Você sabe o que é um “sucker punch”? É um golpe banalizado pelo boxe e amplamente utilizado em lutas de rua. Trata-se de um soco oportuno na face do adversário e, geralmente, o agressor tira as forças de suas vísceras para acabar com a luta com o golpe fatal. Este é o típico final blow. Já o filme, é o final blow de sua paciência.
Baby Doll é uma recém-órfã que teve diversos problemas com seu padrasto. Isso resultou no sua passagem só de ida para o sanatório Lennox House onde sofrerá uma lobotomia. Lá ela descobre que é possível escapar de seu trágico destino com a imaginação e a fantasia. Em sua cabeça, o manicômio torna-se um cabaré onde todos ficam hipnotizados com sua “dança”. E enquanto dança, distorce a realidade criando um mundo cheio de perigos que oferece os instrumentos para sua fuga: mapa, fogo, chave, faca e um mistério…
Infelizmente nem tudo era imaginário
O roteiro de Zack Snyder e Steve Shibuya seria um ótimo game, mas nunca um excelente filme. Infelizmente, ele escolheu a opção cinematográfica e assinou o óbito de sua obra insana. A trama é praticamente inexistente, apenas serve de desculpa para inserir seus universos fantásticos mirabolantes onde as protagonistas detonam alguns zumbis nazistas, dragões, orcs, samurais steampunk e robôs. Ou seja, o lado “real” da película é mal desenhado, desinteressante e vazio (embora o lado fantasioso também seja) seguindo apenas uma passagem de transição para outra cena megalomaníaca e acéfala de ação.
Entretanto, isso não seria nem relevante de escrever se o filme se contentasse em ser apenas uma idiotice despretensiosa, coisa que ele revela não ser graças a infeliz cena final. Toda besteira apresentada durante os cansativos 110 minutos de projeção é desconstruída por causa da psicologia barata a lá Pokémon/ Rocky Balboa proferida por Sweet Pea realizando uma das piores piadas de mau gosto que eu já havia escutado.
Além destes orgasmos mentais de Snyder, por mais incrível que pareça, sua história contém bonequinhos de ação – mais conhecidos como personagens. Baby Doll, Amber, Rocket, Blondie e Sweet Pea protagonizam sua história e acompanham a qualidade ruim do roteiro. Todas carecem de carisma e não deixam o espectador aflito com o destino de cada uma graças à invulnerabilidade no mundo fantástico, visto que praticamente nenhuma criatura oferece um perigo real para elas.
Fora isso, o enredo de sua história é bem previsível – na metade do filme já tinha matado o final. Ele conta também com uma reviravolta clichê que não surte o impacto esperado na plateia por causa do falta de envolvimento emocional da mesma com os personagens. E os diálogos, que são simplesmente vergonhosos pelo amadorismo da escrita. O melhor exemplo disto é a introdução de cada “missão” que as garotas encaram. Elas sempre são apresentadas ao objetivo por meio de um “sábio” (o melhor personagem que se assemelha muito ao cargo de Charlie em “As Panteras”) que conta com os piores quotes que já vi. Por exemplo: “Se você não lutar por nada, cairá por qualquer coisa!”
No entanto, nem tudo é um horror no roteiro de Snyder. A proposta de casar a imaginação com a ideia de liberdade é bem interessante. Também comporta as escapadas para o imaginário como fases de games com objetivos muito bem definidos. Algumas coisas conseguem até beirar a genialidade como a identificação dos personagens e dos itens em suas versões fantásticas e originais. Por exemplo, o porteiro do hospício com um isqueiro qualquer para a figura canastrona do prefeito com o ornamentado isqueiro dourado. Tudo isso surpreende somente uma vez e depois, a repetição infinita de elementos ultrapassados acaba por se tornar enfadonha.
Ilustrando a imaginação do outro
Contando com as sinuosas beldades Emily Browning, Abbie Cornish, Jena Malone, Vanessa Hudgens, Jamie Chung e Carla Gugino, conseguem ser sensual ao exxxtremo, mas não chegam nem perto de entregar uma atuação de qualidade.
Emily Browning é a protagonista de bochechas rosadas, mas sua atuação não faz jus à importância de sua hierarquia. Sempre com sua cara patética, convence no inicio, mas quando sua figura tem a obrigação de tornar-se fantástica, ela está lá com a mesma cara de pôquer do início da fita. Um ponto positivo de sua atuação fora os litros de lágrimas que ela conseguia reproduzir a todo instante
Vanessa Hudgens, Jena Malone e Jamie Chung são estereótipos de taras sexuais masculinas (loira, morena, asiática) e entregam o que foi pedido sem esforço e também sem atrativos, há não ser o sexual. Abbie Cornish é a única que se esforça e consegue surpreender bastante com sua personagem. Diversas vezes deu para sentir que ela realmente queria interpretar ao contrário de suas colegas automáticas. Carla Gugino comparece sem destaques, apenas com um sotaque russo medonho.
O elenco masculino exacerba a canastrice com a caricatura de seus personagens. Cada um com uma participação pior que a outra sendo que o líder do ranking é Oscar Isaac encarnando o canalha mor. Seus momentos variam e de vez em quando se sai bem, afinal nada consegue ser ruim por completo. Scott Glenn pega o melhor personagem e se diverte com o papel, aliás, qual homem não teria um grande sorriso no rosto contracenando com menininhas em trajes reveladores. Entretanto, é uma pena que seja seu personagem seja o profeta das piores falas do elenco inteiro.
Apresentando: “Epilepsia”
Larry Fong repete a dose fotográfica em outro filme de Snyder. Depois das belas imagens e cores de “300” e “Watchmen”, surpreende mais uma vez. Entretanto, realizou tudo com uma grandiloquência e exagero – coisa que não aconteceu nos outros filmes.
