Onde você estava no dia 11 de setembro de 2001? Muito provavelmente a resposta estará na ponta da língua. Mas e se eu te perguntar onde estava no dia 5 de agosto de 2010? É bem mais difícil de lembrar, não é mesmo? Por uma curiosidade do destino, eu me lembro o que estava fazendo quando os telejornais brasileiros já começavam a anunciar com alarde o desmoronamento da mina San José que tornou os trinta e três mineiros sobreviventes em seus reféns por setenta dias. Ainda cursava o segundo ensino médio na época e não dei muita atenção ao fato – só fui procurar me informar sobre o ocorrido no dia do resgate.
A história por si só já é fortíssima. Tem todos os requintes de uma obra adaptada para as telonas poderia pedir: uma catástrofe, conflitos psicológicos, temática de sobrevivência, viver no extremo, luta de familiares, saudades, amor, chances de redenção eu um grande e gordo final feliz. Às vezes, por uma simples ironia, o destino é o melhor roteirista que Hollywood pode pedir.
Feliz do texto dos quatro roteiristas que trabalharam em cima do livro de Hector Tobar que possui os direitos autorais sobre essa propriedade intelectual – hoje, os mineiros estão desempregados e abandonados depois da fama. Mesmo com esse monte de gente trabalhando em cima de uma história só, o roteiro do longa agrada e é coeso no limite do possível. Porém, convenhamos, com uma história fantástica dessas não é lá uma obra tão impossível.
Como esperado, não há ênfase para desenvolver os trinte e três mineiros e suas famílias. Eles se concentram em algumas figuras-chave. No caso, os mineiros Mario – que se assume como líder diante a calamidade, o chefe de segurança Luiz Urzua, o alcoolotra Dario e sua irmã Maria e o ministro das Minas, Laurence. Os outros mineiros e suas famílias servem apenas para preencher quórum quando a diretora Patricia Riggen precisa agregar mais valor de produção aos planos. Nas demais vezes, os roteiristas se limitam a usar conflitos da vida real dos mineiros como no caso de Yonni que é disputado por duas mulheres que o aguardam na superfície, em outro chileno religioso ou no bullying que o boliviano Carlos Mamani sofre com as constantes tiradas dos outros sobreviventes.
Os outros personagens servem também para enfatizar os dramas da situação desconfortável que os mineiros se encontram seja no esboço do drama psicológico, do medo, da terrível fome e o racionamento de comida, da falta de esperança entre outras coisas habituais características de filmes de sobrevivência. Obviamente, isso tira os personagens do plano superficial. Entretanto, o mais esquisito é como o texto desanda a respeito da figura de Mario, o líder, a partir do momento no qual os mineiros entram em contato com a equipe de resgate que está na superfície. Há uma pressa e necessidade de criar um conflito que serve apenas para constar na lista – como a fama mundial afeta o comportamento de Mario em relação aos seus companheiros. É um conflito estupido que se resolve mal.
Já na superfície, a dinâmica do texto também é boa na primeira metade do longa perdendo um pouco o rumo nos momentos finais. Nesse núcleo, acompanhamos os esforços dos familiares representados por Maria Segovia para cobrar soluções do governo Piñera, este, representado pelo Ministro das Minas Laurence. Em certo momento, o texto até prepara um interesse romântico entre os dois, mas logo deixa de lado. Os personagens só possuem a força que tem graças às ótimas atuações de Juliette Binoche – que mostra sua incrível versatilidade ao retratar a latina um tanto histérica e desesperada, Maria – e Rodrigo Santoro – interpretando um político santo que realmente se preocupa em salvar todos os mineiros.
Novamente, a força da história se reflete no trabalho da diretora que tem vislumbres criativos bons, porém óbvios. O maior mérito é o fato do longa ter sido filmado totalmente em locação do início ao fim – as minas utilizadas para simular a de San José ficam na Colombia enquanto o restante é filmado de fato no Chile.
A posição dela trata com cinismo os esforços do governo apresentando logo de cara o presidente Piñera como uma figura apática – me faz pensar como ela retrataria Bachelet, caso fosse a presidente na época. Depois, reforçando o desdém pelo governo, ela exibe contrastes do alto poder que oferece ajuda procurando melhorar a imagem da gestão enquanto o povo se desfaz em lágrimas aplaudindo o governo “salvador”.
Patricia Riggen entende bem de cinema latino, já que ela mesma é mexicana. Logo a pegada é latina. Trabalho intenso de câmera na mão – movimentos bem livres que disfarçam a encenação, cenas de cotidianos para planos de cobertura, além de valorizar muito bem o belíssimo Deserto do Atacama com planos estonteantes. Com os atores, os guia para a nossa histeria características o calor latino, a afobação, o festim diabólico que vira qualquer notícia extraordinária para os canais sensacionalistas, o circo que se forma ao redor da mina, além de martelar diversas vezes a nossa forte presença religiosa – os Hermanos não são tão diferentes dos brasileiros.
Entretanto, ela sabe conduzir bem o filme que consegue te emocionar até certo ponto. Só há verdadeiramente uma única cena que se sobressai e revela um pouco do possível brilho de Riggen como cineasta – e não, não se trata da boa sequência do desmoronamento da mina. A simbologia utilizada é óbvia – Danny Boyle fez o mesmo em 127 Horas, a já bela e plural fotografia barroca de Checco Varese se torna fabulosa e o roteiro conquista com algumas piadas, mas quase tudo é destruído graças a um humor non sense ridículo e fora de tom que por muito pouco não joga a beleza da cena no lixo.
Varese realiza um trabalho ótimo em todo o filme, preocupando-se sempre em manter uma pluralidade de cores saturadas – representando o calor latino, e explorando bem os diversos modos para fazer a luz principal dos mineiros confinados – utilizando quase sempre a luz guia instalada nos capacetes dos atores para iluminar uns aos outros. O resultado é ótimo e só mostra o quão eficiente e inventivo o departamento de fotografia pode ser.
De resto, Riggen é uma cineasta eficaz que domina a linguagem. Carrega o filme sem muitas preocupações e cumpre o que promete ser – uma adaptação bem realizada sobre um dos acontecimentos mais marcantes da última década. O que carece mesmo é a tensão e o marasmo que deve ter assombrado a rotina diária dos mineiros.
Os 33 é a adaptação do maior resgate bem-sucedido de pessoas em situações extremas da História. Não espere muita profundidade aqui. Os horrores já trazidos por outros filmes do segmento se tornam meras piadas. É mais um bom filme para nos sentirmos bem – tão família que conhecemos os verdadeiros mineiros, um a um, em um piquenique na praia acompanhados de uma música light. Aliás, prepara-se para ouvir a penúltima trilha do clássico compositor James Horner que realiza um ótimo trabalho agregando tons latinos aliados aos seus coros angelicais vindos de Titanic. Além disso, há um elenco bem localizado com diversos atores latino americanos interessados em fazer um trabalho satisfatório – principalmente Juan Pablo Raba que trabalha bem a abstinência alcoólica de Darío.
Obviamente este longa poderia ser uma conquista cinematográfica, mas realmente preferiu ficar na margem de segurança nesta adaptação. Certamente um bom filme, mas que não triunfa tanto quanto o momento real da glória dos mineiros ao emergir de volta à superfície que encerrou o martírio destas pessoas e a apreensão do mundo no dia 14 de outubro de 2010.