Além da fase dos super-heróis, Hollywood beberica de outra fonte. A era dos chick flicks está acabando, finalmente. Chegamos a época das comédias adultas que, ironicamente, englobam uma parcela do público juvenil chick flick. Entretanto, outro sub-gênero tem chama a atenção dos produtores hollywoodianos. Os musicais estão voltando na moda graças às peças monumentais da Broadway. Ora, exemplos recentes são encontrados com o mínimo esforço. Os divertidos e muito bem executados “Os Produtores”, “Hairspray” e “Mamma Mia” seguem essa nova linha. “Ah, que paraíso!”, exclamam os chefões das produtoras megalomaníacas. Sim, eles conseguiram novamente. Juntaram a Hollywood viciada em adaptações de grana fácil com as peças de teatro da prestigiosa Broadway. A vida é boa.
Dois jovens, Drew e Sherrie, têm seus destinos interlaçados. Ela abandonou sua cidadezinha e encontrou um garoto da cidade A vida de superastro é uma ambição antiga para os dois, mas para atingir tal sonho, é preciso começar por baixo. O Imponderável age e ambos começam a trabalhar na casa de shows The Bourbon Room que está com a conta no vermelho devido à ausência de visitas de famosos e novas promessas do rock n’ roll. Ele, assistente de palco aspirante a cantor. Ela, garçonete com fibra de artista. Juntos, uma história de amor fadada a inúmeros desafios.
Dennis Dupree e seu fiel amigo, Lonny, gerenciam a Bourbon Room e, obviamente, estão desesperados com a situação financeira. Mas a sorte bate a porta da boate. Paul Gill, agente do mega/hiper/superastro Stacee Jaxx arranja um show da lenda viva do rock na casa. Entretanto, Jaxx não está em sua melhor forma. Afundado em doses de uísque e sem novas músicas, o cantor vive do sucesso de suas canções antigas. Entretanto, a vinda de Stacee mudará o destino de todos os outros, para pior. A sorte também não sorri para o embriagado cantor. Uma repórter da Rolling Stone trará surpresas a ele. Fora que uma ativista religiosa, esposa de um candidato a prefeito de L.A., tenta expurgar Stacee Jaxx e suas canções deste planeta.
Uma Era de Rock ‘n’ Roll
Nem posso afirmar os méritos originais dos roteiristas de “Rock of Ages”, afinal, trata-se de uma adaptação a partir de uma peça da Broadway. Aliás, não há muitos méritos no roteiro básico de Justin Theroux, Chris D’Arienzo e Allan Loeb. Três cérebros para um resultado para lá de mediano, porém divertido. Eles cumprem sua função primária – e olha que tem escritor por aí que nem consegue ao menos isso. A narrativa é muito simples. O espectador que prestar o mínimo de atenção entenderá perfeitamente a conclusão da obra.
Entretanto, não é justo avaliar um filme despretensioso com critérios para analisar Bergman. A história manjada não me incomodou em momento algum. Aqui, temos o desenvolvimento ordinário como o de qualquer outra comédia romântica – menino conhece menina, se apaixonam, um grande mal-entendido leva a ruptura da relação, catarse de uma das partes, o reencontro, casal acaba junto e feliz para sempre. O roteiro também se aproveita de muitas muletas para encaminhar essa linha narrativa fácil. Em determinado momento, uma garçonete – que o público nunca havia visto mais gorda, ou seja, nunca tinha aparecido e que também nunca mais aparecerá na projeção, surge e dá um conselho de vida para a pequena e ingênua Sherrie.
O problema não reside na solução primária, mas sim no meio que isso acontece. Qualquer outro personagem existente poderia ter desempenhado o mesmo papel. Aliás, teria rendido um diálogo melhor. Depois de um tempo, o espectador aceita com mais facilidade algumas situações impostas pelo roteiro cheio de estereótipos e clichês. Sim, temos aqui a clássica cena do casal apaixonado conversando atrás do famoso sinal de Hollywood – não é preciso olhar muito para trás para encontrar uma situação igualzinha a essa ou até mais criativa no recente “Amizade Colorida”.
