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Crítica | Peter Pan, de J.M. Barrie

Em pleno século XXI é quase impossível existir alguém que não tenha tido contato com o lendário Peter Pan, principalmente a julgar a explosão de aceitação que o autor, James Matthew Barrie, teve com a estreia da peça teatral Peter Pan, ou O menino que não queria crescer, em 1904.

O clássico, totalmente atemporal, também fascinou os nascidos dos anos 90 através da animação da Disney e conta até hoje com diversas adaptações literárias e cinematográficas. Esta edição, criada pela Editora Martin Claret, é uma versão traduzida do romance original, Peter e Wendy, escrito em 1911.

A história se baseia na tênue ligação entre o mundo dos sonhos e a realidade vivida pelas crianças, já que todas conhecem Peter Pan e os detalhes da exótica Terra do Nunca sem nunca a terem visto pessoalmente. Logo na primeira página somos introduzidos a um dos principais dilemas do livro: o amadurecimento do ser humano e a perda da inocência que temos quando mais novos.

É interessante notar as brechas para imaginação que o autor deixa quando menciona a Terra do Nunca, sempre deixando claro que cada criança tem uma ilha própria em sua cabeça, mas que de alguma forma aquele era o universo onde todas a criam do mesmo modo e se encontram após deitarem em seus travesseiros.

Peter Pan é uma história com milhares de analogias que facilmente poderiam compor um livro de psicologia infantil. Apesar de ser focado no leitor infanto-juvenil, o livro apresenta detalhes, extremamente sutis, que são importantes para a caracterização dos personagens, mas que podem passar batido pela leitura das crianças – como é o caso dos meninos perdidos andarem livremente com facas, punhais e acharem normal a violência, o escalpelamento e o sangue derramado apenas porque sua única figura paterna, Peter, lhes dá esse exemplo. Ele explora a psicologia das crianças nos mostrando a importância da instrução paternal para o desenvolvimento delas como adultas.

Barrie escreve com uma suavidade e sensibilidade impressionante, pois cria uma atmosfera de conversa com o leitor que lembra os pais lendo histórias antes de dormir. Ele constrói o ambiente desde a primeira página e desenvolve a relação dos Meninos Perdidos com os Índios e os Piratas de uma forma natural, que faz o leitor naturalmente comprar os motivos para aquelas guerras – o autor não foi o mais cuidadoso ao narrar algumas partes das cenas de luta corporal, mas vale lembrar que na época em que o livro foi publicado a relação das crianças com guerras era diferente da atualidade, como exemplo os contos dos Irmãos Grimm.

Outro elemento extremamente bem trabalhado são os personagens. Wendy carrega a ideia de que meninas se desenvolvem mais rápido do que os meninos e, realmente, o autor a coloca como a mais madura da história, tornando-a responsável pelas crianças, afinal ela é carregada de instinto materno – que era o grande objetivo da mulher no período em que o livro foi escrito. Também temos o Capitão Gancho, um vilão de conto infantil curiosamente retratado como bonito, elegante e dotado de bons costumes – em outras palavras, é o oposto de Peter, que é a personificação da presunção e arrogância quando se trata dos bons modos apreciados pela Inglaterra. Ainda sobre o Peter Pan, podemos dizer que é um garoto bem ordinário, com sua dualidade explícita: ora bom, ora traiçoeiro – é uma inteligente forma de aproximar ainda mais as crianças do personagem, pois mesmo com todos os defeitos, sua lealdade aos Meninos Perdidos e à Wendy cativa e evidencia o ponto principal trabalhado no livro: a pureza da infância.

Em meio a inocência que permeia os meninos e a força exalada pelas personagens femininas, Barrie nos mostra interesses românticos de Wendy, Sininho e Tigrinha em relação a Peter Pan. Através de algumas falas e ações, como beliscões e beijos reprimidos, é bem notável que há sentimentos como ciúmes e afeição ali, mas o autor mal os explora, afinal são apenas crianças que não tem quase nenhuma noção a respeito disso. É muito divertido vermos que quem toma qualquer iniciativa na brincadeira de “casinha” nunca é o Peter, mas sim Wendy, reforçando ainda mais a ideia de admiração que o autor tinha sob as mulheres serem mais desenvolvidas.

Definitivamente, Peter Pan não é um mero livrinho infantil que conta a história de um menino que não cresceu e ficou pra sempre sobrevoando e tendo divertidas aventuras na Terra do Nunca, é uma fantástica crítica ao abandono, a exposição à violência e o medo do tempo que todos nós temos – até mesmo os adultos, como Gancho, que teme a morte pelo crocodilo “Tic Tac”.

Além da gigantesca qualidade textual de Barrie, as ilustrações de Weberson Santiago misturam primorosamente caneta e aquarela tornando o livro ainda mais bonito. Os capítulos são lotados de cores extravagantes para mostrar a vivacidade dos seres e paisagens da Terra do Nunca.

A edição, repleta de notas de rodapé, é finalizada com um apêndice incrível, que traz explicações e curiosidades sobre a obra e suas relações com o meio externo – como a escolha dos nomes da família Darling, a relação de Peter com o deus da mitologia grega Pan, hábitos ingleses da época, definições dos seres fantásticos e a predileção do autor por piratas e índios. Sem contar com as perguntas para reflexão da leitura e sugestões de atividades, minimamente explicadas, focando objetivos didáticos. É uma ótima forma de levar a história a outros níveis de aprendizado ministrado pelos pais ou professores de turmas.

Em suma, Peter Pan, apesar de suas poucas páginas, é um livro recheado de aventuras e cenas singelas, mas que trazem consigo uma mensagem de suma importância tanto para as crianças de outrora, como as de hoje, principalmente aquela que vive nos corações dos adultos.

Redação Bastidores

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