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Crítica | Punho de Ferro – 1ª Temporada

A parceria entre a Marvel e a Netflix tem rendido alguns dos melhores frutos que ambos já receberam ao longo de sua História. O sucesso avassalador das duas temporadas de Demolidor e as recepções críticas favoráveis de heróis B como Jessica Jones e Luke Cage ajudaram a pavimentar um novo caminho para séries de TV de heróis e até um gigante plano que envolve a união de todos os vigilantes urbanos da editora em Os Defensores, que será lançada no serviço de streaming no segundo semestre – além de um inesperado spin off do Justiceiro de Jon Bernthal, que chamou sua atenção na série do Demônio de Hell’s Kitchen.

A última peça do quebra-cabeças, porém, é Danny Rand e seu alter ego do Punho de Ferro, a última das quatro séries originais encomendadas pelo Netflix em 2014, e o último Defensor para fechar a primeira formação do grupo na televisão. Mas ao contrário de seus antecessores, a nova série foi recebida com um ataque furioso da crítica, que a taxou como uma das piores produções da Marvel de todos os tempos, além de absurdas – e infundadas – acusações de white washing, que só piorou com a nada delicada reação do ator Finn Jones; culpando até Donald Trump pelo massacre crítico da obra, além da velha desculpa de “o show é feito para os fãs, não para críticos”. Bem, talvez seja todo o hype negativo ou o fato de que pessoalmente nunca achei grande coisa das séries da Netflix, mas a verdade é que Punho de Ferro não é ruim como fora reportado, mas definitivamente tem problemas graves.

Temos início em uma movimentada avenida de Manhattan, quando um descalço e sujo Danny Rand (Jones) retorna para sua cidade natal e a poderosa empresa que seus pais lhe deixaram como herança após um acidente de avião matá-los. Danny foi o único sobrevivente do desastre, caindo no Himalaia e recebendo um exótico treinamento com monges, que o ajudaram a invocar e lutar sob o espírito budista do Punho de Ferro. Assim, Danny precisa convencer seus amigos – no controle da empresa – de quem ele realmente é e usar seus poderes e habilidades de Kung Fu para enfrentar e derrotar a organização criminosa conhecida como o Tentáculo; chefiada pela enigmática Madame Gao (Wai Ching Ho), já tendo ambos aparecido algumas vezes em Demolidor.

É uma introdução que nos remete muito à estrutura de Batman Begins e até à série Arrow, com o retorno de um bilionário herdeiro que todos esperavam estar mortos, mas que na verdade estava em alguma locação exótica treinando artes marciais e agora visa limpar o crime em sua cidade. A diferença de Punho de Ferro é que o showrunner Scott Buck passa um tempo considerável nessa transição, com Danny tendo dificuldade em comprovar a seus colegas quem é de fato; quando Bruce Wayne retornava à Wayne Enteprises em Batman Begins, todos simplesmente aceitavam sua milagrosa ressureição e se adaptavam a isso. Com Danny, ele é literalmente jogado em um hospital psiquiátrico no segundo episódio, já que todos creem se tratar de um mendigo maluco ou algum golpe empresarial, sendo um impostor se passando por Rand. Se por um lado acaba atrasando a progressão dos eventos da história, esse dilema acaba acompanhando o personagem e até serve como uma boa metáfora, já que sua personalidade ainda divide-se entre ser Rand ou ser o Punho de Ferro; então, essa decisão de colocar uma dúvida externa acaba soando surpreendentemente eficaz.

Somos então jogados no mundo corporativo da Rand Industries, onde o núcleo dos irmãos Ward e Joy Meachum (Tom Pelphrey e Jessica Stroup, respectivamente) acaba tomando grande parte da trama. A chegada de Danny causa um frisson na vida dos dois, vide que o jovem forasteiro traz uma mente ingênua do mundo dos negócios e acaba forçando sua empresa a tomar decisões que honrem o bem maior – mas que acabam provocando quedas em seu setor econômico e provocando a ira dos engravatados da diretriz. É um núcleo que funciona quando temos a personalidade quase hippie de Danny interferindo naquele mundo vastamente diferente (admito, nunca vimos Bruce Wayne realmente sentar e discutir negócios de sua empresa bilionária), mas que acaba fadado ao tédio quando o foco recai sobre os irmãos Meachum, pobres vítimas de uma trama sem graça e movida por diálogos horríveis, com uma relação tão confusa que por um momento suspeitei que fosse algum tipo de incesto.

O núcleo coadjuvante mais interessante acaba recaindo sobre Colleen Wing (Jessica Henwick), uma instrutora de artes marciais que acaba conhecendo Danny e ajudando-o a colocá-lo de volta a seu caminho. Decerto que algumas revelações envolvendo a personagem, que vão desde um passado com o Tentáculo até o fato de ela… Ser professora particular da enfermeira Claire Temple (Sim, Rosario Dawson) acabam soando como gigantescas coincidências e conveniências de roteiro completamente artificiais, mas a relação entre Colleen e Danny é feita com mais naturalidade, algo que se deve também à química certeira de seus intérpretes, com Finn Jones revelando um incrível carisma e a habilidade de conseguir transportar todas as características de Danny, desde sua personalidade de crianção (especialmente no núcleo empresarial), sua devoção quase cega aos ensinamentos do Punho de Ferro e toda a fisicalidade que o papel exige, algo que vemos bem transposto quando Jones medita, se alonga e faz todas as poses de kung fu esperadas.

