Paul Thomas Anderson atinge seu ápice em seu quinto filme, considerado por muitos como sendo um dos melhores filmes dos anos 2000. Da comédia romântica, Embriagado de Amor, Anderson parte para o épico e traz para as telas uma perfeita reconstrução da corrida pelo petróleo no sul da Califórnia durante a virada do século XIX para o XX. O diretor, porém, como de costume, não permanece na superfície e escava profundamente a mente de seus personagens, trazendo de seus atores, especialmente Daniel Day-Lewis, interpretações que não só nos cativam como nos assustam verdadeiramente.
Os tons frios da fotografia abrem a projeção em uma região deserta. Ali presente somente um minerador em seu buraco procurando por pedras preciosas. Daniel Plainview (Day-Lewis) aos poucos começa a construir sua fortuna e da prata parte para o petróleo, fundando uma pequena empresa familiar, como ele próprio a descreve. Ao lado de seu filho adotado, H.W. (Dillon Freasier), o petroleiro é abordado por Paul Sunday (Paul Dano) que deseja vender o terreno de sua família. A escuridão e a sensação claustrofóbica marcada pela reunião entre os dois já oferece indícios do que poderíamos esperar do restante da obra. As terras que recebe sim, são prósperas, mas o irmão de Paul, Eli (também interpretado por Dano) deseja fundar ali sua Igreja e pouco a pouco assume a posição de principal antagonista do longa.
Similarmente a outros filmes, como Scarface, Sangue Negro retrata a ascensão e queda de um homem. A diferença aqui é que o protagonista se vê bem sucedido em todas as suas ações e seu declínio é em direção à loucura e à paranoia. Honestamente não conseguiria imaginar qualquer outro ator no lugar de Day-Lewis, em sua expressão temos um pai preocupado, um empresário ganancioso, um homem que beira a loucura, proveniente de sua ira reprimida, dentre milhares de outras sensações que nitidamente o personagem parece sentir. O turbilhão de emoções que vivenciamos ao assistir a obra certamente deve muito a cada olhar penetrante do ator, que utiliza todo seu corpo e sua voz para viver Plainview.
Do outro lado temos Eli, que representa não só o vilão, mas Deus e o Diabo ao mesmo tempo. Através dele vemos o julgamento pesar sobre Daniel e chegamos a efetivamente acreditar que uma força superior pune o petroleiro por não ter benzido seu poço. O interessante é como Anderson mantém essa inimizade, inúmeras vezes, em segundo plano. Sunday apenas observa as escavações em alguns planos e sabemos que isso é um mal presságio. A crença do protagonista é finalmente colocada em cheque com o acidente que toma a audição de seu filho e, de alguma forma, ele culpa o pastor pelo acontecido. O roteiro, contudo, não fica no óbvio e trabalha essas questões sutilmente, sem cair no didatismo exagerado e desnecessário, fazendo, portanto, o filme fluir.
Essa fluidez é o que certamente deixa toda a queda de Plainview ainda mais assustadora. Se não formos atentos não percebemos as mudanças no personagem, mais uma prova de quão humano o protagonista realmente é. Anderson deixa nas entrelinhas de seu roteiro, em diálogos bem posicionados o quanto a mente de Daniel está afetada e mesmo diante de todos os defeitos no caráter do homem ainda conseguimos nos identificar, nos relacionar com ele. Fruto evidente do trabalho de direção, que cuidadosamente enquadra o personagem da maneira correta nos pontos chaves – diálogos mais intimistas são marcados por um close, evidenciando toda a angústia do personagem. Suas mentiras, em geral, são mostradas com ele de costas ou de lado e os momentos de maior ação são filmados em planos mais longos, nos fazendo acompanhar o personagem a cada movimento. O maior exemplo disso é Daniel correndo com seu filho nos braços após o acidente, percebam como o cansaço do protagonista praticamente passa para nós, sua angústia e até mesmo seu medo e indecisão na escolha entre cuidar do menino ou salvar seu poço.
Dando vida a todo esse complexo cenário meticulosamente construído, temos a fotografia de Robert Elswit, ganhadora e merecedora do Oscar, que sabiamente emprega tons mais frios nas cenas abertas e um evidente granulado a fim de nos levar de volta para o início do século XX. Observando os campos escavados nos sentimos diante de um verdadeiro western e chega a ser surpreendente como muitos dos planos efetivamente parecem não meras construções cinematográficas e sim fotografias da época (apesar da impossibilidade técnica, em outras palavras, cores). Para construir o declínio do protagonista as cores passam a ser mais densas, escuras, quentes e cada decisão importante dentro da trama é justamente tomada nesses momentos, dialogando perfeitamente com o embate do personagem com Deus – no escuro ele toma suas decisões, fugindo do olhar da uma força superior.
Essa luta de um homem contra a divindade ou o destino, permeia toda a projeção, atingindo seu ápice no extasiante clímax, que perfeitamente dialoga com o icônico eu abandonei meu filho, dito na igreja do pastor. Daniel supera Eli e o vence de uma vez por todas, fazendo- o gritar que Deus é uma superstição, algo que apenas evidencia sua própria condição solitária no momento. No fim não há vencedores nesses dois lados, como o roteiro deixa claro através da frase I’m finished que pode ser traduzida como “eu acabei” ou “estou acabado”. O único vencedor é Paul Thomas Anderson, que inegavelmente nos trouxe um dos melhores filmes dos anos 2000.
Sangue Negro (There Will Be Blood, EUA – 2007)
Direção: Paul Thomas Anderson
Roteiro: Paul Thomas Anderson (baseado no livro de Upton Sinclair)
Elenco: Daniel Day-Lewis, Paul Dano, Barry Del Sherman, Ciarán Hinds, David Willis
Gênero: Drama
Duração: 158 min