Nesse ponto do texto, o leitor já deve ter entendido que o filme é excessivamente previsível, cheios de conflitos primários e, pior, dura mais do que deve, pois em determinado ponto a história encontra-se tão saturada que até Jó ficaria sem paciência. Dá-lhe coadjuvante para aturar o casal protagonista por duas horas. Encare assim, “Rock of Ages” é uma chanchada muito bem produzida. Compare: a história é completamente fugaz e só serve para encaixar os excelentes números musicais, personagens estereotipados e sexualizados com pinceladas pontuais cheias de sátiras bem humoradas.
Entretanto, existem prós nesse roteiro precário. As saídas para inserir os números musicais são interessantes e criativas. E, por mais incrível que pareça, os personagens deixam o semblante unidimensional a partir da metade da fita quando finalmente temos uma sequência muito bela apresentando os novos conflitos que sustentarão a trama no sofrível terceiro ato. Há, também, uma reflexão interessante sobre o bom e velho rock n’ roll e a ex-modinha das inescrupulosas boys band – mas como havia escrito antes, é bem provável que este seja um mérito da obra original. Para listar uma última característica estapafúrdia do texto destes cavalheiros, em determinado momento, Sherrie conhece uma “mentora” – muitos marmanjos vão babar nesse segmento da projeção. Essas são, de longe, as piores partes do filme, pois além de todo o viés da personagem ser clichê, horrível, o espectador é obrigado a ouvir diálogos “lenga lenga” chatíssimos, além de, claro, uma lição de moral sobre o amor super desinteressante.
Já li em alguns fóruns por aí que todo musical tem uma história ruim. Isso é completamente equivocado. Grandes musicais como “A Noviça Rebelde”, “Mary Poppins” ou “Cantando na Chuva” tem histórias maravilhosas. E o cinema contemporâneo já ofereceu o excelente “Chicago” para detonar de vez essa declaração.
Os atores não comprometem, mas também são poucos os que não conseguem quebrar a barreira da superficialidade do roteiro. Por exemplo, repare na bela Julianne Hough que interpreta Sherrie. Ela dá para o gasto – sabe dançar a coreografia e canta bem com a ajuda da pós-produção. Enfim, o que incomoda é que a garota não desenvolve nada. Não há o que procurar naquela personagem mais rasa que piscina para recém-nascido. Aquilo que o roteiro propõe, é o que essa moça oferece – nada. Nem mesmo quando o texto oferece um pseudodrama. Atualmente, parece que para atuar em Hollywood, basta ter uma carinha bonita.
O desempenho de Julianne Hough não teria sido um problema, caso o elenco inteiro fosse ruim. Não é o que acontece. Entenda, os personagens são completamente caricatos e a atriz resolveu fazer algo diferente, algo mais “sóbrio”. Isso acabou destoando à personagem do contexto propositalmente ridículo do filme – Opa! Esse é um ótimo sinal que a direção não estava atenta em seu elenco! Até mesmo a medíocre Malin Akerman se sobressai e capta com facilidade a essência de sua personagem – a repórter da Rolling Stone. Entretanto, surgiu uma luz no fim do túnel para Julianne. Sua parceira de cena no terceiro ato, Mary J. Blige é igualmente ruim. A própria concepção da personagem já é péssima e, infelizmente, a atriz não é uma exceção à regra. Enfim, Blige entrega a atuação que todos nós já vimos em diversos outros filmes. Ela é uma xerox perfeita das Mama’s Soul da antiga Louisiana. Misericórdia! Até mesmo suas falas parecem copiadas de outros filmes. Graças aos céus, ou aos produtores minimamente sensatos, que sua personagem tem pouquíssimo tempo em tela.
Já Diego Boneta consegue superar o roteiro e faz um Drew Boley interessante. Catherine Zeta-Jones está ótima como Patricia Witmore em sua cruzada para acabar de vez com Stacee Jaxx. Entretanto, os maiores destaques são Alec Baldwin, Paul Giamatti e Russell Brand. Cada um deles esbanja criatividade em suas atuações, principalmente Russell tornando seu personagem, de longe, o melhor do longa inteiro.
