Crítica | Os Muitos Santos de Newark traz um bom fan service de Família Soprano

Não é fácil seguir uma obra-prima monumental, então não é surpresa alguma que Os Muitos Santos de Newark fique bem distante do nível da série

Admito que cheguei bem tarde no trem de Família Soprano. Lançada originalmente em 1999 pela HBO, a série redefiniu o conceito de dramas na televisão, sendo até hoje considerada como uma das obras definitivas que o audiovisual já ofereceu – e cujo enigmático final também ainda é debatido por fãs e pelo criador, David Chase. Mais de 20 anos depois, a saga da família mafiosa volta a fazer barulho com o inusitado retorno a seu universo na forma de um filme prelúdio: Os Muitos Santos de Newark. 

A trama é ambientada cerca de 30 anos antes dos eventos da série, acompanhando a vida e a trajetória de Dickie Moltisanti (Alessandro Nivola) um carismático gângster que está prestes a iniciar uma guerra territorial com um antigo amigo, Harold McBrayer (Leslie Odom Jr). Tudo isso enquanto Dickie tenta ser um exemplo de bússola moral para o filho de seu grande amigo Johnny (Jon Bernthal), a quem considera seu próprio sobrinho: o jovem Tony Soprano (Michael Gandolfini), que precisa lidar com os excessos de sua mãe desequilibrada Lívia (Vera Farmiga) e as escolhas de carreira que o moldarão.

Bada bing!

Quase que como um esquenta para o longa, assisti todas as temporadas de Família Soprano quando a série chegou ao HBO Max no Brasil. É de fato uma narrativa ambiciosa, surpreendente e repleta de elementos valiosos o que não só justifica o grande hiato entre o fim da série e um novo projeto da franquia, mas também a pressão que o filme de Alan Taylor carrega. É um alento ter o próprio David Chase por trás do roteiro (ao lado de Lawrence Konner, veterano de Sopranos e também de Boardwalk Empire), já que o texto é fiel ao estilo de linguagem e caracterização dos personagens vistos na série: é o mesmo universo, com uma nova visão e novos temas.

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O problema vem com a indecisão. Ao longo de enxutos 120 minutos, Chase e Konner querem abordar muitos temas (as lutas raciais dos EUA parecem ser o principal), mas nunca há o desenvolvimento apropriado para nenhuma delas. São arcos que se resolvem fora da tela, personagens que nunca justificam sua presença e um gosto de quero mais pelo elemento que realmente deve atrair os fãs: a juventude de Tony Soprano. Através de cenas que concretizam momentos mencionados em diálogos na série, a origem do grande mafioso certamente garante o ponto alto da produção, especialmente ao espelhar a relação que este viria a ter com o personagem de Michael Imperioli (que tem aqui uma mórbida participação) na figura do Dickie de Nivola.

E se Os Muitos Santos de Newark funciona, é por conta dos dois. Alessandro Nivola sempre foi um ator subestimado (quem lembra do Billy de Jurassic Park 3?), e o papel de Dickie é a oportunidade para qualquer um brilhar. Nivola se sai bem ao explorar a vaidade e a elegância do gângster, assim como sua complicada relação com o personagem de Ray Liotta e também com o próprio Leslie Odom Jr – a troca de olhares que os dois compartilham em meio a um tiroteio é um momento de silêncio que praticamente incendia a tela. O mesmo se aplica a Michael Gandolfini, que obviamente se beneficia da gigantesca semelhança com seu falecido pai, James, mas é capaz de trazer muita ternura e momentos de simpatia como o jovem Tony – assim oferece indícios de sua natureza explosiva.

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Rostos conhecidos

O elenco de apoio também se diverte bastante, ainda que sejam mais imitações dos personagens da série do que realmente performances multidimensionais. Vera Farmiga aproveita o nariz falso para uma ótima versão de Lívia Soprano e sua personalidade bipolar, enquanto Corey Stoll é excelente ao captar a personalidade mais frágil (porém raivosa) de Junior Soprano – e sua última fala no filme é daquelas de se elaborar uma série de teorias. Vale também destacar a ótima maquiagem que transforma Billy Magnussen e John Magaro nos icônicos Paulie e Silvio, que infelizmente têm um papel bem reduzido aqui.

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Já na direção, quem conhece Alan Taylor apenas pelo cinema deve ficar assustado, já que Thor: O Mundo Sombrio e O Exterminador do Futuro: Gênesis não são exatamente os melhores créditos para o IMDB. Porém, Taylor é um mestre no ramo da televisão e comandou alguns dos episódios essenciais de Família Soprano, então é apenas natural que seja ele quem comande o novo filme. É um trabalho seguro e que não se arrisca tanto, apenas quando a história toma alguns rumos surreais (algo que a série fazia de forma magistral) em relação a rumos do personagem de Nivola.

Não é fácil seguir uma obra-prima monumental, então não é surpresa alguma que Os Muitos Santos de Newark fique bem distante do nível da série da HBO. É uma forma inofensiva de revisitar alguns personagens, se divertir com fan service e testemunhar boas atuações (e imitações) dentro do universo de Sopranos. Não vai muito além disso, mas serve parar matar a saudade.

Os Muitos Santos de Newark (TMuitos Santos de Newark, EUA – 2021)

Direção: Alan Taylor
Roteiro: David Chase e Lawrence Konner
Elenco: Alessandro Nivola, Leslie Odom Jr., Michael Gandolfini, Vera Farmiga, Jon Bernthal, Corey Stoll, Michela De Rossi, Billy Magnussen, Ray Liotta, John Magaro, Michael Imperioli
Gênero: Drama
Duração: 121 min

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Sobre o autor

Lucas Nascimento

Estudante de audiovisual e apaixonado por cinema, usa este como grande professor e sonha em tornar seus sonhos realidade ou pelo menos se divertir na longa estrada da vida. De blockbusters a filmes de arte, aprecia o estilo e o trabalho de cineastas, atores e roteiristas, dos quais Stanley Kubrick e Alfred Hitchcock servem como maiores inspirações. Testemunhem, e nos encontramos em Valhalla.

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