuart Beattie, Hannah Friedman, Andrew Stanton
Elenco: Ewan McGregor, Hayden Christensen, Vivien Lyra Blair, Moses Ingram, Rupert Friend, Indira Varma, Joel Edgerton
Duração: 40 min por episódio
Emissora: Disney+

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Publicado por Matheus Fragata

Editor-geral do Bastidores, formado em Cinema seguindo o sonho de me tornar Diretor de Fotografia. Sou apaixonado por filmes desde que nasci, além de ser fã inveterado do cinema silencioso e do grande mestre Hitchcock. Acredito no cinema contemporâneo, tenho fé em remakes e reboots, aposto em David Fincher e me divirto com as bobagens hollywoodianas.

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