O hype em cima de Tom Cruise vingou. Ele realmente está excelente e aparenta ter se divertido muito com o papel, afinal ter mulheres belíssimas desmaiando apenas com a sua “orgástica” presença não deve ser algo muito chato. Sua atuação é um liquidificador. Veja bem, misture os trejeitos de Steven Tyler, Mick Jagger, Alice Cooper, Gene Simmons, David Bowie e Steve Perry em um liquidificador. O resultado disso é ultra sexualizado e impagável Stacee Jaxx. Não há o que falar de Tom Cruise. Ele está perfeito no papel. Alguns podem ficar incomodados pela atuação totalmente erotizada – veja bem, até o modo de andar do personagem remete isso. Entretanto, creio que isso causou uma profundidade maior em seu conflito. Stacee está no fundo do poço e praticamente só vive de sexo, drogas e rock n’ roll antigo. Uma hora ele certamente se tornaria aquilo do que vive. É uma pena que o espectador não tenha oportunidade de conhecer um pouco mais o passado do personagem, afinal, em sua excelente apresentação, Cruise já encarna todos os trejeitos decadentes do astro. Aliás, repare que o ator quase nunca esboça um semblante de felicidade. Apesar de toda a sua fama, Stacee Jaxx vive em um pseudo estado letárgico para se alienar do mundo.
Se o espectador retirar todos os traços cômicos do personagem e encarar essa atuação com um pouco mais de seriedade, mesmo que o filme nem peça isso, você encontrará um ótimo argumento para o roteiro de um filme solo desse personagem.
We built this city!
A Warner investiu pesado da produção de “Rock of Ages”. Isso é inquestionável. A qualidade técno-artística desse filme é de cair o queixo. O design de produção de Jon Hutman mais o departamento de arte junta todos os adereços imagináveis do rock n’roll clássico dos anos 80. Graças ao trabalho muito competente dos profissionais que cuidam da arte, é fácil para o espectador ficar totalmente envolvido naquele universo musical e colorido.
Lembro-me de ter escrito há um tempo que o maior sonho ou pesadelo de um diretor de fotografia é trabalhar com o jogo de iluminação de shows ou boates. No meu caso, como aspirante a DF, é um sonho. Digo isso porque a liberdade que o cinematografista tem ao modelar a iluminação é infinitamente maior a que ele teria em uma tomada destinada a diálogos ou a demais externas. E ver um trabalho tão fantástico como o que Bojan Bazelli fez aqui é uma inspiração. O jogo de iluminação é sublime. A fotografia sofre transformações que é de encher os olhos para quem aprecia essa arte tão especial. A luz dança com os atores enquanto vários tons coloridos são misturados em harmonia. Eu iria me estender demais se continuar a escrever sobre a iluminação do longa, mas garanto a vocês que este é um trabalho impecável. Só há um porém na fotografia de Bazelli – o cara não é um gênio de composição, ou seja, existem muitos planos mal construídos em alguns momentos pontuais da obra, mas nada que prejudique a experiência.
Adam Shankman é quem comanda a direção. Ele tinha experiência de outros filmes musicais –“Hairspray” e, com certeza, isso ajudou bastante a melhorar o resultado final. Shankman consegue deixar a história fluída graças aos muitos números musicais, mas não é preciso dizer que o ritmo despenca nas cenas destinadas aos diálogos. Além de sua falha em não conseguir fazer a personagem Sherrie vingar em quase momento algum.
Indo direto ao ponto. Shankman é espetacular na direção dos vários videoclipes. O trabalho de coreografia é impecável sendo um dos melhores que já vi em filme do gênero nessa fase do cinema. A construção das cenas e de sua continuidade – repare nas escolhas dos planos durante as canções, dá arrepios no espectador. Todas contam com uma deixa inteligente e um propósito narrativo significante para dar início ao espetáculo. Além disso, Shankman muitas vezes utiliza o recurso de ritmar as imagens com a música – isso quando a coreografia também já conta com um ritmo viciante. O dom de usar animais exóticos em cena também é forte nesse diretor que exagera na quantidade nos reaction shots destinados ao macaco de estimação de Cruise.
