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Crítica | The Fame – A Triunfante Estreia de Lady Gaga

Stefani Germanotta, mais conhecida por seu nome artístico Lady Gaga, começou a criar um nome próprio ainda em 2003, quando apresentava-se em pequenos pubs empoeirados do Lower East Side, em Manhattan. Apesar da poderosa voz que trazia os maiores nomes do rock dos anos 1970 e 1980 de volta ao fragmentado cenário contemporâneo, permeado por uma crescente dominação do pop puro, foi apenas em 2008, com o lançamento de seu primeiro álbum de estúdio oficial pela Interscope, que ela veio a cair na graça popular e a viralizar de forma surpreendente até endossar a fama que possui até hoje.

The Fame, como foi intitulada sua primeira obra completa, é talvez uma das maiores estreias de todos os tempos da música. Não apenas por representar uma mudança radical no cenário em questão, mas também por insurgir como uma híbrida paleta de composições sonoras que ao mesmo tempo forjaram uma originalidade faltante no meio digital, preenchendo uma lacuna há tempos aberta, além de não precisar mascarar as claras influências de nomes como David Bowie, Cher e Cindy Lauper, cuja contribuição para a indústria musical é inegável e relembrada até hoje.

A grandiosa narrativa épica composta por Gaga é uma ode ao amor e à ambição. Em outras palavras, ambos os conceitos estão relacionados em uma série de eventos irônicos e sarcásticos que desprezam sutilmente o outro em favor de uma autoaceitação dos desejos inerentes do ser humano – como visto, por exemplo, na faixa Beautiful, Dirty, Rich. Toda a composição é pautada nas fortes investidas contra aqueles que não corroboram com seu patamar – e a cantora faz questão de declarar repetidas vezes que a única coisa que realmente precisa é de forças para alcançar o que quer, independente se terá o apoio de outros ou não. Ao mesmo tempo em que deixa clara essa posição, Gaga também submete-se àquilo que não quer definitivamente como “meios para um fim” – em Again, Again, single não-oficial do álbum, a artista discorre sobre sua paixão por um homem que não pode ter e que retornou para assombrá-la com seu charme depois que ela encontrou outro alguém. É engraçado analisar que, mesmo com a suposta negação ao que realmente sente, ela considera deixar seu atual companheiro para se jogar nos braços dos “olhos castanhos e únicos”.

A epopeia abre com um dos maiores hits de sua carreira, Just Dance. Iniciando-se com uma batida dialógica do R&B, a faixa é uma ode à tranquilidade e ao divertimento, visto que gira em torno de um grupo de pessoas embriagadas em uma balada e que não se lembram do que realmente aconteceu. Gaga incisivamente repete “apenas dance, tudo vai ficar bem”, cuja frase é perscrutada por batidas mascaradas do hip hop em contrapartida ao dance music próprio do início dos anos 2000, incluindo os arranjos vocais ao mesmo tempo exuberantes e suaves. Toda a história progride através do álbum de forma quase psicológica, abandonando a cronologia de um coming-of-age para dar lugar a uma histeria obsessiva que é ocultada pelas graças da perseguição dos sonhos.

Apesar da perspectiva intimista, é possível traçar um início, um meio e uma conclusão trágica para a história que a artista nos apresenta. Em diversas faixas, incluindo a ode ao melhor estilo “Lauper encontra Os Embalos de Sábado À Noite”, Disco Heaven, Gaga quer mais que tudo mostrar-se relaxada, tranquila, como se estivesse embebida por uma inebriante atmosfera de pacificidade que pode ou não ser ameaçada por uma força externa. Eventualmente, essa barreira quebra-se e deixa margem para algo que ela definitivamente não esperava – uma pessoa que insurge como sua maior ambição e que, num estilo romântico, parece insondável e inalcançável.

Poker Face é o início de uma trilogia de autodescoberta e jogos de sedução. Uma das músicas mais lembradas da cantora gira em torno de uma sexy composição eletrônica com batidas do pop clássico e que conta a história das múltiplas faces de uma mulher – no caso, alguém cuja expressividade blasé não pode ser decifrada por aquele que tenta seduzi-la. Entretanto, esse ideal vai muito além do que diz a superfície, visto que relaciona-se inclusive com a própria história de Gaga, cuja bissexualidade admitida era outrora mascarada por seu enigmático comportamento. De qualquer forma, a “moral” se estabelece como seu alvo não conseguir ler seus olhos e entender realmente o que ela deseja.

