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Crítica | One Day at a Time: 2ª Temporada – O Amadurecimento da Família Alvarez

O grande problema com as sitcoms atuais é conseguir se manter no mesmo ritmo a que nos apresentou em seu ano de estreia. Em diversas produções contemporâneas, a rapidez com a qual as produções acontecem muitas vezes impedem os componentes de determinada equipe em perceber falhas e erros que facilmente seriam previstos antes de chegarem a um público que, desde as últimas décadas do século passado, nunca deixou de se encantar com a leveza e a sutileza – e muitas vezes a canastrice proposital – trazida por séries de comédia. Talvez Gloria Calderon Kellett e Mike Royce tivessem a triste oportunidade de ceder a esses equívocos amadores ao retornar para mais uma parceria com a Netflix, mas felizmente One Day at a Time encontra um terreno fértil para se reinventar e emocionar ainda mais seus crescentes fãs.

A principal ideia da segunda temporada, que mais uma vez começa e termina em um piscar de olhos, é mostrar de que forma a família Alvarez lida com as intermináveis mudanças do ano predecessor, mantendo sua união e sua herança cubanos ao mesmo tempo que enfrente diversos obstáculos para chegar a conclusões epifânicas inesperadas – pelo menos dentro de um contexto cômico como este aqui. E, levando em consideração que já conhecemos os personagens principais que farão parte dessa jornada, os showrunners não veem o porquê de esperar certo tempo para nos apresentarem ao primeiro baque – uma dura crítica à xenofobia e ao preconceito racial que acometem nossos queridos protagonistas, principalmente Alex (Marcel Ruiz), que agora encontra-se no ápice da puberdade.

Kellett e Royce, em colaboração a uma competente e habilidosa equipe criativa, fazem questão de trazer temas importantes e necessários à discussão – ainda mais levando o panorama dos dias de hoje. Em meio ao levante ocidental de governos de extrema-direita, manter o nível de coesão crítica acerca das angústias e dos problemas diários das minorias sociais é um trabalho difícil que muitas vezes tangencia o saturado melodramático e, eventualmente, culmina em uma reflexão vazia. Porém, é necessário lembrar que o show em questão é, antes de tudo, uma comédia, e por isso mesmo não abre mão das convencionais quebras de expectativa como forma de desconstruir um pano de fundo tenso. Com isso, os novos episódios ganham um prospecto muito amadurecido que dosa com sabedoria as vertentes tragicômicas, aumentando não apenas a complexidade de cada persona em questão, mas também de suas múltiplas subtramas.

É claro que uma ou outra narrativa é perscrutada por traços quase surrealistas e propositalmente over-the-top – e não há o mínimo problema com isso. Afinal, o gênero em questão abre portas para que o absurdo dê as caras e mostre que também existe sem parecer algo estranho demais. Aliás, é incrível como o roteiro, aliado à atuação de um elenco de ponta, consegue transformar até a ideia mais inusitada em algo que dialogue de modo crucial com o que cada um dos personagens sente – e isso insurge de forma mais sólida na figura da matriarca Penélope (Justina Machado), cuja performance torna-se ainda mais envolvente e deliciosa que a do ano anterior, ainda mais levando em conta que ela decide ir em busca dos sonhos que abandonou em prol de seu ex-marido e da mãe.

Penélope também se joga em um arco romântico que, apesar de todas as fórmulas que insistem em aparecer, não trilham o caminho esperado. Talvez a maior de suas conquistas no âmbito em questão seja o reencontro com Max (Ed Quinn), bombeiro que trabalhou com ela e com Victor (James Martinez) durante a Guerra do Afeganistão e que reacende certas paixões incontroláveis. E é justamente nesse ponto que o público recebe um balde de água fria muito mais poderoso que o da temporada anterior, visto que Penélope é uma mulher forte e independente e humana, dotada de falhas, defeitos e também de desejos inerentes a qualquer um – e isso não significa que ela vê a necessidade de um homem por perto, mas sim que quer ter um companheiro para transbordar uma vida já cheia de alegria.

Mais uma vez, Rita Moreno encontra-se em seu próprio mundo como a doidivanas Lydia Alvarez, uma mulher sedutora que talvez nunca tenha saído de seus tempos de glória e é a que carrega a cultura cubana para dentro do lar norte-americano supervisionado por sua filha. Agora, mesmo tentando ao máximo manter-se presa às raízes latinas, ela percebe que está na hora de adquirir a cidadania estadunidense de uma vez por todas – e faz isso ao lado do irreverente e também conturbado Schneider (Todd Grinnell), o vizinho inconveniente que todos amam. Moreno e Machado nutrem de uma química essencial que nos carrega de modo fluido até um chocante season finale, no qual a indestrutível relação entre mãe e filha sofre uma brusca oscilação e coloca a perspectiva de cada membro da família em xeque sobre o que acredita e o que pensa.

Elena (Isabella Gomez) talvez seja a personagem que mais ganha foco neste ano. Além de ter se assumido gay para sua família e ser abandonada por um preconceituoso e conservador pai no momento da dança em sua quinceañera apenas para descobrir que Alex vem visitando-o pelas costas de todos – mas, na verdade, é para tentar arrumar as coisas e tentar reuni-los novamente como uma grande família. E como se não bastasse, a série aproveita para explorar tramas que não costumam ganhar foco nas produções atuais: Elena também se joga em seu primeiro relacionamento lésbico com uma pessoa não-binária, Syd (Sheridan Pryce), passando pelos mesmo obstáculos e medos que qualquer outro ser humano também passaria – o que ajuda a reafirmá-la como parte da sociedade.

One Day at a Time é uma série que, diferente de muitas outras, consegue renovar a si mesma ao manter sua identidade principal e explorar sem escrúpulos temas que permanecem como tabu no mundo em que vivemos. Além de continuar em uma construção nostálgica, a segunda temporada se mantém tão envolvente quanto a primeira e já nos prepara para a súbita e já saudosa conclusão.

One Day at a Time – 2ª Temporada (Idem, EUA – 2018)

Criado por: Gloria Calderon Kellett, Mike Royce
Direção: Phil Lewis, Pamela Fryman, Victor Gonzalez, Michael Lembeck, Jody Margolin Hahn, Linda Mendoza
Roteiro: Whitney Blake, Gloria Calderon Kellett, Mike Royce, Norman Lear, Allan Manings, Michelle Badillo, Peter Murrieta, Caroline Levich, Sebastian Jones, Audra Sielaff
Elenco: Justina Machado, Todd Grinnell, Isabella Gomez, Marcel Ruiz, Rita Moreno, Stephen Tobolowsky, Sheridan Pryce, James Martinez, Ed Quinn
Emissora: Netflix
Episódios: 13
Gênero: Comédia
Duração: 30 min. aprox.

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Publicado por Thiago Nolla

Thiago Nolla faz um pouco de tudo: é ator, escritor, dançarino e faz audiovisual por ter uma paixão indescritível pela arte. É um inveterado fã de contos de fadas e histórias de suspense e tem como maiores inspirações a estética expressionista de Fritz Lang e a narrativa dinâmica de Aaron Sorkin. Um de seus maiores sonhos é interpretar o Gênio da Lâmpada de Aladdin no musical da Broadway.

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