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Crítica | Quase 18

Deve até soar um pouco cansativo quando ouvimos que teremos um novo filme “coming of age” sobre os problemas da adolescência e os difíceis problemas que essa fase traz, especialmente no colégio. Cineastas como Johh Hughes foram bem capazes de explorar essa questão nos anos 80, com um senso de humor único e um melodrama sutil que entregava uma mensagem afetiva, e mais recentemente tivemos casos como Boyhood, O Maravilhoso Agora, A Mentira e até o surpreendentemente doce e pervertido Superbad.

Não seria um exagero pensar que o gênero já havia explorado todo seu potencial, dada a qualidade das obras citadas acima. Porém, claramente é um erro, já que o ciclo da adolescência é um looping que se repete por gerações e gerações, o que praticamente garante que veremos muitas histórias do tipo pela frente – afinal, muitas destas são inspiradas na própria experiência de seus realizadores. Esse caráter fica bem claro em Quase 18 (por pouco o título não é confundido com um besteirol), que oferece uma ótica muito diferente e original para o tema, e ouso dizer que talvez seja o melhor exemplar do gênero dos últimos anos. 

Simplíssima, a trama nos apresenta à Nadine (Hailee Steinfeld), uma adolescente de 17 anos que tem muita dificuldade para se encaixar aos demais colegas de sua faixa etária (rotulando-se como uma “alma velha”), algo provocado por sua personalidade irônica e, por falta de definição melhor, fora da caixinha. Sua única amiga é Krista (Haley Lu Richardson), mas tudo desanda quando esta começa a namorar seu irmão Darian (Blake Jenner), o que faz as duas se afastarem e Nadine ter uma bizarra crise de identidade, levando-a a desabafar com um professor aparentemente desinteressado (Woody Harrelson), ter uma relação embaraçosamente mais próxima com sua mãe (Kyra Sedgwick) e se aproximar de um estudante de cinema tímido (Hayden Szeto).

Eu sei, eu sei. Com a leitura da sinopse, você provavelmente pensaria que isso é mais um drama adolescente descartável e clichê; eu pensaria o mesmo, e nem quero arriscar em assistir ao trailer, visto que é um filme dificílimo de se vender sem torná-lo algo piegas. Porém, o que a estreante Kelly Fremon Craig faz com o material é algo verdadeiramente especial, vide tamanha honestidade e veracidade com que pinta sua história. Claro, todos os eventos e situações que acabam se desenrolando não são necessariamente originais (como acidentalmente mandar uma mensagem erótica para o crush, fugir de casa para um encontro), mas o tratamento de Craig a elas é o que torna tudo tão fresco e envolvente – até mesmo a abertura com um prólogo que se ambienta no meio da narrativa já desperta nosso interesse – assim como a presença fortíssima de sua protagonista.

Nadine é uma personagem como poucas no cinema americano recente. Verborrágica e simplesmente incapaz de parar de falar, seja com outros ou consigo própria, o que por si só é interessante considerando sua personalidade antisocial; quase como usar o discurso como forma de se manter isolada de interações sociais de verdade, o que constantemente a coloca em conflito consigo mesma (“por que você é tão esquisita?” resmunga ela no espelho durante uma festa desconfortável). Esse comportamento também resulta em Nadine dizer diversas coisas repreendíveis ou simplesmente erradas, como quando faz um jogo psicológico com seu irmão ao trazer à tona a morte de seu pai ou quando apela para um melodrama radical ao dar um ultimato para Krista sobre a relação das duas, sem nem ao menos pensar sobre. É uma personagem que mantém nosso interesse a admiração mesmo durante suas decisões mais infelizes – em determinado momento, me peguei observando uma escolha curiosa de vocabulário da menina, apenas para que segundos depois ela fizesse exatamente a mesma observação, já demonstrando como Craig foi capaz de criar uma figura que já conhecemos integralmente com pouco tempo de projeção.

Mas é quando Nadine revela o real drama de sua situação que o texto de Craig realmente fica mais especial. O grande problema da protagonista não é como aqueles a seu redor, mas consigo própria. Em uma das muitas divertidíssimas cenas com o professor vivido por Woody Harrelson, ela comenta sobre como é incapaz de se encaixar e que não tem o menor interesse nisso – constatação para a qual ele brilhantemente replica “talvez as pessoas simplesmente não gostem de você”, gerando aqui um personagem que constantemente zomba e contraria sua aluna, mas que claramente forma um vínculo forte e de apoio. Porém, quando Nadine tem uma aguardada redenção catártica com seu irmão, percebi o caráter majestoso da prosa de Craig. É quando Nadine percebe que está infeliz consigo mesma, “que sua alma projeta-se para fora do corpo e fica triste com o que está vendo, e desesperada por ter que conviver com isso pelo resto da vida”, que Quase 18 toca em questões universais e profundamente identificáveis. Isso é simplesmente uma jóia de prosa.

É um papel difícilimo e que depende muito da força de sua atriz para funcionar, e fico extasiado em observar como Hailee Steinfeld lidou com o desafio de forma fantástica. Desde sua estreia sensacional nos cinemas com Bravura Indômita, em um longíquo 2010, fiquei esperando para ver a grande promessa daquele filme se concretizar nas telas, decepcionando-me com a escolha pouco criativa de Steinfeld para uma variedade de papéis esquecíveis e uma carreira musical sem muito impacto. Nadine era exatamente o que Steinfeld precisava. Da mesma forma como Olive em A Mentira revelou o carisma imenso de Emma Stone, Nadine é um canivete suíço de emoções e nuances, de um humor ácido e palavrões que brotam a todo momento, e Steinfeld está absolutamente excepcional em todos os momentos – em especial na reconciliação com seu irmão, mencionada ali em cima.

Quase 18 é uma fantástica surpresa. É um filme pouco inventivo em termos de direção, mas que funciona por manter a força de seus excepcionais personagens e do excelentee sincero roteiro, que já coloca Kelly Fremon Craig como um nome para se seguir de perto. Que as angústias e dramas da adolescência continuem gerando obras tão inspiradoras e envolventes como esta.

Quase 18 (The Edge of Seventeen, EUA – 2016)

Direção: Kelly Fremon Craig
Roteiro: Kelly Fremon Craig
Elenco: Hailee Steinfeld, Woody Harrelson, Haley Lu Richardson, Blake Jenner, Kyra Sedgwick, Hayden Szeto
Gênero: Comédia, Drama
Duração: 104 min

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Publicado por Lucas Nascimento

Estudante de audiovisual e apaixonado por cinema, usa este como grande professor e sonha em tornar seus sonhos realidade ou pelo menos se divertir na longa estrada da vida. De blockbusters a filmes de arte, aprecia o estilo e o trabalho de cineastas, atores e roteiristas, dos quais Stanley Kubrick e Alfred Hitchcock servem como maiores inspirações. Testemunhem, e nos encontramos em Valhalla.

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