Pode ser que, mais tarde, essa “sedução à distância” tenha dado lugar a algo mais visceral e carnal. Em LoveGame, a ambição da cantora se mostra clara até demais: ela o deseja. Ele a deseja. Os dois podem criar mágica quando se tocam – mas, realmente, de quem ela está falando? É possível que haja duas pessoas desconhecidas entre si que lutam para conquistá-la, e é essa dúbia interpretação que torna a faixa tão incrivelmente apaixonante, sem falar que, em comparação com as outras composições, ela é a mais carregada de contemporaneidade. Um processo de maturação tão complexo que se torna passível de más interpretações, mas que na verdade emerge como algo puro: sua melodia cativante deixa de lado a influência R&B e preza pelo electro, criando uma atmosfera envolvente e sexualmente tensa que conversa com o próprio tema do álbum.

A conclusão toma um rumo inesperado. Paparazzi não apenas disserta sobre ambição, mas fala sobre como o desespero e a obsessão podem ser mortais, tanto para aquele que sofre quanto para aquele que causa. “Eu irei te seguir até você me amar” é praticamente uma súplica religiosa de alguém que não pôde lidar com a dor de ser rejeitado ou ter tido seus sentimentos varridos para debaixo do tapete. Além da batida opressiva, que resgata elementos de Just Dance, Poker Face e até mesmo o louvor à fama que empresta o nome ao título da obra, a narrativa mostra o lado obscuro das relações entre fãs e celebridades e de como esse amor doentio insurge como uma ruína incontrolável. É interessante levar em conta a forma que o álbum carrega os acontecimentos, dando o pontapé inicial com um frenético ritmo sobre esquecer os problemas e finalizando-se em um ciclo vicioso e trágico.

 A redenção, nem tão bem aclamada assim, toma forma em Eh, Eh (Nothing Else I Can Say), uma melodia mista entre blues e pop que basicamente fala sobre desapego. “Tivemos um ótimo tempo, e desejo o melhor no seu caminho” é a frase que abre a composição, mostrando que o eu lírico, após ter encontrado uma grave decepção e sua mais mortal nêmeses, finalmente conseguiu deixar o causador de tudo ir embora – e não sabemos ao certo se esse “causador” é ele mesmo ou outra pessoa.

The Fame é algo único. Um disco diferente que traz faixar permeadas pelo melhor do disco, do glam e até mesmo rock. O álbum não é sobre quem você é – Gaga faria isso mais tarde com sua obra-prima -, mas como o mundo quer saber como você se expressa. Talvez possa parecer pedantismo demais, mas este é um movimento de arte que move o mundo e que, querendo ou não, fala das características mais inalienáveis do ser humano: a de ambicionar.

Notas por faixa:

  • Just Dance – 4/5
  • LoveGame – 4,5/5
  • Paparazzi – 5/5
  • Beautiful, Dirty, Rich – 4/5
  • Eh, Eh (Nothing Else I Can Say) – 3/5
  • Poker Face – 5/5
  • The Fame – 4/5
  • Money Honey – 3,5/5
  • Again, Again (lançado no Reino Unido) – 5/5
  • Boys Boys Boys – 3,5/5
  • Brown Eyes – 4/5
  • Summerboy – 4/5
  • I Like It Rough – 4/5
  • Starstruck – 3,5/5
  • Paper Gangsta – 3,5/5
  • Retro, Dance, Freak – 4/5
  • Disco Heaven (lançado no Brasil e no Japão) – 4,5/5

The Fame (Idem, EUA – 2008)

Gravadora: Insterscope
Lead: Lady Gaga
Composição: Stefani Germanotta, Nadir Khayat, Aliaune Thiam, Rob Fusari, Martin Kierszenbaum, Bilal Hajji, Brian Kierulf, Josh Schwartz
Gênero: Pop, Electro Rock, Techno, Dance
Faixas: 15
Duração: 60 min.

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Publicado por Thiago Nolla

Thiago Nolla faz um pouco de tudo: é ator, escritor, dançarino e faz audiovisual por ter uma paixão indescritível pela arte. É um inveterado fã de contos de fadas e histórias de suspense e tem como maiores inspirações a estética expressionista de Fritz Lang e a narrativa dinâmica de Aaron Sorkin. Um de seus maiores sonhos é interpretar o Gênio da Lâmpada de Aladdin no musical da Broadway.

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