Assim, a narrativa de Punho de Ferro acaba atropelando diversos blocos. Poucas séries criadas sob o formato do binge watching surgem tão episódiocas quanto essa, com Danny Rand enfrentando situações diferentes, enquanto seus blocos coadjuvantes parecem estar atuando em uma série completamente isolada, com pouquíssimas conexões com o núcleo central. O rumo também perde-se constantemente, com os roteiristas inventando diversas reviravoltas envolvendo os momentos do Tentáculo, que estão infiltrados na Rand, antigos companheiros do monastério de Danny e até uma repentina viagem à China, em blocos que não soam contínuos e acabam sendo difíceis de atravessar, vide a montagem defeituosa. E o que falar de Claire Temple, que só está ali para trazer easter eggs e oferecer as piores falas de alívio cômico de todos os tempos? Até mesmo a atriz parece nitidamente estar levando tudo na piada.

E se todas as séries da Netflix tinham algo irrefutável, era a presença de um antagonista memorável. Com Punho de Ferro, além da figura enigmática de Madame Gao e o Tentáculo, temos a duvidosa presença de Harold Meachum (David Wenham), pai de Ward e Joy que foi milagrosamente ressuscitado da morte pelo Tentáculo, e vive em segredo em uma luxuosa cobertura no centro da cidade; com Ward sendo o único que tem ciência de sua existência. Infelizmente, nenhum dos Meachum chega no nível de um Rei do Crime, um Kilgrave ou pelo menos um Boca de Algodão, ainda mais pela série constantemente oferecer reviravoltas que parecem mudar nossa percepção acerca dos personagens; nunca fica claro quem é o vilão da história, ou quais as intenções de Harold.

Sua relação com Ward é interessante, e remete muito ao tipo de paternidade defeituosa que vemos em Norman e Harry Osborn, a família do Duende Verde que inferniza a vida do Homem-Aranha. É possível compreender a humilhação sofrida por Ward, assim como o velho clichê do favoritismo do pai pelo amigo que é “o filho que nunca teve”, algo que se aplica assim que Danny descobre sua condição, mas que jamais realmente torna mais forte o conflito entre os dois, ou a motivação clara de quem o protagonista realmente precisa enfrentar – e isso só torna mais confuso na segunda metade da temporada, quando um novo representante do Tentáculo acaba assumindo as rédeas da história.

Porém, a série acaba errando feio naquele que deveria ser seu ponto alto: ação. Sendo um protagonista treinado sob um monge místico de artes marciais, toda a coreografia apresentada nas cenas de ação é da mais mundana e genérica possível, e isso é inadmissível para um seriado cujo lore está justamente nessa área. Nem mesmo a condução dos inúmeros diretores ajuda (até mesmo RZA assume a direção de um dos episódios), todos com planos fechados demais, uma mise en scène confusa e uma montagem horrível que nem disfarça os inúmeros erros de continuidade em movimentos e ações, assim como a artificialidade dos poderes de Danny – logo no primeiro episódio, o momento em que o protagonista salta sobre um taxi é de um amadorismo ofensivo, e o clímax comete o crime de lembrar a todos nós da existência da Mulher-Gato de Halle Berry. As únicas cenas de luta minimamente empolgantes são as brigas de gaiola com Colleen, que impressionam pela brutalidade de seus oponentes.

No fim, esse Punho de Ferro certamente não é tão ruim quanto todas as críticas vinham apontando, sendo consideravelmente mais interessante e com personagens mais carismáticos do que outras séries sob o selo da Marvel Netflix. Falta à série uma sofisticação em seus quesitos técnicos e na estrutura geral da história, que acaba confusa e desconexa em diversos momentos, algo que também é fruto da defeituosa e cansativa estrutura de 13 episódios.

Punho de Ferro – 1ª Temporada (Iron Fist – Season 1, EUA – 2017)  

Criador: Scott Buck
Direção: Jon Dahl, Farren Blackburn, Uta Briesewitz, Deborah Chow, Andy Goddard, Peter Hoar, Miguel Sapochnik, Tom Shankland, Stephen Surjik, Kevin Tancharoen, Jet Wilkinson
Roteiro: Scott Buck, Gil Kane, Roy Thomas, Dwain Worrell, Tamara Becher, Pat Charles, Quinton Peeples, Scott Reynolds, Ian Stokes, Christian Chambers
Elenco: Finn Jones, Tom Pelphrey, Jessica Stroup, Jessica Henwick, Rosario Dawson, David Wenham, Wai Ching Ho

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Publicado por Lucas Nascimento

Estudante de audiovisual e apaixonado por cinema, usa este como grande professor e sonha em tornar seus sonhos realidade ou pelo menos se divertir na longa estrada da vida. De blockbusters a filmes de arte, aprecia o estilo e o trabalho de cineastas, atores e roteiristas, dos quais Stanley Kubrick e Alfred Hitchcock servem como maiores inspirações. Testemunhem, e nos encontramos em Valhalla.

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