Entretanto, venho aqui destacar a melhor parte do filme em que esse diretor atinge o status tão almejado de gênio – mesmo que apenas por um momento e duvido muito que ele venha a conseguir novamente. Entenda, caro leitor, que evito usar esse adjetivo a todo custo. Estamos num momento em que tudo, tudo, tudo, tudo é encarado como genial, mas discordo em 90% das vezes que alguns dos meus amigos empregam essa palavra de efeito tão grandioso. Enfim, para salvar o terceiro ato da decadência narrativa total, temos um momento espetacular que é, de longe, o melhor do filme inteiro. (SPOILER) Naquele momento, estão Zeta-Jones (perfeita em cena) e Russell Brand (também) enfrentando-se em uma entrevista antes de um show de Stacce Jaxx no Bourbon Room. Ali começa o último medley de canções que Shankman arquitetou de forma brilhante. No meio da discussão, Brand começa a cantar no megafone a eterna “We Build This City” da Starship. Após alguns segundos, Zeta-Jones começa a bater um obstáculo de transito no chão em tempo ritmado e inicia a cantar a também inesquecível “We’re Not Gonna Take It” da Twisted Sister. (Fim do SPOILER).
Meus amigos, a execução desta ligeira cena – cerca de três minutos, mais o som alto do cinema, é algo tão fantástico que garanto a vocês que este será o momento em que sentirão os arrepios de que falei acima. Definitivamente o ponto mais alto de todo o filme, afinal um medley dessas canções foi mais que bem-vindo. Fora que ainda conta com cameos de Sebastian Bach (Skid Row) e Kevin Cronin (REO Speedwagon) cantando junto com Russell!!! Certamente genial e espero que marque história como uma das cenas mais memoráveis do cinema. Sim, a ideia é super simples. E é assim que as coisas geniais da arte devem ser. Simples, cheias de espírito e muito emocionantes. Ao menos na minha opinião. Mas, passado isto, o filme retorna a sua mediocridade até a conclusão sem conseguir empolgar no clímax mesmo com o auxílio de outra canção maravilhosa.
Bom, não poderia encerrar o texto sem comentar a trilha sonora do filme. Há pouco o que dizer – eu adoro Rock n’Roll e suas variantes, no caso, Glam Metal, mais conhecido como rock n’ roll farofa. Enfim, muita gente se divertirá ao relembrar eternos clássicos que marcaram a história do rock. Dentre várias bandas, temos Journey, Starship, Scorpion, Wolfmother, Guns N’Roses, Whitesnake, Def Leppard, Bon Jovi e muitos outros. Creio que nos adultos o efeito será ainda maior. Eles se lembrarão de shows inesquecíveis, de estourar o novo aparelho de som estéreo dos pais que devia ser sensação no momento ao ouvir o verdadeiro e puro rock no máximo, dos vizinhos velhos xingando a juventude alheia, das idiotices da adolescência, das loucuras que aconteciam no meio da multidão fanática pelos astros do rock e, claro, quem sabe, da noite da concepção de seus filhos que mudaram totalmente o rumo de suas vidas.
Don’t Stop Believin’, my friends
Apesar de todos os problemas do roteiro e de algumas atuações, “Rock of Ages” se salva pela produção impecável e, claro, a incrível trilha sonora que conta exclusivamente com interpretações dos próprios atores. E, pasmem, o elenco canta muito bem – destaque para Cruise, Zeta-Jones e Brand. O humor também se faz presente. Algumas cenas esbanjam comicidade sendo que algumas se baseiam apenas na comédia da situação e, ainda, quebram preconceitos da época que perduram até hoje. Caso você ache que não vai se conter durante a projeção, resolver encarnar Steven Tyler e cantar no meio do filme, a Warner lançou uma versão “cante junto” destinada a isso. Procure nos cinemas de sua cidade se há essa versão que até eu fiquei curioso em visitar.
Entregando uma chanchada moderna, “Rock of Ages” cumpre o que havia prometido desde seus trailers. É uma visita despretensiosa muito divertida a cultura dos anos 80 e as músicas da época. Além disso, é uma excelente oportunidade de fazer uma geração totalmente nova a escutar a música de verdade, feita de instrumentos físicos, suor, gargantas arranhadas e de muita inspiração.
A vida é boa, mas certamente é muito melhor quando acompanhada de Rock N’ Roll.