As cores de “Sucker Punch” são mortas e acinzentadas com um tom bucólico, muitas vezes, frio e pálido. Ela é escura até no mundo fantástico assumindo contrastes pesados e parcialmente enjoativos. Fong estapeia a plateia com um plano mais belo que o outro, mas faz isso incessantemente. Imagine comer seu doce favorito. Agora imagine comer seu doce favorito durante 110 minutos, sem água! Já deu para sentir o drama.
O bombardeio visual é tão intenso e desregulado que enjoa e não deixa o espectador de queixo caído após acostumar com a beleza estonteante. Consequentemente ele não fica ávido por mais – a chave mestra do Show Business. A moderação é o segredo de qualquer coisa e o exagero é o protagonista de Fong desmerecendo seu magnifico trabalho. Esta caracteristica é perceptível durante o filme inteiro, porém durante a cena do trem tudo é multiplicado por mil onde a câmera que já era inquieta, acha ângulos impossíveis enquanto rotaciona em 360º com bullet time – o efeito consagrado por “Matrix”.
De vez em quando, Fong se atrapalha para bater o tom das cores em outro ângulo. Diversas vezes pude observar uma variação considerável no tom acinzentado da película, uma coisa que a pós-produção poderia ter corrigido sem o menor esforço. Essas falhas fotográficas geralmente ocorrem nas cenas de interiores do cabaré, principalmente no interior esverdeado onde Madame Gorski treina sua meninas.
Os efeitos visuais baterão de frente com os do novo “Transformers” pela qualidade inacreditável. Todos belos cenários do mundo imaginário são composições dos animadores competentes. Até mesmo quando é necessário modelar as beldades adolescentes, conseguem fazer tudo de forma orgânica e verossímil. Fora o feito histórico da realização do dragão melhor trabalhado das últimas gerações.
A direção de arte também acompanha a qualidade técnica impecável do filme compondo os cenários do cabaré e do sanatório com todo aspecto e charme dos anos 60 misturado com a sujeira envelhecida do reboco detonado da parede manchada com espelhos enferrujados. O figurino marca pela bela e provocante caracterização fetichista de cada personagem.
O videoclipe sem fim
A música conseguiu desvalorizar ainda mais a fotografia de Fong. Ela tem um papel muito importante no roteiro – Madame Gorski aperta o play do toca fitas para a pancadaria começar.
Infelizmente isso concebeu uma cara de videoclipe para todas as sequencias de ação, o que não é bom, afinal, filme é uma coisa e videoclipe é outra. A trilha original é composta de mixagens e de reinterpretações de algumas musicas, entre elas “Where’s My Mind”, “Asleep”, “Army of Me”, “Love Is The Drug” e “Sweet Dreams” (esta conta com o melhor videoclipe). No entanto, a mixagem de “I Want it All” do Queen ficou bem ruim e dificilmente agradará alguém.
Novamente marcada pelo excesso, as musicas não empolgam servindo apenas para preencher as pancadarias femininas decorrentes e repetitivas. Os ótimos efeitos sonoros aguçam a audição pela barulheira das explosões e gritinhos, mas mais uma vez o exagero das doses cavalares de imagens fantásticas, acompanhadas por músicas góticas com um barulho altíssimo, quase faz o espectador ter um AVC durante a sessão.
Zack Snyder, o imprevisível
Após realizar feitos inestimáveis na carreira que dariam inveja a qualquer diretor, entre eles os já citados “300”; “Watchmen” e “Madrugada dos Mortos”, Snyder resolve colocar sua imaginação no papel quando, na verdade, deveria ter ficado em sua cabeça.
Muitos sabem que Mr. Snyder é uma concepção visual do séc. XXI. É fácil identificar um filme seu graças à fotografia marcante de Fong que sempre trabalha com ele e os tão famigerados slow motions. Aqui o efeito também aparece em excesso, a ponto de ser inserido até quando um balde cheio de batatas se espatifa no chão. Os atores ficaram a mercê da própria sorte que estava ausente durante as filmagens assim como Snyder. É bem preocupante um diretor dar tanto destaque com o visual (aqui se inclui as interessantes lutas coreografadas) a ponto de esquecer os seres que está filmando, vide o caso de Vanessa Hudgens.
A direção dele é bem pesada no início, destacando o assassinato, estupro e violência doméstica. Porém este tom fúnebre/mórbido não acompanha a jornada para o fantástico.
Outra característica do diretor é a brutalidade muitas vezes acompanhada de mutilações sangrentas, mas sua opção de abaixar a censura da fita pode ter comprometido um pouco a diversão. Aqui o sangue dá lugar à poeira, luz, engrenagens e ao vapor. A maturidade de “Watchmen” também vai embora e deixa Snyder criar seu paraíso masturbatório jovem estúpido, recheado de referências atuais de animes, RPGs, games e universos paralelos que muitos adorarão e alguns odiarão.
Sucker Punched right in the face!
Ao contrário de “Scott Pilgrim”, “Sucker Punch” é um filme/videoclipe cansativo, extremamente repetitivo, uma overdose de “atualidade”, exagerado e instável, apesar de ser tecnicamente impecável. Ao tentar fugir do que ele é, põe em cheque toda composição do filme. Ele pode ser um prato cheio para amantes do gênero e do mundo abordado que você pode conferir no trailer. Apenas lembre-se de desligar o cérebro, uma coisa que eu me esqueci de fazer e, que com toda a certeza prejudicou, e muito, a hipnose da dança de Baby Doll.